O que é Justo?
Eu tenho uma opinião que é extremamente de senso comum, mas também bastante impopular: em uma eleição resolvida por cerca de dois milhões de votos, todo apoio recebido é importante sim, incluindo aí o da Simone Tebet.
Mais do que isso: é justo esses apoiadores se inserirem da melhor forma possível dentro do governo Lula. Outra demanda importante foi a da Senadora Eliziane Gama, cobrando mais espaço para os evangélicos. Outra demanda justa, apesar de mal interpretada.
No caso da Simone Tebet, existe o fato de que ela era, dentre as candidaturas existentes, a terceira via “preferida pelo mercado”. Um adicional importante é o fato de que Simone não tem mandato no ano que vem e teve papel importante no segundo turno (em São Paulo, especialmente, onde a vantagem de Bolsonaro saiu de quase 68-32 em 2018 para 55-45 em 2022). E eu sempre defendi que o melhor lugar para liberais pró mercado trabalharem é em governos de esquerda: eles costumam trazer mais contraponto do que conflito quando estão em minoria. Costumam ser um filtro que evita algumas escorregadas que são comuns em governos de esquerda “pura”.
No caso da Eliziane, a reclamação é ainda mais justa. A derrota de Lula entre os evangélicos foi acachapante sim. Não existem dados da votação em si, mas o último Datafolha dá uma dimensão do efeito do pânico moral nesse grupo: Bolsonaro chegou a 65% dos votos, contra 29% de Lula. É o que mostra o gráfico do G1:

A grande questão aqui é que o uso da máquina pública para favorecer lideranças evangélicas e o uso do pânico moral nas celebrações religiosas – e também nos grupos de WhatsApp – foi tão despudorado que a surpresa aí não são os 65% de votos no Bolsonaro, mas os 29% de evangélicos que ainda votaram Lula. São índices bem similares aos da eleição de 2018, e mostram a necessidade urgente da esquerda começar a atuar entre os evangélicos. Mas não da forma como a esquerda imagina.
Dentre esses 29% de evangélicos que votou no Lula, existem muitos pastores, líderes e celebridades que, ao se manifestarem, foram perseguidos em suas comunidades, ameaçados, perderam cargos e perderam seguidores em redes sociais. Ainda assim, agiram com firmeza. Isso aconteceu com a própria Eliziane Gama. Em outubro, a Assembléia de Deus do Maranhão soltou uma nota de repúdio pública contra a senadora, após sua declaração de apoio ao Presidente Lula.
Esses nomes acabam sufocados entre o público evangélico em geral. Muitos evangélicos votam em Bolsonaro não porque são fascistas (alguns são, especialmente lideranças que estão indo para a frente dos quartéis – ou apoiando isso), mas porque seus líderes fizeram uma larga campanha pró Bolsonaro. E não existiram contrapontos visíveis dentro da igreja, não existiu uma discussão de ideias. O que ocorreu em muitas igrejas foi a imposição de um pensamento único, sem qualquer possibilidade de contestação. E as vozes da contestação precisam aparecer.
Por isso, o pleito da Eliziane Gama é justo. Porque ela não está pedindo cargos para o pessoal da bancada evangélica que se alinhou com o Bolsonaro o tempo todo. Ela está pedindo espaço no governo para evangélicos alinhados com Lula, que colocaram suas carreiras e seus ministérios em risco para impedir que a prevalência do bolsonarismo entre os evangