Ideias Para Sairmos Bem Dessa Quadra da História

Como Chegamos ao 08 de Janeiro e o que Podemos Fazer Para Que Ele Não Se Repita

Os eventos ocorridos em 08 de janeiro de 2023 já entraram nos anais da História do Brasil, e entraram pela porta dos fundos. Não há qualquer dúvida de que se tratam dos maiores atentados às instituições democráticas brasileiras desde a Constituição de 1988, e, a bem da verdade, nem mesmo antes da Sexta República há registro de um ataque tão direto aos símbolos da República. O Brasil tem como característica histórica a construção de momentos históricos farsescos, mas o 08 de janeiro foi uma desonrosa exceção: embora as narrativas golpistas sejam falsas, o ódio era real, a intenção de destruir a democracia era real, e o risco corrido também foi real. Nesse cenário preocupante, é preciso revisitar o que aconteceu, analisar as medidas de mitigação, mas também é preciso criar condições para que a democracia não seja apenas um esforço retórico. As ações práticas são essenciais para que o desejo pela consolidação da democracia não seja apenas um ideal perdido diante das dificuldades cotidianas que um país do porte do Brasil sempre teve.

1. Os Antecedentes

Quando Bolsonaro foi eleito, em 2018, a direita vislumbrava vinte anos no poder, a exemplo do que aconteceu durante a ditadura militar. Sendo mais exato, o plano estava traçado para um pouco menos de vinte anos: os militares tinham traçado um plano até 2035. Esse plano envolvia três think tanks (o Instituto Villas Boas, o Instituto Sagres e o Instituto Federalista) e estava em operação ao menos desde 2010, através da inserção progressiva dos militares na política. A decisão a respeito do tema veio junto com a eleição presidencial de Dilma Rousseff. Não apenas pelo fato de que Dilma participou da luta armada contra a ditadura, mas principalmente porque Dilma trazia consigo a promessa de ampliar o escopo da Comissão da Verdade. O medo de punição fez os militares declararem internamente a urgência em se reinserirem na política. Especialmente aqueles formados na década de 70, que estavam no topo da cadeia de comando no momento: Villas Boas veio da turma de 1973 da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Carlos Alberto dos Santos Cruz e Sérgio Etchegoyen foram formados em 1974. Hamilton Mourão, da turma de 1975. Fernando Azevedo e Silva, da turma de 1976. Outros nomes conhecidos, como Walter Souza Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos, Edson Leal Pujol e Mauro Cezar Cid, foram formados pela Aman entre 1977 e 1979. Augusto Heleno Ribeiro Pereira, formado pela AMAN em 1969, tinha sido assessor de Sylvio Frota, e, por conta dessa proximidade com os figurões da linha dura, era uma espécie de eminência parda, uma referência para os generais formados nos anos posteriores. Heleno dava sugestões e ajudava a elaborar estratégias entre seus pares.

A estratégia era simples: criar um clima de terror na sociedade contra o PT. Com o PT desmoralizado, as investigações contra os militares não avançariam, garantindo a anistia desses oficiais, que já estavam em atuação na época em que a ditadura militar ainda matava e torturava oposicionistas país afora. Por ironia, esse processo acabou facilitado pelo próprio PT: após anos de extensivo sucateamento das Forças Armadas sob Sarney, Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, o governo Lula retomou o investimento em infraestrutura militar. E não só isso: com Lula, o Brasil voltou a participar como protagonista de operações militares internacionais, geralmente sob o comando da ONU. Nesse contexto, Augusto Heleno comandou a operação no Haiti entre 2004 e 2005 e Santos Cruz comandou a mesma operação entre 2006 e 2009. Entre o comando de ambos, ocorreu um dos episódios mais mal esclarecidos da história militar brasileira: a morte do General Urano Teixeira da Mata Bacelar, que tinha substituído Augusto Heleno no Haiti e em 2006 foi encontrado morto em Porto Príncipe com um tiro na cabeça. Embora o laudo oficial seja de suicídio, telegramas vazados pelo Wikileaks sugerem assassinato. O caso não está esclarecido até hoje.

O fato é que os militares brasileiros voltaram a ganhar protagonismo, influência e a ter contato sistemático com militares de alta patente de outros países, especialmente dos EUA. E o objetivo dos militares sempre foi um só: que os crimes de estado da época da ditadura militar fossem esquecidos de vez, sem nenhum resquício de punição. Nas décadas de 1990 e no início dos anos 2000, eles não foram punidos por falta de interesse, porque parecia uma estratégia mais razoável deixar os militares recolhidos à insignificância. No entanto, o elefante na sala não pode ser ignorado para sempre: quando os crimes da ditadura começaram de fato a ser apurados, os militares já estavam angariando força suficiente para impedir que se repetissem cenários como o da Argentina, em que os ditadores e seu carrascos foram exemplarmente punidos.

Para isso, duas estratégias paralelas estavam em andamento: a primeira delas era a do enfraquecimento do PT. Um governo petista enfraquecido não teria legitimidade para punir os militares. O golpismo dos militares brasileiros não vem de 2023. Vem desde 2015 ao menos, se contarmos apenas as aparições públicas. Se incluirmos o planejamento, vem desde 2010 ao menos.

Em 2015, quando o General Mourão criticou publicamente a Presidenta Dilma Rousseff – e foi exonerado por isso – também apareceu publicamente a segunda estratégia dos militares para descredibilizar qualquer descoberta da Comissão da Verdade: o revisionismo relativo à ditadura. Os militares nunca tiveram vergonha dos crimes cometidos nos anos de governo militar, mas evitavam manifestar esses crimes com orgulho, por saberem que a opinião pública repudiava esses crimes. Anos de construção revisionista fizeram com que os militares tivessem coragem de manifestarem publicamente suas opiniões já em 2015, e para isso quem teve papel essencial foi um deputado militar, caricato, de péssimo histórico e passou décadas sendo tratado como piada:Jair Bolsonaro, formado pela turma da AMAN de 1977.

Bolsonaro era um oficial sem muito destaque. Formado no ápice da ditadura, alinhado com as ideias de Sylvio Frota e da linha dura, vou seus sonhos de poder se esvaírem logo no ano de sua formação, quando Sylvio Frota foi defenestrado do Exército por Ernesto Geisel. A partir daí, atuou como pára-quedista e passou a ser uma voz interna pelos direitos dos oficiais em um momento de desmantelamento do regime e retomada da vida civil. Respondeu processo disciplinar e saiu do Exército em 1988, depois da Revista Veja publicar em 1987 ameaças de bombas contra quartéis e outras instalações por parte do próprio Bolsonaro.

Nesse momento, Bolsonaro se tornou uma voz dos militares ressentidos com a abertura democrática. Nunca teve qualquer freio na língua, nunca deixou de defender a linha dura. Com isso, conseguiu o apoio silencioso por muito tempo daqueles que concordavam com as torturas e abusos da ditadura, mas não podiam manifestar isso em público. Foi eleito deputado federal sete vezes seguidas, angariando apoiadores para um voo maior nos últimos dois mandatos: o revisionismo sobre a ditadura agora era defendido por outras pessoas também, inclusive pela cúpula militar que estava usando essa defesa como forma de reinserção na política.

Ao criticar Dilma e defender a ditadura, Mourão, então um general da ativa, abriu espaço para normalizar o show de horrores que veríamos no plenário da Câmara em 17 de abril de 2016. Dentre todas as declarações de voto pelo impeachment de Dilma Rousseff, a mais abjeta, sem nenhuma dúvida, foi a de Jair Bolsonaro: o voto foi dedicado a Carlos Alberto Brilhante Ustra, general que torturou Dilma Rousseff. Isso, para além de um gesto desprezível, era um aceno aos militares. Brilhante Ustra, assim como Augusto Heleno, era do grupo de Sylvio Frota. A característica do grupo de Sylvio Frota era o de que a abertura “lenta, gradual e segura” planejada por Ernesto Geisel era uma ameaça e faria o comunismo se instalar no Brasil. Esse grupo era tão radicalizado que considerava o General Golbery do Couto e Silva, chefe do SNI entre 1974 e 1981, um “esquerdista infiltrado”. Villas Boas, Heleno, Mourão, todos esses caras foram formados por livros como o Orvil, livro cujo conteúdo foi revelado brilhantemente pelo jornalista Lucas Figueiredo em 2007.

O Orvil foi idealizado em 1985 pelo então Ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves, como resposta para o seminal Brasil: Nunca Mais, então recém-publicado. A ideia era desmentir todas as torturas e abusos que o projeto Brasil: Nunca Mais tinha revelado. A confecção do livro ocorreu no mesmo quartel general do Exército na frente do qual os bolsonaristas ficaram acampados por 70 dias em Brasília antes de destruírem os prédios dos três poderes da República.

O livro terminou não publicado, mas acabou servindo de subsídio para as conspirações de extrema direita por décadas a fio. O Orvil foi sem dúvida nenhuma o principal subsídio para as obras do Coronel Brilhante Ustra, por exemplo, oferecendo uma base argumentativa (e conspiratória) para desmentir os crimes da ditadura. A intenção era trazer também um senso de urgência como justificativa para os abusos: como um golpe comunista sempre era “iminente”, qualquer ação autoritária era válida para “impedir o golpe”. Inclusive torturar – como meio de conseguir informações sensíveis – e matar.

Essas conspirações, no entanto, sempre circularam em grupos militares e de extrema direita. Existem evidências de que foram utilizadas em relatórios oficiais da caserna e, para além disso, eram o subsídio ideológico dos herdeiros de Sylvio Frota. O Orvil foi uma inspiração para sujeitos como Olavo de Carvalho produzirem material de extrema direita revisionista aplicados especificamente ao Brasil. E isso nem é segredo: Olavo de Carvalho tinha contatos constantes com militares ao menos desde o início dos anos 2000. Muitos deles foram alunos de seu Curso Online de Filosofia, inclusive.

É nesse ponto que as coisas começam a se tocar. Os militares queriam assumir o poder novamente para ficarem ilesos, e Bolsonaro era de fato tratado como um “mito”, porque defendeu por anos ideias conspiratórias – e foi ridicularizado por isso – antes que elas se tornassem populares e bem aceitas para além de círculos restritos de extrema direita, por obra de ideólogos como Olavo de Carvalho e de toda uma confluência de forças antipetistas que se encontrava ali, no impeachment de Dilma.

A primeira dessas forças, para além dos militares, é a dos evangélicos. E Bolsonaro foi um visionário ao compreender a instrumentalização dos evangélicos como força política por seus pastores. Desde 2010, ao menos, havia um ressentimento acumulado entre líderes evangélicos em relação ao PT. Nesse ano, José Serra, percebendo que seria incapaz de lidar com a alta popularidade de Lula, contratou um marqueteiro estadunidense de ascendência indiana, Ravi Singh (não é o empresário britânico), para gerenciar sua campanha digital. Sua empresa, a Election Mall, tinha um método infalível e seria capaz de “transformar as eleições”, e ele tinha como principal cartão de visitas a vitória maiúscula de Juan Manuel Santos sobre Antanas Mockus na Colômbia, ocorrida pouco antes.

No fim o método era uma forma bastante rudimentar de estabelecer uma rede de fake news: Ravi Singh trabalhava o pânico moral inventando mentiras sobre o adversário de forma “anônima”, através de e-mails anônimos enviados a listas de e-mails compradas. Foi assim que ele impediu a subida de Antanas Mockus na Colômbia e foi assim que ele tentou desgastar Dilma Rousseff no Brasil com mentiras estilo “Michel Temer é satanista” e “o PT vai trazer iniquidade para o Brasil”.

No Brasil, isso acabou tendo bastante efeito. Serra não ganhou a eleição, mas muitos evangélicos começaram a ter restrições morais ao PT, que foram base do antipetismo moral que conhecemos hoje: coisas como “o PT é a favor do casamento gay”, “o PT é a favor do aborto” e “o PT é contra a família” já eram faladas naquela época. E reverberavam, porque esse discurso “dava match” com o discurso moralista de muitos pastores Brasil afora.

Por uma dessas ironias do destino, o tal Ravi Singh foi preso em 2014 pela polícia da Califórnia por ter usado métodos de doação ilegais em uma eleição na cidade de San Diego. Mas o estrago já estava feito: em 2011 mesmo, o próprio Jair Bolsonaro abandonou a retórica meramente pró militar e começou a usar com mais força o discurso moralista contra minorias. Na ocasião, após uma fala racista no CQC, foi defendido por neonazistas, que viam em Bolsonaro alguém que fazia a defesa pública das “pautas” que eram caras para eles. Em algum momento o discurso contra minorias passou a entrar no mainstream da discussão política. De forma obtusa, Bolsonaro foi deixando de ser piada para ser um fato político.

Inclusive, cabe ressaltar que a primeira vez em que o discurso moral evangélico viralizou em uma campanha presidencial foi em 2010, com o Pastor Batista Paschoal Piragine Jr. Mas foram os neopentecostais (especialmente a Igreja Universal do Reino de Deus) que abriram o caminho para tornar a participação política dos pastores algo desejável, ainda na década de 90, como mostra o sociólogo Ricardo Mariano em seu fundamental livro sobre as igrejas Neopentecostais (MARIANO, 2014)

Essa conciliação entre moralismo e atuação política tornou-se uma arma poderosíssima na mão de alguns pastores: uma pesquisa de 2016 do Datafolha mostrou que 66% dos evangélicos não pentecostais e 52% dos evangélicos pentecostais concordavam com a afirmação de que os valores religiosos devem ter influência nas decisões políticas do país. A mesma pesquisa sinalizou que 44% dos evangélicos concordava com líderes religiosos se candidatando a cargos políticos. Havia ali uma avenida aberta para a exploração política da moralidade.

Foi esse caminho que Bolsonaro trilhou. E foi uma trilha muito bem planejada, que construiu junto aos evangélicos a imagem de Bolsonaro como um “homem de Deus”, embora ele nunca tenha se declarado evangélico de fato. Em 2013, Bolsonaro celebrou seu casamento religioso com Michelle Bolsonaro sob a bêncão de Silas Malafaia, ainda que ambos já fossem casados de fato desde 2007. Em 2016, Bolsonaro foi batizado no Rio Jordão pelo Pastor Everaldo exatamente no dia em que Dilma Rousseff sofria impeachment no Senado. Esses passos foram essenciais para que Bolsonaro tivesse solidificada junto aos evangélicos a imagem de um homem de família, que respeita os valores cristãos. Um homem moralmente aceitável, em contraposição ao governo do PT, acusado de imoral pela bancada evangélica, especialmente por conta das políticas em relação às mulheres e aos LGBTQ+.

Depois desses eventos, o caminho para que evangélicos e militares se juntassem em 2018 ficou muito mais suave. Inclusive há uma questão cultural envolvida que faz com que evangélicos e militares tenham muito mais afinidade do que parecem a princípio: grupos pentecostais e neopentecostais vivem em um estado constante de “batalha espiritual”, invocando, para isso, passagens do Antigo Testamento de caráter fortemente bélico, e também referências como a “armadura de Deus”, que Paulo uso como elemento figurativo em sua carta aos Efésios. O militar é aquele que batalha contra o inimigo. O evangélico que vive sob uma teologia de batalha espiritual é aquele que batalha contra o inimigo (espiritual). Quando esses dois mundos se encontram, as convergências são muitas.

Para além dos militares e dos evangélicos, a desmoralização do PT passou por um enorme esforço de mídia, amparado por uma parte do judiciário que alargou enormemente os limites processuais (para ser bem generoso) com o objetivo de derrubar Dilma e inviabilizar Lula politicamente. Sem entrar em detalhes processuais, já explorados à exaustão, especialmente após a Vaza Jato, é possível dizer que, em diversas situações, esse processo de desmoralização do PT junto ao Judiciário foi fortemente tutelado pelos militares, como no célebre caso do tweet do General Villas Boas quando o STF estava julgando, em abril de 2018, o recurso que poderia impedir a prisão imediata do então ex-presidente Lula.

Outra prova de que o Judiciário estava, em grande medida, sendo tutelado pelos militares, foi o fato do Ministro do STF José Antonio Dias Toffoli, então na presidência do órgão, ter nomeado como seu assessor Fernando Azevedo e Silva (sim, o general da turma de 1976 da AMAN). Nem o argumento de que era para “manter boas relações com o bolsonarismo” fazia sentido, uma vez que a nomeação foi anterior à eleição. Para além disso, o próprio General Eduardo Villas Boas, em entrevista à Folha após a eleição de Bolsonaro, disse que cogitou “intervir” caso o STF desse o habeas corpus pedido por Lula logo antes dele ser preso, em abril de 2018.

A relação dos militares com o Judiciário se resumia nessa citação: parte do Judiciário colaborava, a outra parte era tutelada. Quando Lula disse em 2016 que “o STF se acovardou” ao não impedir o impeachment de Dilma, a coisa depois se revelou um pouco mais grave: a covardia do STF esteve em não recusar a tutela que os militares impuseram entre o início do processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff e a eleição de Bolsonaro. Quando a cúpula do Judiciário finalmente retomou sua independência, no contexto da não adesão às pautas negacionistas de Bolsonaro na pandemia, passou a ser visto como inimigo. Tanto pelo Bolsonaro quanto pelos próprios militares.

Outros grupos políticos também se alinharam ao projeto bolsonarista aos poucos: a (grande) parte do agronegócio que aos poucos pressionava Dilma pela desregulamentação das regras ambientais se sentiu atraído pela perspectiva de uma completa desregulamentação que o bolsonarismo propunha. Outra prioridade dos formandos da AMAN discípulos do Sylvio Frota era o lema “integrar para não entregar”, fruto de mais uma paranóia: a de que se a Amazônia não fosse cortada por todos os lados, países viriam e invadiriam o Brasil via Amazônia. Trabalhos acadêmicos mostram como isso era uma prioridade enquanto a linha dura estava no poder (DE SOUZA, 2020)

Junto com isso, atraiu bastante esse tipo de ruralista (bem como garimpeiros ilegais) o fato de que Bolsonaro prometeu – e, infelizmente, cumpriu – “nenhum centímetro a mais para terras indígenas”. Isso já era verbalizado no início de 2018, quando Bolsonaro era líder nas pesquisas sem Lula, mas não o favorito para ganhar a eleição.

Por último, chagou a Faria Lima. Bolsonaro foi ridicularizado em 2017, ao não saber responder coisas elementares sobre economia. À partir daí, achou um fiador para a área: Paulo Guedes, apresentado com pompa quase um ano antes da eleição. No início, o mercado não se animou, mas aos poucos Bolsonaro passou a ser uma opção, dada a repulsa da Faria Lima ao PT e o fato de que a campanha de Geraldo Alckmin, então no PSDB, não decolou.

Obviamente, outros grupos também tem parte nesse caldo de cultura bolsonarista. Conservadores católicos, por exemplo, acabaram alinhados com evangélicos bolsonaristas. Grupos sertanejos se comportaram sob a tônica do agronegócio. Gamers conservadores e Incels acabaram fazendo parte do “serviço sujo” e atuando como trolls nas redes sociais. O reacionarismo passou a ser de fato um fenômeno cultural sob Bolsonaro. O tempo mostraria que esse fenômeno seria extremamente tóxico, como ficou provado nas cenas dantescas que vimos em torno da Praça dos Três Poderes em 08 de janeiro de 2023.

2. O Diagnóstico

Lula passou por uma das histórias políticas mais inacreditáveis vividas por uma pessoa pública. Se a história de Lula terminasse em 2010, ele já seria um dos maiores políticos da História do Brasil. Mas os últimos 13 anos levaram Lula a um patamar completamente novo. Um patamar nunca antes atingido por qualquer político brasileiro.

Entre 2011 e 2012, Lula tratou um câncer extremamente agressivo na laringe, com alto índice de mortalidade. Em 2012, elegeu Haddad como prefeito de São Paulo. Em 2013, viu a popularidade do PT se esfarelar em meio às manifestações de junho. Em 2014, viu o amigo Eduardo Campos morrer em um acidente aéreo durante a campanha presidencial, e Dilma ser reeleita em uma carnificina eleitoral (da qual o PT fez parte). Em 2015, viu a Lava Jato avançar, a pressão pelo impeachment de Dilma aumentar, e em 2016 foi vítima de uma condução coercitiva e de um grampo vazado pelo Sérgio Moro. Tentou assumiu um Ministério para salvar Dilma e foi impedido. Em 2017, perdeu Marisa Letícia, sua companheira por décadas, e foi condenado por Moro. Em 2018, foi preso em uma das condenações. Viu o STF se acovardar, negando o habeas corpus após intimidação do General Villas Boas. Também se viu impedido de disputar a eleição e Bolsonaro eleito como Presidente da República.

Em 2019, Lula viu seu algoz Sérgio Moro assumir o cargo de Ministro da Justiça no governo Bolsonaro. Perdeu seu irmão Vavá estando preso, e foi impedido pelo Ministro Dias Toffoli, aquele que tinha um general como assessor, de ir ao velório. Também perdeu seu neto Arthur, e ao menos pôde ir ao velório, fortemente escoltado. Viu da sala onde estava preso na Polícia Federal de Curitiba a Vaza Jato mostrar como Sérgio Moro e a equipe de procuradores da Lava Jato em Curitiba, comandada por Deltan Dallagnol, combinavam sentenças e ações midiáticas com o objetivo de condenar ele, Lula, injustamente. Teve oferta de ir para São Paulo, também teve oferta de ser solto e de ficar com tornozeleira eletrônica. Foi solto quando o STF mudou a interpretação sobre prisão após julgamento em segunda instância. Nesse meio tempo, leu um monte de livros e iniciou um novo relacionamento, com Janja.

Em 2020, Lula viu uma pandemia atingir o mundo, e o governo Bolsonaro agir de forma negacionista, dizendo em rede nacional que se tratava de uma “gripezinha”. Viu Sérgio Moro pedir demissão e um general assumir o Ministério da Saúde. Viu novas lideranças de esquerda, como Boulos, crescerem nas eleições municipais, mas também viu pouquíssimas vitórias fora do Nordeste. O PT perdeu muita força nas administrações municipais.

Em 2021, Lula recuperou seus direitos políticos. As condenações dadas por Sérgio Moro foram anuladas. Primeiro porque Sérgio Moro não era o juiz certo para julgar as ações. Depois, para tirar qualquer dúvida, porque Sérgio Moro foi considerado suspeito. Lula passou a liderar todas as pesquisas presidenciais, especialmente após a CPI da COVID mostrar para todo o país a gestão catastrófica e criminosa de Bolsonaro em relação à pandemia, que incluiu negligência na compra de vacinas, corrupção na compra de vacinas e opção deliberada por contaminar a população. Também procurou Geraldo Alckmin seu antigo adversário de PSDB, para sondar sobre a possibilidade de uma chapa conjunta entre Lula e Alckmin, que soaria como uma insanidade para qualquer cidadão comum.

Em 2022, Lula se casou com Janja, que conquistou uma nova grande amiga: Lu Alckmin, com quem tinha ótimas conversas enquanto Lula e Alckmin faziam suas programações de campanha. Sim, Lula e Alckmin de fato formaram uma chapa presidencial. Uma chapa capaz de vencer a eleição mais suja que esse país já viu. Bolsonaro cometeu toda sorte de crimes possível para ganhar a eleição, com o apoio de figuras como Arthur Lira, na Presidência da Câmara, e Augusto Aras, que bloqueava todas as investigações na PGR. Bolsonaro gastou bilhões com o orçamento secreto para comprar votos pelo país todo, e gastou mais bilhões com um monte de medidas eleitoreiras, como o aumento conveniente do Auxílio Brasil na véspera da eleição e o oferecimento até de crédito consignado desse Auxílio. Bolsonaro também cometeu crimes eleitorais de toda espécie: além de espalhar fake news, a exemplo de 2018, com apoio institucional de redes de TV como a Jovem Pan, Bolsonaro incentivou idosos a votarem usando o voto como prova de vida do INSS, e dizendo que “só o voto no 22 serviria”. Bolsonaro achacou beneficiários de programas sociais a votar nele. Bolsonaro promoveu bloqueios com a PRF no dia da eleição. Bloqueios que fizeram, por exemplo, Lula ter menos votos no Amapá no segundo turno do que teve no primeiro.

E ainda assim Lula ganhou a eleição. A vitória de Lula foi um milagre da democracia.

Lula discursou dia 30 de outubro como um estadista e fez um gabinete de transição exemplar sem nenhuma colaboração de fato por parte dos bolsonaristas. Foi na COP 27 e reabriu as portas do mundo para o Brasil. Formou um Ministério extremamente qualificado. Fez com que uma multidão se deslocasse para Brasília em comemoração.

Já em janeiro de 2023, Lula teve uma cerimônia de posse histórica, feita pelos brasileiros e para o brasileiros. Na ausência de Bolsonaro, viu a faixa presidencial ser entregue por uma catadora, categoria que ele faz questão de visitar todos os anos. Uma semana depois, viu os prédios dos três poderes destruídos pelo terror bolsonarista. Reuniu todos os governadores para um repúdio coletivo à barbárie e para uma promessa e um compromisso de reconstrução do país.

Entender as emoções por trás da História do Lula é uma insanidade. Ele teria todos os motivos para se vingar, para se render à violência, para sentir ódio. Mas ele insiste em sentar, conversar, em reunir forças antagônicas na mesma mesa, como um autêntico sindicalista. A história de Lula como sindicalista faz com que ele tenha enorme apreço às mesas de negociação. E essa lógica torna Lula um obstinado pelo acordo, e também um obstinado por aquela que é a pauta de sua vida: a de que todos os brasileiros precisam fazer três refeições ao dia.

Mas essa sequência toda é só para entender como Lula conseguiu conciliar forças tão antagônicas. Lula enxergou antes de todo mundo a necessidade de mudar os termos da discussão. Em uma disputa entre projetos políticos, Lula fatalmente perderia do Bolsonaro, que sabe usar muito bem o antipetismo para seu benefício. Lula mudou os termos para uma discussão entre democracia e autoritarismo. Em 2021, eu já antecipei que essa era a intenção de Lula ao se aproximar de Alckmin:

Em uma primeira análise, uma aliança do tipo provocaria rejeição mútua, fazendo os conservadores que sempre votaram em Alckmin torcerem o nariz com a mesma intensidade que a esquerda lulista.

Mas a conta não é tão simples. Lula também passou por maus bocados em eleições anteriores, incluindo uma prisão arbitrária, e a derrota da Haddad para Bolsonaro em 2018 deixou lições para o partido. A primeira delas: colocar a disputa nos termos esquerda x direita sempre vai ser perigoso. Porque foi essa a disputa em 2018, e quem impôs isso não foi Haddad: foi Bolsonaro. A principal acusação que ele trouxe contra o petismo foi a de um esquerdismo criminoso, corrupto, e naquela época eles tinham na prisão do Lula um dos principais argumentos para justificar essa linha estratégica. Hoje, as acusações contra Lula foram desqualificadas (e foram sim, pessoal, não adianta argumentar contra, não foi só aquela coisa “os processos não deveriam estar em Curitiba”, Sérgio Moro foi oficialmente declarado um juiz suspeito, parcial, algo de extrema gravidade, que poderia levar à expulsão do juiz dos quadros do Judiciário se ele já não tivesse saído para se tornar Ministro do Bolsonaro) e Lula sabe que isso tem que estar bem claro na cabeça do eleitor no ano de 2022.

É aí que entra a segunda parte da estratégia: é preciso qualificar Bolsonaro e Moro como líderes autoritários. E, para isso, é necessário consolidar na cabeça do eleitor que todo o processo envolvendo a prisão e o impedimento da candidatura de Lula em 2018 foi perseguição política. E que esse processo foi conduzido de maneira autoritária por Sérgio Moro, de forma a beneficiar Jair Bolsonaro. Prova disso foi a ideia de requentar a delação do ex-Ministro da Fazenda Antonio Pallocci falando uma semana para a eleição. É essa a narrativa que a candidatura Lula vai usar para resistir aos ataques que fatalmente virão: Bolsonaro e Moro são representantes do autoritarismo e precisam ser eliminados da cena política.

Essa afirmação de Bolsonaro e Moro como antidemocráticos é importante porque permite o esvaziamento da estratégia usada por Bolsonaro em 2018, em tentar definir a eleição como um confronto entre direita e esquerda. O confronto agora passa a ser entre democracia e autoritarismo. Essa é uma bala de prata que atinge dois objetivos de uma vez só: 1) Deixa Bolsonaro sem argumentos para combater Lula, afinal ele já deu inúmeras demonstrações de autoritarismo; e 2) Esvazia o discurso morista (e de terceira via em geral) de que Bolsonaro e Lula “são duas faces da mesma moeda”. A diferença de Lula para Bolsonaro é que Lula é um democrata e o objetivo de Lula é provar isso durante todo o processo eleitoral.

Aí é que entra o nome de Geraldo Alckmin. O ex governador de São Paulo como vice esvazia o discurso de Bolsonaro (e de Moro, em certa medida) de que estamos diante de uma disputa entre esquerda e direita. Alckmin é um expoente de centro direita com histórico consistente inclusive entre grupos conservadores religiosos. Além disso, é um mestre da pequena política, não se furtando a participar de reuniões infindáveis de articulação regadas a café e conversa. Foi assim que ele conseguiu força para governar São Paulo por quinze anos mesmo sem nunca ter sido um grande “entregador de projetos”. Alckmin segue sendo extremamente influente com os prefeitos do interior paulista, e consegue agregar muita gente em torno de si, com seu jeito pacato de ser, típico de um cidadão do interior de São Paulo.

Tendo Alckmin como vice, Lula consegue argumentar que sua candidatura está aglutinando todos os setores do campo democrático, da direita à esquerda.

Lula usou o mote da defesa da democracia a eleição inteira. O fato de que Lula se colocou como representante da democracia empurrando Bolsonaro (e Moro, que voltou a apoiar Bolsonaro no segundo turno de 2022) para o papel de líder autoritário precisa ficar muito gravado quando pensamos no que aconteceu na Praça dos Três Poderes dia 08 de janeiro. Quando os bolsonaristas destruíram o STF, o Palácio do Planalto e o prédio do Congresso, é como se eles estivessem confirmando que Lula tinha razão: a briga era entre a democracia e o autoritarismo. E nessa briga cada voto foi essencial. Cada apoio improvável, cada postagem nas redes sociais, cada conversa entre amigos.

A diferença de 2 milhões de votos foi, antes de tudo, alarmante. Heróica, mas alarmante. E hoje a eleição parece muito mais heróica, quando vemos o tipo de destruição que os bolsonaristas são capazes de promover.

Dentre todos os apoios, porém, um se destaca: Marina Silva, que tinha sofrido muitos ataques em 2014, voltou a ter proximidade com Lula. A história com final feliz e a retomada de uma amizade interrompida pela política, no entanto, são os aspectos menos importantes dessa aproximação. Faltava um mês para o primeiro turno, e as reclamações de que o único projeto do Lula era “derrubar o Bolsonaro” eram cada vez mais recorrentes. Lula, de fato, não tinha um projeto além de repetir o que ele já tinha feito entre 2003 e 2010, o que não era nenhuma garantia de sucesso, uma vez que o contexto mudou muito desde então.

Daí surgiu Marina.

Marina Silva trouxe consigo todo um projeto de desenvolvimento baseado na transição do Brasil para uma economia verde, e na reafirmação brasileira como um líder mundial no combate às mudanças climáticas. Marina foi a pessoa certa na hora certa e, embora sua confirmação no Ministério do Meio Ambiente fosse alvo de suspense, também acabou sendo a mais festejada dentre todas. Marina trouxe para Lula o caminho do desenvolvimento brasileiro nos próximos anos, e Lula abraçou tanto a ideia que agora fala sobre o assunto até no anúncio de intervenção federal no Distrito Federal.

Toda essa história é para mostrar que Lula construiu, desde que saiu da prisão, o contra-projeto bolsonarista. Os militares construiram um projeto autoritário (nenhum projeto de manter o poder “até 2035” sem ressalvas ou possibilidades em contrário pode ser considerado democrático) para se livrarem de punições, baseado no revisionismo da ditadura e na desmoralização do PT. Para isso, agregaram o moralismo de setores majoritários do público evangélico, o discurso hipócrita de combate à corrupção de parte do Judiciário, a disposição em destruir a floresta do agronegócio e a lógica de espoliamento do Estado pelo capital especulativo. É esse projeto que está sendo combatido.

E como está sendo combatido? Através de um projeto democrático (raramente Lula fala para além dos quatro anos de seu mandato), baseado na inclusão sem julgamento de todos os setores da sociedade em contraposição ao moralismo. Também em um aliança inusitada com o Judiciário, mas também previsível, porque a defesa da democracia pressupõe necessariamente o fortalecimento das instituições. Com a chegada de Marina, também chegou o projeto de desenvolvimento que vai combater e superar o projeto do agronegócio bolsonarista, preservando a floresta através da transição para modelos econômicos sustentáveis, com foco no reflorestamento, na economia verde e na transição energética. E, finalmente, com Haddad na Fazenda, o modelo de espoliamento do estado pelo capital especulativo é trocado pelo modelo de promoção do desenvolvimento com redistribuição de renda.

Você, leitor atento, deve ter percebido que faltou alguma coisa. Sim, faltou o contraprojeto para impedir os generais bolsonaristas de saírem ilesos depois de todo o mal que fizeram ao país. Ainda que o grito “SEM ANISTIA” ecoasse desde a vitória de Lula, o fato é que não existia clima político para a punição exemplar que os generais bolsonaristas merecem.

Pois esse clima passou a existir à partir de 08 de janeiro.

3. O Plano Bolsonarista

Ao contrário do que a cobertura da imprensa diz, o que aconteceu em Brasília está muito distante do que aconteceu no Capitólio há dois anos atrás. Falar isso é estratégia de marketing da extrema direita. Porque os arquitetos do crime não se importam com isso, mas os radicalizados se importam. Então, “repetir o Capitólio”, antes de tudo, acaba sendo uma marca fantasia do movimento com o intuito de atrair mais pessoas dispostas a fazer qualquer barbaridade em nome do Bolsonaro.

O movimento de extrema direita no Brasil tem muitas coisas originais. A própria ideia de intervenção militar não tem paralelo em nenhum outro lugar do mundo com os termos que são utilizados no Brasil. A maneira como a extrema direita brasileira usa o tema da intervenção militar é uma arma retórica poderosa, uma vez que, ao mesmo tempo, leva a responsabilidade da ação para um agente abstrato (o que pode fazer com que o movimento perdure indefinidamente – ou até os militares agirem) e evoca a ação de um agente histórico relacionado ao autoritarismo no Brasil. Para completar, atende perfeitamente aos anseios dos generais discípulos do Sylvio Frota formados pela AMAN nos anos 70.

Outra inovação é a tentativa de obter respaldo jurídico para essa intervenção militar através de argumentos como o do “Artigo 142”, desenvolvido pelo jurista Ives Gandra Martins – que condenou os ataques do dia 08. Segundo Ives Gandra, o Artigo 142 da Constituição estabelece os militares como uma espécie de “Poder Moderador” quando há confronto entre os três poderes. É um argumento sem nenhum respaldo técnico, refutado várias vezes por tribunais como o STF, mas serve para embasar o discurso de quem espera ansiosamente por uma intervenção militar.

Essas construções argumentativas se enquadram em contextos maiores. A associação do bolsonarismo com o conceito de fake news é quase automática atualmente, mas o fato é que a notícia falsa geralmente é enquadrada dentro de um contexto plausível, justamente para que ela pareça mais crível para o cidadão comum. Daí nascem as grandes narrativas conspiratórias que atribuem a poderes ocultos todos os males da humanidade, e essas narrativas, na impossibilidade de serem confirmadas ou desmentidas, são usadas exaustivamente para justificar ações tomadas por líderes ou militantes de extrema direita.

Nesse cenário, o desmentido não adianta muito, uma vez que essas narrativas são espalhadas continuamente. Coisas como “Artigo 142”, por exemplo, são espalhadas por anos a fio, insistentemente, mesmo com inúmeros desmentidos. Isso é estratégia: cria-se uma narrativa que faz parte de uma visão de mundo conspiratória maior, e essa narrativa é insistentemente espalhada até que as pessoas se convençam dela. Por isso, o trabalho de desmentir é tão difícil: o desmentido precisa ser contínuo, e deve se concentrar não só nos fatos, mas nas narrativas como um todo e na visão de mundo que alimenta essas narrativas.

Esse talvez seja o grande problema das agências de fact checking: os desmentidos das agências partem do micro para o macro. São desmentidos pontuais, sobre fatos isolados. Para grande parte das pessoas, a questão do viés vem antes da verificação de veracidade. Isso quer dizer que os mecanismos de verificação não funcionam como deveriam quando as notícias vão de encontro ao que as pessoas já acreditam, quando elas “confirmam o viés” da pessoa. Por isso tanto investimento em narrativas e em alimentar visões de mundo. O objetivo, desde o início, é o de que as pessoas se tornem mais permeáveis a essas mentiras que são plantadas. Quando a agência de fact checking desmente uma notícia, a narrativa já foi plantada há muito tempo. A verdade deixa de ser relevante para o bolsonarista: na lente deles, os fatos se ajustam às narrativas, e não o contrário.

Quando as pessoas chegam nesse nível de radicalização, é fácil plantar qualquer narrativa. O processo gradual de radicalização torna as pessoas mais suscetíveis a soluções violentas. E foi isso que a cúpula do bolsonarismo fez em relação às manifestações de 08 de janeiro: fomentou a violência nos militantes radicalizados.

O plano bolsonarista era simples e não era alvo de muito segredo: haveria uma grande mobilização em Brasília no dia 08 de janeiro. A PM do Distrito Federal, sob comando de Anderson Torres, ex Ministro da Justiça de Bolsonaro e extremamente próximo ao ex-Presidente, faria corpo mole e permitiria a entrada dos bolsonaristas na Praça dos Três Poderes. O Batalhão da Guarda Presidencial aproveitaria a ausência momentânea do Presidente Lula, em Araraquara, e ignoraria a entrada dos manifestantes no Palácio do Planalto. Eles inutilizariam os equipamentos do Palácio e armariam suas barracas lá, bem como no STF e no Congresso.

Paralelamente a isso, bolsonaristas fechariam estradas por todo o país, especialmente em locais próximos às distribuidoras de combustível. Esse é outro aspecto relativamente original da extrema direita brasileira: a greve dos caminhoneiros de 2018 é um grande marco do bolsonarismo. Eles consideram aquela greve uma enorme vitória, com um papel essencial na viabilização de Bolsonaro enquanto candidato. Até hoje, caminhoneiros (e especialmente transportadoras) são uma base de apoio importante do ex-presidente Bolsonaro. A extrema direita bolsonarista sonha até hoje com uma greve similar à de 2018, que paralisou o país e trouxe desabastecimento às cidades. Eles consideram essas greves como uma fórmula secreta do sucesso, como uma bala de prata que vai viabilizar o golpe.

Aqui cabe um aparte: o uso do termo “relativamente original” não é casual. A ideia de uma greve de caminhoneiros como precipitadora de um golpe de estado tem um precedente importante: o Chile, em 1973. Em agosto de 1973, os caminhoneiros fizeram uma greve de 26 dias e tiveram papel decisivo na derrubada do governo de Salvador Allende, que abriu caminho para os quase 17 anos de governo do ditador Pinochet. Se no “varejo” a referência de greve é o movimento de 2018, entre os planejadores o ideal da greve remete ao Chile de 1973. Todas as vezes que Bolsonaro insufla uma greve de caminhoneiros junto aos transportadores, ele está dizendo com todas as letras que quer derrubar as instituições democráticas e instalar um governo repressor nos moldes do governo de Pinochet. A grande diferença, aqui, é que 1) Não existe suporte dos EUA, como existia no Chile e em todas as ditaduras sul-americanas que ocorreram no contexto da Guerra Fria; e 2) Não existe apoio local suficiente, como existia na época da ditadura.

A realidade é que a extrema direita brasileira se inspira muito mais na ditadura militar e em seu aparato repressivo do que propriamente no modelo dos EUA. Da extrema-direita trumpista, o bolsonarismo importa a metodologia para criar narrativas nas redes sociais e para espalhar notícias falsas em escala industrial. O resto do aparato para a criação de uma extrema direita forte está no Brasil há décadas e consiste na criação contínua de factoides com o objetivo de legitimar atrocidades cometidas por forças de Estado, exatamente como se fazia durante a ditadura militar.

Mas, voltando ao plano dos bolsonaristas, com a tomada do Palácio e o fechamento das estradas as consequências seriam “óbvias”: com estradas fechadas, o país sofrendo de desabastecimento e os prédios dos três poderes tomados pelos bolsonaristas, os militares seriam invocados para devolver o poder ao “Presidente Bolsonaro”. Então, Bolsonaro voltaria triunfalmente dos EUA, seria conduzido pelos militares de volta ao Palácio de Planalto e voltaria ao poder, agora com poderes absolutos.

A simplicidade do plano também é uma arma: é fácil para um militante radicalizado entender um plano que possa ser explicado em duas ou três frases. Ao mesmo tempo, isso contribui com a consolidação do bolsonarismo enquanto profecia autorrealizável: o plano é simples, mas o detalhamento ganha credibilidade entre os militantes. A imprensa descobriu que existia até mapa mostrando todos os pontos que seriam ocupados por bolsonaristas. E também descobriu que a invasão foi premeditada, que eles previam confrontos com a polícia e que estavam se preparando para ocuparem os espaços mais importantes da República com anuência (e apoio) de grandes figuras do bolsonarismo.

Em seu livro Guerra Pela Eternidade (TEITELBAUM, 2021), o etnógrafo e pesquisador da extrema direita Benjamin Teitelbaum nos fornece uma chave de análise para governos como o de Bolsonaro e Trump: ambos tem como agenda principal a destruição do estado, em nome de um tradicionalismo apoiado por crenças quase tribais levadas a cabo por grupos como evangélicos fundamentalistas, por exemplo. Para Teitelbaum, o tradicionalismo é ainda pior do que o fascismo, porque fornece uma motivação espiritual para esse processo de destruição do estado. Além da pesquisa de Teitelbaum, é fácil perceber que o tradicionalismo é movido pelo desejo de destruição. Bolsonaro e Trump são emissários personalistas de uma agenda de destruição do estado em nome de interesses individuais (o de “poder supremo” talvez seja o principal deles – Bolsonaro adora ser chamado de “chefe supremo”, especialmente quando está junto com os militares) e também em nome de um retorno idílico a um tempo em que as motivações das pessoas eram religiosas e a relação delas com o mundo era movida pelo misticismo.

Isso significa que, além do Estado, Bolsonaro e Trump querem destruir elementos basilares da civilização, como a educação, a ciência, os sistemas de saúde, e, em última medida, as próprias instituições onde se exerce o poder. Isso tudo ajuda a explicar por que os manifestantes buscaram a destruição física do Palácio do Planalto, do STF, das obras de arte que estavam no local. Eles queriam ver destruída uma noção de modernidade que é a marca maior desses lugares onde o poder é exercido de maneira racional. Querem de volta um tradicionalismo tirânico, em que o líder é tratado como um representante divino na Terra. Querem voltar ao período pré Maquiavel.

É relativamente fácil afirmar que, com as evidências que já surgiram, que Anderson Torres agiu em conluio com Ibaneis Rocha, governador afastado do Distrito Federal, e também com o ex-presidente Jair Bolsonaro. É só fazer uma análise cronológica simples:

30 de dezembro: Anderson Torres é exonerado do cargo de Ministro da Justiça de Bolsonaro

02 de janeiro: Anderson Torres é nomeado Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal por Ibaneis Rocha, mesmo após pedidos do STF para que ele não fosse nomeado. Imediatamente, exonera todos os comandantes do órgão, que foram responsáveis pelo esquema de segurança extremamente bem sucedido da posse de Lula, ocorrido um dia antes. Vai viajar para os EUA.

07 de janeiro: Anderson Torres se encontra com Jair Bolsonaro em Orlando.

08 de janeiro pela manhã: os planos em relação aos Bolsonaristas que estavam em Brasília mudam repentinamente. Eles passam a ter acesso à Esplanada dos Ministérios, o que possibilitou a invasão à Praça dos Três Poderes

08 de janeiro à tarde: eles destroem os prédios dos três poderes. O Batalhão da Guarda Presidencial, sob responsabilidade do exército, que deveria ser a última linha de proteção contra a invasão do Palácio do Planalto, não moveu um dedo. Parecia tudo planejado para que a invasão ocorresse sem sobressaltos.

Essa sequência não pode ser casual. Ibaneis nomeou Anderson Torres com a intenção dele desmontar as forças de segurança para que elas não tivessem condição de reagir à turba bolsonarista. A turba bolsonarista invadiu os prédios e destruiu tudo. A reunião de Anderson Torres com Bolsonaro no dia 07 torna a participação do ex-presidente inequívoca. E o fato de que o Batalhão da Guarda Presidencial não impediu a invasão do Palácio do Planalto mostra que o Exército também participou desse movimento golpista.

Se ainda faltam evidências, há mais uma, contundente: Maria Aparecida Villas Boas, esposa do General Villas Boas, visitou o acampamento golpista várias vezes e é uma das organizadoras das manifestações, incluindo a do último dia 08. Os discípulos do Sylvio Frota nunca fizeram a menor questão de esconder suas intenções golpistas. E, para completar, o próprio Bolsonaro compartilhou em suas redes um vídeo sem nenhum embasamento na realidade sugerindo que “a eleição foi roubada”.

Para a sorte do Brasil, o levante golpista não vingou, ao menos por enquanto. Porque os bolsonaristas não vão desistir. Há um componente psicológico importante aí: cada escalada no golpismo e na ânsia por destruir as instituições é uma motivação a mais para os bolsonaristas continuarem lutando. Para eles, Bolsonaro é o herói que vai impedir o comunismo, da mesma forma que Sylvio Frota era em 1977. Então, recuar não é uma opção, e por isso mesmo os militantes bolsonaristas precisam ser parados pela Justiça.

4. A Reação do Governo Lula

O levante golpista não vingou por vários motivos. O principal deles, sem dúvida nenhuma, foi a rápida reação do governo Lula. Mas algo importante ocorreu ainda antes que Lula fizesse qualquer anúncio: a reação da imprensa.

Antes mesmo que o governo Lula fizesse qualquer anúncio, a imprensa estava usando imagens feitas pelos próprios bolsonaristas para denunciar o que estava acontecendo. O Palácio do Planalto, o STF e o Congresso Nacional são locais de atuação cotidiana da imprensa. Em todos os dias, sem exceção, os profissionais de imprensa (e qualquer outra pessoa) só entram nesses locais passando por um esquema de segurança, com profissionais qualificados para lidar com qualquer contingência. Ver esses locais sendo destruídos era estarrecedor para todos.

Aliás, para quase todos. A Jovem Pan, que cresceu com o bolsonarismo, teve até correspondente entre os manifestantes. O golpismo da emissora era tão escancarado que, enquanto as cenas de destruição se espalhavam, comentaristas como Rodrigo Constantino e Paulo Figueiredo (esse último, neto do ditador Figueiredo, que por ironia era um dos caras mais odiados pela turma do Sylvio Frota) comemoravam, de forma pouco disfarçada. O resultado foi tão lamentável que o presidente da Jovem Pan, Tutinha, renunciou ao comando da emissora. Constantino e Figueiredo, além da comentarista Zoe Martínez, também foram afastados.

A questão é que, em um governo de raiz autoritária como foi o do Bolsonaro, a abordagem em relação as instituições é simples: ou a instituição é cooptada ou se torna inimiga. A Procuradoria Geral da República, por exemplo, foi claramente cooptada sob Augusto Aras e Lindora Araújo. A Câmara dos Deputados também foi cooptada sob Arthur Lira, e isso literalmente custou bilhões de reais para os cofres públicos, gastos com excrescências como o Orçamento Secreto. Não faltaram tentativas de dobrar o STF e o Senado, mas a atuação catastrófica de Bolsonaro na pandemia impediu uma cooptação mais abrangente. Isso fez com que, entre 2021 e 2022, a cúpula do Senado e o STF se tornassem inimigos de Bolsonaro. As armas também foram apontadas para o TSE, sob comando de Alexandre de Moraes.

Essa lógica também se aplica à imprensa. Os influenciadores que puxam o saco do Bolsonaro e os órgãos de imprensa que se rendem ao bolsonarismo são amigos. O maior exemplo é a Jovem Pan, mas emissoras como o SBT (que chegou a ter o genro do Silvio Santos como Ministro das Comunicações do Bolsonaro), jornais como a Gazeta do Povo e produtoras como a Brasil Paralelo também entram nesse clube. Ganham privilégios, entrevistas exclusivas, verbas públicas. E passam a agir como replicadores e legitimadores do duto de fake news produzido pelo bolsonarismo para emplacar suas narrativas.

Do outro lado, temos os grupos de imprensa que tentam manter alguma credibilidade se equilibrando entre o bolsonarismo e o antibolsonarismo. Grupos que por muitas vezes são criticados por darem espaço para discursos bolsonaristas em seus editoriais ou nos artigos de opinião. Esses acenos nunca são suficientes. Um governo de caráter autoritário e extremista como o de Bolsonaro só aceita o kit completo: ou você apoia o governo diuturnamente, evitando qualquer crítica, ou você é inimigo. E esses órgãos de imprensa, mesmo tendo um enorme passivo histórico e com um comprometimento de longo prazo com as elites nacionais, passaram a ser vistos como inimigos por Bolsonaro.

A relação de Bolsonaro com a imprensa tem a mesma natureza da relação entre os militares o a cúpula do Judiciário até o início do governo Bolsonaro. A palavra correta para definir essa relação é tutela. Os órgãos que Bolsonaro conseguia tutelar eram privilegiados. Os órgãos não tutelados eram intimidados, ameaçados e agredidos. Durante o governo Bolsonaro, foram inúmeros os jornalistas atacados, e esse padrão não mudou no 08 de janeiro: só na invasão do Palácio, quatorze jornalistas foram atingidos pelos bolsonaristas.

O fato é que a imprensa segue com um papel importante para noticiar o que está acontecendo ao grande público. E a imprensa tomou decisões acertadas na cobertura. A Rede Globo percebeu rapidamente a importância do que estava acontecendo e interrompeu sua programação. Os órgãos de imprensa em geral utilizaram os termos corretos para a referência aos bolsonaristas invasores: terroristas, golpistas, vândalos. A cobertura mostrando a destruição do patrimônio público teve um efeito importante sobre a opinião pública, bem como a viralização dos prédios destruídos em postagens nas redes sociais.

Quando Lula se pronunciou decretando a intervenção federal sobre as forças de segurança do Distrito Federal, já era praticamente um consenso o de que a intervenção era a ação mais apropriada. Muito desse consenso foi criado graças à atuação da imprensa nas horas anteriores: quando Lula apareceu, os bolsonaristas invasores do Palácio já eram largamente tratados como párias.

No calor do momento, as pessoas evocam ações rápidas pelas redes sociais. Mas a verdade é que uma ação bem pensada em geral tem resultados melhores do que ações rápidas e atabalhoadas, especialmente em situações extremas como a de 08 de janeiro. E as ações do governo Lula foram extremamente bem pensadas, ainda mais se considerarmos que estamos diante de um governo que tinha literalmente uma semana, após um processo de transição em que houve sabotagem sistemática por parte do governo anterior.

Hoje parece pouco relevante perto do nível de destruição imposto pelos bolsonaristas, mas o fato é que na primeira semana do ano o governo Lula já teve que lidar com coisas que seriam absurdas em qualquer transição de governo civilizada, como a necessidade de contratar chaveiros para abrir as salas do Palácio do Planalto, que os comissionados do governo Bolsonaro deixaram trancadas de forma proposital. Cobrar um sistema estruturado de defesa em um contexto de sabotagem é totalmente irreal. Por mais que a Abin tivesse alertado sobre os ataques, não havia nada que o Ministério da Justiça pudesse fazer em um prazo tão exíguo, considerando que a responsabilidade pela segurança no Distrito Federal é da Polícia Militar local.

Quando foi oficializada a intervenção, as coisas já estavam voltando a um patamar mínimo de normalidade. Os manifestantes foram removidos dos três prédios pelo novo comando da PM, Ibaneis demitiu Anderson Torres da Secretaria de Segurança e pediu desculpas públicas. O interventor nomeado, Ricardo Capelli, Secretário Executivo do Ministério da Justiça de Flávio Dino, começou a dar as ordens e, durante a noite, centenas de pessoas foram presas. Lula, que estava em Araraquara, voltou correndo para Brasília e visitou os prédios do Palácio do Planalto e do STF, transtornado com a destruição. No dia seguinte, em uma articulação histórica, conseguiu reunir os 27 governadores, além dos líderes dos três poderes da República. Caminhou com todos do Palácio do Planalto ao STF, mostrando solidariedade ao Judiciário.

O Congresso voltou do recesso e votou pela aprovação da intervenção no Distrito Federal com poucas vozes dissonantes. Lula conseguiu a proeza de transformar os atentados de 08 de janeiro em um esforço de união nacional. As condenações ao ato foram generalizadas, e forneceram ao governo Lula maior legitimidade para punir os responsáveis. Flávio Dino mobilizou a Polícia Federal para investigar os financiadores dos atos, e chegou a uma lista de mais de cem empresas. O número de pessoas presas e fichadas passou de mil e quinhentos. Uma operação de monitoramento foi criada para impedir novos atos do tipo.

Nada disso, porém, seria possível sem a ação assertiva do Judiciário. E essa ação merece um capítulo à parte.

5. O Judiciário

Quando os bolsonaristas atacaram os prédios dos três poderes, uma coisa ficou evidente: o prédio mais atacado foi o do Supremo Tribunal Federal. Não foi uma mera casualidade: na estrutura de pensamento bolsonarista, o STF se tornou o principal inimigo do governo nos últimos quatro anos. Ao insistir em se manter como contrapeso institucional ao bolsonarismo, limitando o escopo das ações tresloucadas do então presidente Bolsonaro com base na Constituição, o STF se consolidou como adversário mortal do projeto autoritário de extrema direita, que, como os militares previam, iria ao menos até 2035.

Para além disso, o STF tomou decisões que o bolsonarismo considera absolutamente imperdoáveis. As principais delas foram as relativas ao Presidente Lula: sua soltura, em novembro de 2019, e a retomada de seus direitos políticos, em março de 2021. À partir daí, o bolsonarismo passou a atacar o STF sistematicamente, chamando-o de “tribunal político”, com a anuência do próprio Bolsonaro.

Dentre os Ministros do STF, um mereceu atenção especial: Alexandre de Moraes. Bolsonaro se referiu pessoalmente a ele em 07 de setembro de 2021, dizendo que “não ia mais obedecer as decisões do Alexandre de Moraes“. Foi a cisão definitiva em um relacionamento que nunca foi bom, mas que o inquérito os atos antidemocráticos tratou de azedar de vez. Alexandre de Moraes, à época, investigava a participação de militantes bolsonaristas nesses atos, tendo inclusive mandado prender o ex deputado e cachorro louco Daniel Silveira meses antes.

Desde então, a relação entre Bolsonaro e Alexandre de Moraes nunca voltou a ser amistosa. Chegou a haver uma trégua, negociada pelo ex-presidente Michel Temer, mas na maior parte do tempo Bolsonaro insuflou sua turba de seguidores fanáticos contra o Ministro do STF. O que não se mostrou uma estratégia muito inteligente, uma vez que Alexandre de Moraes ia presidir o TSE durante o processo eleitoral de 2022.

Alexandre de Moraes é um personagem muito sui generis da política brasileira. Aos 23 anos de idade, passou para o concurso de promotor. Tornou-se um dos maiores especialistas do país em Direito Constitucional: concluiu um doutorado, deu aulas e escreveu livros sobre o tema. Aos 34 anos, largou a carreira de promotor para ser Secretário de Justiça no primeiro governo Alckmin em São Paulo. Depois, foi trabalhar como Secretário de Transportes e se tornou o homem forte de Gilberto Kassab na prefeitura de São Paulo. Entre 2011 e 2014, criou um escritório de advocacia, deu aulas e atuou defendendo clientes importantes. Foi Secretário de Segurança Pública em São Paulo entre 2015 e 2016, novamente sob o comando de Alckmin. Após resolver um caso de vazamento de fotos e conversas íntimas envolvendo a esposa do então vice-presidente Michel Temer, foi agraciado com o Ministério da Justiça. Oito meses depois, com a trágica morte de Teori Zavascki em um acidente de avião no litoral do Rio de Janeiro, foi indicado por Michel Temer para uma vaga no STF.

Observando esse currículo, fica fácil perceber a abrangência do conhecimento jurídico do Alexandre de Moraes e a habilidade dele em transitar entre os meios político e jurídico. Quando Temer indicou Alexandre de Moraes, pareceu uma decisão oportunista. Muitos lembraram da indicação de Gilmar Mendes, que foi para o STF por obra de Fernando Henrique Cardoso, após atuar como Advogado Geral da União. Disseram que “seria mais um Ministro do PSDB”. Mas o fato é o o governo Michel Temer acabou, o PSDB se esfacelou politicamente e Alexandre de Moraes mostrou completa liberdade em sua atuação. Acumulou a experiência de um ator político, de um comandante da polícia, de um promotor, de um advogado e de um juiz em uma pessoa só. Tornou-se o homem certo no lugar certo (ou o homem errado no lugar errado, para os bolsonaristas).

Às vezes a diferença entre a salvação e a ruína da democracia é muito mais sutil do que parece. Bolsonaro e os militares assumiram o poder com um projeto de arruinar definitivamente a democracia brasileira, acabando com o pacto nacional firmado na Constituição de 1988. Não conseguiram fazer isso por vários motivos, mas um deles certamente foi a presença de Alexandre de Moraes como Presidente do TSE. De maneira quase temerária, Alexandre de Moraes não teve medo de enfrentar a máquina de desinformação bolsonarista durante o processo eleitoral. Em agosto, foi atrás dos empresários bolsonaristas que estavam financiando manifestações antidemocráticas. Em setembro e outubro, não se furtou a tirar tempo de TV e rádio da coligação de Bolsonaro em punição às mentiras que ele contava. Não se furtou a punir empresas de forte viés bolsonarista, como Jovem Pan e Brasil Paralelo, bem como perfis bolsonaristas de grande alcance da rede bolsonarista.

Nenhum outro ministro teria tido tanta firmeza no combate às estratégias bolsonaristas de manipulação da eleição. E é até irônico pensar que os bolsonaristas acham que Alexandre de Moraes fraudou a eleição justamente pelo fato de que as decisões do Alexandre de Moraes foram na direção de impedir que os bolsonaristas fraudassem a eleição. E essas decisões continuaram após o processo eleitoral: quando a campanha de Bolsonaro questionou as inserções de rádio, Alexandre de Moraes pediu comprovação imediata. Ela não veio e o processo morreu. Quando o PL questionou as urnas, tomou uma multa de R$ 22 milhões por tentar deliberadamente tumultuar o processo político. É inegável o papel do Alexandre de Moraes em impedir a cooptação do processo eleitoral por Jair Bolsonaro. E aí está o motivo de tanto ódio: no dia 08 de janeiro, até a porta do gabinete do Ministro foi arrancada.

Como era esperado, em relação aos ataques de 08 de janeiro, Alexandre de Moraes seguiu agindo com a firmeza habitual. Ao ser provocado, no contexto do inquérito dos atos antidemocráticos, Alexandre de Moraes determinou o afastamento do governador Ibaneis Rocha por 90 dias, em um movimento que provavelmente resultará no impeachment do governador. Na mesma decisão, determinou que os estados desmontassem todos os acampamentos bolsonaristas em 24 horas, sob pena de responsabilização dos governadores e secretários de segurança pública locais.

Também determinou a prisão do Secretário de Segurança Pública Anderson Torres, que sabotou flagrantemente o esquema de segurança no dia 08 de janeiro. E proibiu a ocupação de prédios públicos em quaisquer novos atos bolsonaristas.

Existe um lado muito positivo em ser um agente do Judiciário que já atuou no Poder Executivo: você sabe exatamente o que afeta mais as pessoas, quais são os reais impactos de suas decisões judiciais. Alexandre de Moraes tem esse diferencial: suas decisões tem o mérito de sempre oferecerem efeitos práticos robustos, o que desestimula as pessoas afetadas na continuidade de seus delitos. É muito raro que agentes do Judiciário tenham essa sensibilidade, mas faz muita diferença: a experiência de Alexandre de Moraes, especialmente na área de Segurança Pública, torna suas decisões mais eficientes, eficazes e efetivas. E tudo isso sem esforço adicional nenhum. Uma decisão judicial, no fim das contas, acaba sendo reflexo da visão de mundo de quem toma a decisão judicial.

O papel do Judiciário na proteção da democracia brasileira contra o fascismo é algo absolutamente original. A disposição de Alexandre de Moraes e de outros ministros do STF para segurarem na unha a democracia é algo sem precedentes, e mostra como as instituições realmente podem exercer um papel importante na defesa da democracia. Isso aponta para as possíveis soluções: se a democracia pode ser protegida e fomentada de forma ativa pelo Poder Judiciário, nada mais justo que ela também possa ser protegida e fomentada pelo Poder Executivo.

6. As Soluções

O avanço bolsonarista e seu caráter golpista não são um tema simples. Questões complexas não contam com soluções simples, e é por isso que, para lidar com um problema novo e enorme, as soluções também precisam ser complexas e inovadoras. A vitória eleitoral de Lula era uma condição necessária para a manutenção da democracia no Brasil, mas está longe de ser uma condição suficiente. Para a manutenção e o fortalecimento da democracia, é necessário criar meios de combater a desinformação, de trabalhar com os grupos atingidos por essa desinformação e de revelar para a sociedade brasileira a verdade acerca do governo Bolsonaro. Mas não é possível realizar esse tipo de trabalho sem uma estrutura institucional adequada e sem objetivos bem definidos.

É um trabalho enorme e contínuo, que demanda articulação, recursos, desenvolvimento de programas, diálogo com a sociedade e transparência informacional. O objetivo em vista precisa ser sempre o da desradicalização de grupos bolsonaristas por meio de políticas institucionais. É preciso criar instituições de fomento à democracia dentro do governo, mas também relações transversais com as demais áreas do governo e relações inter-institucionais para que todos os poderes do Brasil e os atores não governamentais se vejam como parte da promoção da democracia.

6.1. O Combate à Rede de Notícias Falsas

A ideia de uma rede de notícias falsas não é a propagação de notícias falsas específicas, é a criação de um fluxo constante de notícias falsas que sirvam às narrativas convenientes à extrema direita.

Nesse contexto, combater as mentiras criadas por esses grupos é muito mais difícil, uma vez que o fact checking e outras ferramentas de promoção da verdade (inclusive utilizadas pela campanha do Presidente Lula) são insuficientes para lidar com esse fluxo contínuo de promoção de narrativas falsas. Por muito tempo, o combate às mentiras da extrema direita foi inglório justamente por conta disso: enquanto a esquerda (e em muitos casos a imprensa tradicional) desmentiam fatos isolados, a extrema direita continuava propagando narrativas em que esses “fatos isolados” estavam inseridos, inserindo essas mentiras em contextos maiores. Para conter verdadeiramente essa rede de notícias falsas que cria contextos e visões de mundo, é necessária uma abordagem multidimensional:

  1. Jurídico-investigativa e de monitoramento: é preciso investigar as estruturas de financiamento dessas redes e trabalhar para o corte desse fluxo de financiamento, que por muitas vezes tem conexões internacionais e é parte de uma rede de extrema-direita em escala global. Mapear, expor e quebrar essas redes através da prova de que elas cometem crimes, em colaboração com o MP e o Judiciário (Alexandre de Moraes tentou fazer isso naquela operação contra os empresários golpistas do Bolsonaro entre agosto e setembro) é essencial para que essa construção de narrativas não se perpetue. Órgãos governamentais, como a Polícia Federal e a Abin, hoje aparelhados para servir ao governo Bolsonaro, devem voltar a agir como órgãos de estado. Com a profusão de notícias e de narrativas falsas sendo tipificada como crime, e com o uso político dessas narrativas para o desmonte de instituições de estado, a polícia pode agir no monitoramento e no desmonte dessas estruturas, bem como no mapeamento de novas estruturas do tipo, especialmente  de caráter nazista, que são consideradas como atividade criminosa no Brasil.
  2. Educação: na Finlândia, as crianças aprendem a lidar com notícias falsas desde a escola. Esse é um dos mecanismos que fazem do país uma referência positiva contra a proliferação de notícias falsas. A educação crítica, para o discernimento, é essencial para conseguir identificar e combater narrativas falsas, mas também para criar visões de mundo que se contraponham com argumentos robustos às visões de extrema direita.
  3. Comunicação: a extrema direita se destaca pela produção de conteúdos em profusão, sem qualquer filtro, mas também pela comunicação desses conteúdos. É uma característica dos líderes de extrema direita simular uma comunicação direta com o eleitor (e para isso as redes sociais exercem um papel fundamental), e essa comunicação direta é essencial para a promoção das narrativas de extrema direita. Se faz necessária uma contraposição. Por mais que muitos líderes de esquerda sejam “analógicos”, tendo como o maior exemplo o próprio Presidente Lula, é necessário construir uma estrutura de comunicação em torno desses líderes para que eles possam informar a cada momento para a população o que estão fazendo. Hoje, as lideranças políticas também são “influencers”, e o campo democrático precisa aprender a usar isso ao seu favor também, disputando as narrativas e expondo nas redes todo o seu trabalho. Além disso, é preciso conciliar o esforço de manter uma relação civilizada com a grande mídia, em contraposição ao que faz a extrema direita, ao mesmo tempo em que promovemos um esforço de democratização da mídia, através da promoção de agentes locais e de grupos que fazem uma abordagem mais contemporânea do tema, sempre com um viés de promoção da democracia.
  4. Transparência: trabalhar a retomada das políticas de transparência é essencial, mas essas políticas se tornam inócuas se não há um trabalho estruturado de análise desses dados. Foi com análises enviesadas dos dados produzidos pelas políticas de transparência que a extrema direita conseguiu emplacar narrativas deturpadas, completamente descontextualizadas, mas que tiveram grande aderência entre os bolsonaristas, como a de que “o PT financiou ditaduras construindo o Metrô de Caracas e o Porto de Mariel”. É preciso fazer um modelo de transparência 2.0, que explique não só os dados, mas os contextos de cada dado, para que essas narrativas não se propaguem e nem prevaleçam.
  5. Parcerias com a sociedade civil: fomentar iniciativas da sociedade civil voltada ao combate de notícias e narrativas falsas. Estabelecer diálogo e parcerias com divulgadores científicos e personalidades públicas dispostas a combater a profusão de notícias e narrativas falsas. E fazer isso com uma roupagem de política de estado, não como uma política vinculada a um governo em si.
  6. Fortalecimento das instituições: na Finlândia, que é uma das referências no combate às notícias falsas, um elemento essencial para isso é a credibilidade das instituições. Para isso, as instituições precisam estar todas mobilizadas para o combate à profusão de notícias falsas, ainda que a notícia falsa em questão tenha o potencial de favorecer o governo. Instituições de estado fortalecidas são vistas como mais confiáveis pela população, e isso pode ser decisivo para que as pessoas acreditem mais nas instituições existentes do que nas narrativas faltas criadas para gerar ódio pela extrema direita.
  7. Democratização das redes sociais: hoje, o futuro da democracia parece estar na mão de meia dúzia de magnatas do Vale do Silício que são donos das redes sociais. É preciso criar políticas similares as criadas pela União Europeia (a Lei de Serviços e de Mercados Digitais, aprovada em julho de 2022) para que a atuação das redes sociais tenha limites e não sirva de instrumento de fomento às narrativas extremistas.
  8. Acolhimento,  promoção de uma Cultura de Paz e de iniciativas voltadas à saúde mental: o extremismo tem um efeito psicológico perverso, ao produzir uma reação violenta e ressentida na mente das pessoas. Elas passam a ser condicionadas por suas emoções, e não apenas pela razão. É preciso fazer uma política pública de acolhimento dessas pessoas, até para que elas possam lidar com o luto da frustração de um projeto político extremista. Existem iniciativas importantes de desradicalização com apoio institucional, como a da ONG Life After Hate. E todas essas iniciativas devem ser promovidas no contexto da promoção de uma Cultura de Paz, em contraposição à cultura de guerra e de criação de inimigos proposta pela extrema direita.

É uma ótima notícia que, para essa missão, o nome escolhido tenha sido o de João Brant, não só pela capacidade de pesquisar sobre o tema, mas também pela compreensão abrangente do que são as redes de notícias falsas em escala internacional. E hoje o bolsonarismo é uma rede internacional, ligada aos movimentos de extrema direita mais proeminentes que existem mundo afora. É no mínimo inocente achar que essa rede vai se desfazer sem uma ação institucional efetiva e contínua. Criar estruturas de combate às fake news é criar cordões sanitários de isolamento e de proteção da democracia.

6.2. “Sem Anistia

Nos últimos anos, Jair Bolsonaro e sua ideologia extremista foram fortemente normalizados. Não haverá democracia consolidada no Brasil se não houver um esforço institucional coletivo (Executivo + Legislativo + MP + Judiciário + Imprensa) para expor e punir os crimes do bolsonarismo, mostrando o quão horrendas foram as ações do bolsonarismo. Isso já era necessário em qualquer contexto. Após os ataques de 08 de janeiro, se tornou algo urgente.

Com o trabalho já realizado por iniciativas como a CPI da COVID, há um bom ponto de partida para exposição, apuração, coleta de provas e punição por esses crimes. Especialmente após o governo Lula assumir em janeiro, derrubando os incontáveis sigilos de cem anos que Bolsonaro decretou. Esse trabalho inclusive tem participação essencial da sociedade civil, que formou uma rede de colaboradores indispensável para os Senadores por ocasião da CPI.

Esse tipo de colaboração deve se estender a outros focos de crimes sensíveis para a sociedade civil do governo Bolsonaro para além da gestão da pandemia, como a corrupção no Ministério da Educação, o desmantelamento das políticas de combate ao desmatamento na Amazônia e nos demais biomas do país e os inúmeros casos de corrupção ligados ao orçamento secreto, bem como o aparelhamento de instituições como a Polícia Rodoviária Federal para cumprimento de propósitos eleitorais e golpistas por parte de Bolsonaro.

Além da institucionalização dessas investigações, através da criação de uma rede de colaboração com o MP, é preciso promover o desaparelhamento de órgãos como a Policia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, bem como reverter ações notoriamente ilegais do governo Bolsonaro. Existe toda uma gama de ações que precisa ser investigada. Deixar essas ações caírem no esquecimento é pedir para que o fascismo volte mais forte em alguns anos.

O modelo a ser adotado é o argentino, que garantiu a punição dos agentes da ditadura. No entanto, é preciso um instrumento de investigação mais ágil que uma Comissão da Verdade, para não permitir a reação de militares, como ocorreu quando o Brasil instalou sua Comissão da Verdade para apurar os crimes da ditadura militar. A abertura imediata dos arquivos do governo Bolsonaro por questões de interesse nacional e a parceria com a imprensa para exposição desses documentos são partes essenciais do processo.

O objetivo dessa comissão deve ser a reconciliação e a promoção da democracia. Para isso, deve ser criado um fluxo ágil de informações, se possível com parcerias para a divulgação por parte da imprensa de maneira contínua. É preciso um esforço contínuo pelos próximos anos para o brasileiro saber a verdade sobre o bolsonarismo.

Para isso, é necessário criar:

– Uma Comissão de Apuração acerca do bolsonarismo, que colete as informações já existentes e consiga ter meios de analisar as informações que virão a público com a queda dos sigilos de cem anos do Bolsonaro e de seus aliados. Essa comissão deve ter pesquisadores, especialistas na área e pessoas que atuaram coletando informações durante o governo Bolsonaro, bem como pessoas capazes de roteirizar essas informações em um todo coerente e pessoas com conhecimento jurídico suficiente para compreender quais dos dados revelados também revelam crimes e pessoas com capacidade de investigar, realizar entrevistas, documentar as denúncias recebidas e dar encaminhamento para elas.

– Um grupo de trabalho que subsidie as instituições a respeito dos crimes cometidos pelos braços internacionais do bolsonarismo, bem como das relações do bolsonarismo com ideologias notoriamente criminosas, especialmente o nazismo.

– Um mecanismo de parceria com o Ministério Público, para que todas as informações coletadas possam se tornar inquéritos junto ao MP, com efeitos no Judiciário. Essa parceria deve ser com o STF em alguns casos específicos envolvendo autoridades ou crimes constitucionais.

– Uma assessoria de relação com a sociedade civil, para o recebimento de apurações e denúncias feitas pela sociedade civil como um todo.

– Uma assessoria de relações com a imprensa, para encaminhamento dos conteúdos em um formato que possa ser usado em reportagens e textos.

– Uma área de educação e registro histórico, para que os conteúdos apurados possam se tornar conteúdos oficiais, aplicados nas políticas educacionais brasileiras.

O principal motivo para que os crimes do governo Bolsonaro sejam punidos é a justiça com as vítimas: só de COVID, foram 700 mil. Os demais crimes tiveram consequências nefastas em diversas áreas da sociedade. O Brasil ainda sofrerá com os resultados do governo Bolsonaro por muitos anos. É um direito de todos os brasileiros saber quais são esses resultados de fato.

Não existe chance do bolsonarismo ser combatido sem uma estrutura do tipo. Porque, ainda que Bolsonaro não tenha mais o governo federal, continua tendo muitos deputados e o apoio de vários governadores e prefeitos. Partindo do pressuposto de que o bolsonarismo é a maior ameaça à democracia brasileira desde a Constituição de 1988, o esforço institucional de investigação, exposição e punição dos crimes do bolsonarismo se torna um imperativo moral, mas também um imperativo prático para qualquer defensor da democracia.

Nada disso, porém, terá efeitos de longo prazo se os grupos aderentes ao bolsonarismo golpista não forem efetivamente neutralizados. E essa é a palavra correta. Ninguém quer perseguir grupos específicos, mas neutralizar levantes anti-democráticos é hoje uma questão existencial para o Brasil. Não é só a democracia que está em jogo: é a própria viabilidade do Brasil enquanto país.

6.2.1. Os Militares

É preciso começar pelo mais difícil. Os militares foram os organizadores de toda a ascensão da extrema direita no Brasil, e fizeram isso pelos motivos mais pueris possíveis: impedir a apuração e a punição pelos crimes cometidos no contexto da ditadura militar. Como lidar com esse pessoal, que historicamente é tão poderoso e não tem nenhum pudor em defender interesses próprios?

Antes de mais nada, é preciso ser realista. Soluções como a da Costa Rica, que acabou com suas Forças Armadas em 1948 (e terceirizou a defesa do país para os EUA), não são aplicáveis no Brasil, que é o 5º maior país do mundo em área territorial. Existe muita utilidade para as Forças Armadas no Brasil: proteção de fronteiras, proteção das florestas e recursos naturais, proteção das águas territoriais, tecnologias industriais, dentre outras coisas. O Brasil é um país imenso e precisa de algum nível de proteção à soberania.

É aqui que começam os problemas. É muito recorrente na história das Forças Armadas brasileiras confundir proteção à soberania com exercício de poder. Pior ainda: confundir proteção à soberania com ataque deliberado aos brasileiros. A ideia de proteção à soberania no Brasil foi ideologizada com frequência, e em muitas vezes terminou confundida com combate ao comunismo. Isso gerou dois golpes militares e um sem número de presos políticos.

Por que ninguém enfrenta isso? Porque há a percepção de que o militar é intocável. Esse foi o preço que o país pagou em 1985 para que os militares fizessem a “bondade” de devolver o país aos civis. Não houve ruptura, apenas um movimento de “não mexam com a gente”, como se os militares fossem um aluno valentão da escola.

Os militares voltaram a tutelar a política quando se sentiram “provocados”. A mera possibilidade de punição pelos crimes da ditadura já fez com que os impulsos golpistas voltassem. Nisso, eles subverteram o sistema com ameaças e elegeram um presidente. Um presidente péssimo, que ajudou a desmoralizar os militares. Eles também tiveram papel preponderante nesse processo de desmoralização.

A questão é que hoje estamos diante do único momento histórico em muitas décadas em que o país pode convidar os militares a prestar contas de sua história. Os militares já estavam expostos e a colaboração de setores do Exército no 08 de janeiro torna o questionamento aos militares um imperativo. Então, ficam as sugestões para que os militares deixem de ser “intocáveis”:

  • Restrição ao golpismo por militares da reserva. Militar só deixa de ser militar se dá baixa da função e vai viver sua vida civil, em alguma outra função, sem qualquer remuneração vinculada ao seu exercício militar. Se militares da reserva ou pensionistas fizerem manifestações públicas antidemocráticas ou participarem de manifestações antidemocrática, terão suas aposentadorias ou pensões suspensas em definitivo, sem prejuízo das sanções criminais.
  • Restrição ao uso do Clube Militar como mecanismo de agitação política. Os Clubes Militares envolvidos em atividades golpistas serão sumariamente fechados.
  • Aplicação com maior rigor da lei que impede a manifestação política de militares da ativa, incluindo policiais militares. Proibição de uso da atividade policial como marketing da violência (proibição em definitivo do YouTuber policial)
  • Restrição de horário aos programas policialescos, que mostram perseguições policiais, das 22 às 06 horas. Restrições de idade para vídeos do tipo nas redes sociais.
  • Proibição do uso de títulos militares em campanhas políticas
  • Criminalização da defesa da ditadura militar e revisão de todos os arquivos da ditadura, com julgamentos e condenações mesmo para oficiais já falecidos, que incidirão na cessação de pagamento de pensões para descendentes.
  • Apuração de todos os crimes militares cometidos como agentes de qualquer governo, incluindo o governo Bolsonaro.
  • Juízes civis nomeados para Tribunais Militares com as mesmas regras de nomeação dos tribunais superiores.
  • Investigação de crimes militares a cargo do Ministério Público Federal (MPF)
  • Reforma militar: o alistamento deixa de ser obrigatório aos 18 anos e passam a serem aceitas mulheres em todas as unidades militares. Elas atuarão em conjunto com os homens ao invés de formarem unidades separadas.
  • Facilitação da transição entre a vida militar e a vida civil.
  • Reforma da Previdência dos Militares.
  • Reforma salarial, diminuindo a diferença salarial entre a base e o topo da hierarquia militar.

Existem muitas outras regras possíveis, algumas já em discussão no Congresso, mas o fato é que essa é uma oportunidade única. O golpismo dos militares deve ser questionado com ações práticas, e não com medidas populistas. Mais do que falar “sem anistia”, é preciso tomar ações práticas para que os militares sirvam o Brasil ao invés de tornar o Brasil refém, como fizeram nos últimos anos.

6.2.2 Os Evangélicos

Os evangélicos são outro grupo que não pode ser tratado com desprezo. Evangélico, hoje, é uma identidade de fé, e a posição política dos líderes não fará as pessoas saírem da igreja. A igreja é um lugar de acolhimento, em que as pessoas se chamam umas às outras como “irmãos”. Nesse ambiente, a política normalmente é algo secundário. O grande problema é que Bolsonaro sequestrou os signos cristãos para si, e isso fez com que a política se tornasse mais preponderante que a própria fé em muitas comunidades. Tal como o Anticristo, Bolsonaro se disfarçou e emulou costumes cristãos para ser aceito como um “escolhido de Deus”.

Antes de tudo, é necessário entender que o bolsonarismo estraçalhou as igrejas. provocou contendas, fez grupos historicamente unidos se separarem, fez igrejas serem usados como meros instrumentos para conseguir votos. Os evangélicos foram os mais afetados pela rede de notícias falsas que Bolsonaro criou. Como os interlocutores das notícias falsas em geral são as mesmas pessoas que pregam todos os finais de semana na igreja, há uma confusão permanente entre fé e ideologia política de extrema direita. Bolsonaro foi extremamente habilidoso em cumprir o objetivo de se colocar como representante dessa extrema direit que se confunde com a própria fé evangélica de muitos.

Bolsonaro se vendeu como diversos personagens bíblicos: em alguns momentos, ele era o “profeta que anuncia a verdade” (e por isso a fixação com João 8:32); em outros momentos, ele era o “rei de Israel“; quando Bolsonaro tomou a facada, muitos pastores tiveram a ousadia de comparar Bolsonaro com a figura do próprio Cristo, utilizando a passagem bíblica de Isaías 53:5 de que “ele foi trespassado pelas nossas iniquidades”. O nível de vinculação entre Bolsonaro e a igreja evangélica é inacreditável. Nesse nível de vinculação, o surpreendente não é Bolsonaro ter quase 70% dos votos de evangélicos, e sim ele não ter os outros 30%.

Dentre esses 30% de evangélicos que votou no Lula, existem muitos pastores, líderes e celebridades que, ao se manifestarem, foram perseguidos em suas comunidades, ameaçados, perderam cargos e perderam seguidores em redes sociais. Ainda assim, agiram com firmeza. Esses nomes acabam sufocados entre o público evangélico em geral. Muitos evangélicos votam em Bolsonaro não porque são fascistas (alguns são, especialmente lideranças que estão indo para a frente dos quartéis – ou apoiando isso), mas porque seus líderes fizeram uma larga campanha pró Bolsonaro. E não existiram contrapontos visíveis dentro da igreja, não existiu uma discussão de ideias. O que ocorreu em muitas igrejas foi a imposição de um pensamento único, sem qualquer possibilidade de contestação. E, ainda assim, 3 em cada dez evangélicos votou contra Bolsonaro.

Além disso, é preciso acabar com ilusões: hoje os evangélicos são cerca de 30% do eleitorado brasileiro, e nada indica que esse índice irá diminuir. Muito pelo contrário: em 1991, o Censo mostrava menos de 10% dos brasileiros eram evangélicos. Em 2020, o Datafolha apurou que 31% dos brasileiros já professavam a fé. E a tendência é que essa alta se acentue, uma vez que o perfil demográfico do evangélico brasileiro é muito mais jovem do que o perfil do católico, o que quer dizer que mais famílias da próxima geração provavelmente serão evangélicas. A tendência, de acordo com as projeções demográficas, é que tenhamos mais evangélicos do que católicos no Brasil em 2032.

Esse cenário pede uma ação urgente. É preciso criar canais de convivência com o público evangélico, ouvir o que esse público tem a dizer e criar políticas públicas com base nas demandas desse povo, que se identifica como evangélico, mas também traz consigo outras características: a maioria é mulher (58%) e a maioria é negra (59%)

Olhando por esse aspecto, é essencial trabalhar em relação aos evangélicos dentro de suas próprias demandas. A principal delas hoje, muito por causa do bolsonarismo, é a demanda por “liberdade”. O medo de que as igrejas sejam fechadas é real, e a grande maioria não consegue pensar além disso, só quer continuar tendo um espaço para o exercício da sua fé.

Pensando nisso, algumas medidas podem ajudar:

  • Criação de redes de ajuda mútua horizontalizadas dentro das igrejas, com pessoas focadas no atendimento das necessidades básicas das pessoas ao redor.
  • Criação de uma Comissão Inter-religiosa nacional
  • Implantação de Uma Política Nacional Para a Promoção da Liberdade Religiosa e de Cultos
  • Protagonismo de lideranças progressistas entre os evangélicos, hoje invisibilizadas em suas igrejas por conta do status quo conservador imposto pelo bolsonarismo.
  • Punir pastores de líderes de grandes igrejas envolvidos em crimes como lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, tráfico de armas e mineração ilegal. Pastores bilionários são uma excrescência e não podem existir.
  • Canais de interlocução entre o governo e os religiosos em geral
  • Criação de sistemas participativos que diminuam o isolamento das igrejas, que é um dos grandes mecanismos de radicalização evangélica.
  • Programas de educação e prevenção às notícias falsas voltados especificamente aos evangélicos.
  • Criação de mecanismos progressivos de cobrança de impostos em igrejas: as grandes igrejas, que faturam mais, pagam mais impostos que as pequenas, que fazem mais diferença no âmbito local.
  • Punição a pastores e líderes que espalham notícias falsas e participam de atos antidemocráticos.

Outras medidas também são possíveis. Mas o importante, para além de tudo, é retomar o contato sistemático com as igrejas. Não de forma artificial, como os líderes ligados à bancada evangélica querem, mas de forma orgânica.

O primeiro governo Lula adotou a estratégia de incentivo ao surgimento de grandes empresas no Brasil. Essas grandes empresas, chamadas de “campeãs nacionais”, depois se revelaram muito problemáticas, fazendo lobby, por exemplo, pela flexibilização das regras ambientais. Agora, Lula quer priorizar, através do BNDES, a ajuda para pequenas e médias empresas.

Assim como acontece nas empresas, é muito melhor e mais eficiente conversar com as pequenas igrejas, ao invés de falar com as grandes redes. Grandes igrejas são extremamente hierarquizadas. Pequenas igrejas são ótimas formas de enxergar as nuances da sociedade em escala local. Qualquer estratégia de atuação junto aos evangélicos está fadada ao fracasso se não tiver seu foco nas pequenas igrejas. Até porque os líderes das grandes igrejas já provaram várias vezes que não são confiáveis.

6.2.3. Outros Grupos

Falar de judiciário, agronegócio e da Faria Lima separadamente soa estranho, uma vez que esses grupos tem algo em comum: são elites econômicas. Em um momento de desigualdade extrema, a atitude em relação a essas elites deve ser muito simples e já está, em parte, prevista pelo governo Lula.

Para além disto, esses grupos são mais volúveis que os militares e que os evangélicos. Se a economia está bem, eles vão apoiar o governo, não importa o que aconteça. São grupos que tem muito a perder com o caos social e que, em um país estabilizado, nunca vão apoiar uma ação como a ocorrida em 08 de janeiro.

  • Reforma tributária com foco no aumento da tributação dos mais ricos, com foco na renda, no patrimônio, nos lucros e nos dividendos.
  • Reinvestimento do orçamento governamental em políticas que sejam redistributivas: além do Bolsa Família de R$ 600, um exemplo clássico é o reinvestimento de incentivos que iriam para o agronegócio para pequenos e médios produtores rurais, de preferência de agricultura orgânica ou agroecológicos.
  • Democratização dos mecanismos de ingresso no Judiciário.
  • Incentivo à inovação e aos pequenos empreendedores intensivos em conhecimento.
  • Fiscalização intensa em relação ao desmatamento, com política ativa de reflorestamento e de restabelecimento da cobertura vegetal.
  • Realização de parcerias entre governo e empresas em temas como ESG (Environmental, Social & Governance), como forma de aprofundamento do projeto de país.
  • Apuração sobre participação em redes de divulgação de fake news e no financiamento de atos antidemocráticos, com a devida punição.

7. Conclusão

Infelizmente, a intentona bolsonarista não termina hoje. É um trabalho de muitos anos, e existe uma quantidade imensa de pessoas com a mente totalmente cauterizada. O trabalho de desradicalização não ocorre do dia para a noite. Mas uma coisa pôde ser comprovada mais uma vez: nunca, em nenhum momento da história, um fascista saiu do poder pacificamente. E Bolsonaro não foi uma exceção.

Mas chamar Bolsonaro de fascista não dá uma dimensão exata do que ele é. Não porque ele não possa ser enquadrado como tal, mas porque fascismo é uma definição insuficiente para definir Bolsonaro. Ele é a soma de características de diversos líderes autoritários ao redor do mundo. É uma extrema direita vira lata, que concilia as características autoritárias do nazi-fascismo europeu com o conceito latino americano de “República das Bananas”. Em algum sentido, isso torna Bolsonaro ainda mais extremista que alguns líderes fascistas: enquanto os líderes fascistas respeitam e negociam com institucionalidades construídas historicamente, Bolsonaro não reconhece essas institucionalidades. Para ele, o Brasil é uma República das Bananas e nenhuma institucionalidade deve ser respeitada. Tudo deve ser destruído. Esse foi o recado que os seguidores do Bolsonaro deram, da forma mais extrema, no dia 08 de janeiro.

No entanto, de alguma forma, o Brasil segue de pé. Nossas instituições não aguentaram o tranco porque são fortes ou consolidadas, mas por um conjunto de contingências muito improváveis. Ao mesmo tempo nós tivemos:

  1. Um presidente de extrema direita extremamente incompetente, incapaz sequer de disfarçar o seu extremismo
  2. Um evento em que o Bolsonaro pôde mostrar de forma plena para todo o mundo o quanto ele era incompetente e negacionista, para não dizer cruel mesmo (a pandemia)
  3. Uma investigação decente da atuação do Bolsonaro na pandemia, por meio da CPI da COVID
  4. Um candidato forte contra Bolsonaro, que já tinha sido Presidente da República e tinha saído com aprovação de mais de 80%
  5. Um Judiciário realmente disposto a conter os abusos do Bolsonaro em nome de um mínimo de normalidade democrática, ainda que a um custo altíssimo
  6. A capacidade de Lula construir uma frente ampla que deslocasse a discussão do eixo “esquerda x direita” e realmente espelhasse de forma propositiva todas as políticas de destruição do Bolsonaro. As peças se encaixaram de forma praticamente natural.
  7. O apoio internacional irrestrito ao Brasil após a eleição do Lula, que não se abalou em nenhum momento.
  8. Um presidente que perde a eleição mesmo usando a máquina pública como elemento de manipulação eleitoral de uma forma que não se via desde a República Velha.

Em uma análise mais ampla, o único momento na História do Brasil em que todos esses fatores estiveram presentes foi em 2022. Mais do que isso: o mundo vai estudar por muitos anos como o Brasil conteve o fascismo. Porque a conciliação que Lula está promovendo é de fato uma lição para o mundo: todas as forças políticas que tem o mínimo de comprometimento com a democracia decidiram se engajar junto com Lula.

Todo esse cenário, porém, segue muito fluido. A ameaça fascista segue real, e a democracia está sendo salva pelo engajamento individual de algumas pessoas. O Brasil não tem instituições fortes e quem diz que o Brasil tem instituições fortes está mentindo. Instituições não podem ser mistificadas, precisam ser construídas com competência técnico-administrativa, vontade política e engajamento da sociedade.

O Brasil necessita urgentemente de um esforço coletivo de construção institucional da democracia. Pode ser que, um dia, os heróis que salvaram a democracia em nosso pior momento não sejam suficientes para segurar a onda fascista. É por isso que precisamos construir instituições mais fortes, mais robustas, menos cooptáveis, repletas de pessoas competentes e bem intencionadas que saibam o seu lugar na História.

Em muitos momentos, durante o processo eleitoral, a imprensa internacional disse que “a eleição brasileira salvaria o mundo”. Essa colocação falava especificamente sobre a questão das mudanças climáticas, tema em que Lula e Bolsonaro tinham posições radicalmente antagônicas: enquanto Lula queria retomar a liderança global no enfrentamento às mudanças climáticas, Bolsonaro agia como um negacionista, destruindo a Amazônia e os demais biomas do país.

O tempo tem mostrado que a frase “a eleição brasileira vai salvar o mundo” se aplica muito além do tema das mudanças climáticas. O bolsonarismo, mais do que um receptáculo dos ideais de extrema direita praticados por governos como o de Trump, era (e ainda é) um modelo para os governos de extrema direita mundo afora. Bolsonaro significa o governo de destruição total que as forças de extrema direita desejaram por tanto tempo. Um governo niilista, sem responsabilidade com nada, um grupo de pessoas cuja única missão é destruir tudo. E os atos de 08 de janeiro foram a prova cabal disso.

O fato de que o Brasil está vencendo essa força destruidora extremamente poderosa é a maior prova de que sim, a eleição de 30 de outubro decidiu o futuro da humanidade. É como se o Brasil tivesse sido capaz de parar um impulso assassino prestes a se espalhar pelo mundo. E não importa o que aconteça à partir de agora, é preciso frisar: esse já é um feito histórico.

Temos uma última chance enquanto país de construir uma democracia forte e de mostrar ao mundo como se constrói uma democracia forte. O nosso futuro e as próximas gerações não nos dão o direito de desperdiçar essa chance.



MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. 5. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014.

DE SOUZA, Matilde. Transamazônica: integrar para não entregar. Nova Revista Amazônica, v. 8, n. 1, p. 133-152, 2020.

TEITELBAUM, Benjamin R.; COSTA, Cynthia. Guerra pela eternidade: o retorno do tradicionalismo e a ascensão da direita populista. Universidade Estadual de Campinas. Editora, 2021.

13 comentários sobre “Ideias Para Sairmos Bem Dessa Quadra da História

  1. meus parabéns pelo artigo mais completo e bem explicado!!! melhores ideias cara!! espero que nosso futuro no brasil seja ótimo com muito trabalho e esforço para deter os monstros psicopatas que desejam poder total e absoluto.

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  2. Infelizmente o bolsonarismo não é adepto a leitura, e esta é a mais excelente explicação para um livro de história atual dos últimos anos e dias do nosso País tão massacrado principalmente nestes últimos 4 anos pelo Bolsonaro e sua caterva … Democracia sempre… militares sem noção como Vilas Boas, Heleno e Mourão vão para o lixo da história assim como Bolsonaro e sua corja… Parabéns por este excelente Artigo Leo Rossato !

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  3. Muito obrigada, muito obrigada e muito obrigada. Li esse livro como uma Vitória que ganhei em uma promessa feita junto ao Criador, a minha Santa mãezinha. O conteúdo desse livro é tudo aquilo que incessantemente tenho dito e
    rebatido àqueles que denegriram Lula, Dilma, PT, em minhas redes sociais e aqueles ensandecidos de cérebros de 5 tons de cinzas que vêem algo bom em um destruidor de País e cidadãos ,um bolsonarista, bolsovazio de moral e bons costumes. Desejo do fundo da minha alma que bolsonaro é todos aqueles que tentaram destruir a nossa democracia, sejam PRESOS e paguem por todos os seus crimes, penais, civis, ontra a administração púbica, contra a humanidade e que lhes sejam tirados cada centavo que roubaram do povo brasileiro, porque é pelo bolso que se deixa um ladrão furioso.

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  4. Esse texto deveria ser transformado em um livro, por trazer clareza ao momento histórico que estamos vivendo, importantíssimo para a geração atual e também futuras entenderem o contexto que levaram ao 08 de janeiro de 2023.

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  5. Tem umas coisas aí que fazem parecer fan fic. Tem muita coisa legal, mas vou ser um pouco crítico também porque foi assim que vocês mesmos disseram para ser. No caso, se os militares começaram tudo isso por medo de serem punidos (principalmente pela comissão da verdade, que foi citada no texto, mas depois foi esquecida), por que isso continuou mesmo depois do fracasso? (segundo os próprios participantes ou apoiadores, como Bernardo Kucinski e Roberto Garretón) E isso foi em 2014.

    Sobre as conclusões, Eu acreditava que o Lula faria a Renda Básica Universal, mas ele mesmo disse que taxar os mais ricos é difícil.

    E lembro que ele entrevistou o Supicly sobre isso antes das primeiras pesquisas eleitorais, mas após as primeiras pesquisas, abandonou o projeto (até porque o bolsa família é uma “marca” forte do governo e acho que não querem abandonar a marca).

    Curiosidade: Lembro que sumiram com a programação infantil das televisões após impedirem publicidade infantil de brinquedos. Após isso a programação foi trocada por programas de adultos e violência, os brinquedos foram para o youtube, onde as crianças fazem propaganda de graça em busca de views. Bastaria uma fiscalização melhor. Sem contar que acabaram com os desenhos para crianças pobres, pois pouquíssimas têm acesso à internet e podem pagar planos de internet. E algumas redes de tv não pegam em muitos locais (aqui não pega a Tv cultura, por exemplo).

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  6. Aliás, a forma como o Lula riu do Suplicy naquela cena onde este invadiu a reunião para falar da Renda Básica Universal me fez ver que o Lula abandonou a ideia.

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  7. Boa análise. Entretanto acho que faltou mais critica à participação do PT nas agruras que sofreu nos últimos. Há no texto uma narrativa de que o PT e Lula foram vítimas. Acho perigoso e isso se assemelha à narrativa do Bolsonarismo no intuito de proteger Bolsonaro das criticas à sua incompetência e insanidade. Não existe relação de um. PT cometeu muitos erros e isso deveria ter sido um viés de análise mais profundo.

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  8. A atuação de grupos neonazistas está sendo subestimada. Passam de mil grupos na web disseminados pelo Brasil, a grande maioria nas regiões Sul e sudeste. São milhares, ou milhões de jovens e adolescentes cooptados para uma missão de destruição.
    Chamem Ana Maria Dias , da UNICAMP, para essa discussão. Talvez seja a melhor pessoa a dimensionar o perigo dessas redes hoje. Em 2004 encontrou uma página de Bolsonaro num site nazista., que a retirou ao ser anunciado . Desde então tem tentado sensibilizar as autoridades a fazerem algo. Quem sabe qual foi , é continua sendo, o papel desses grupos nos acontecimentos políticos das últimas décadas?

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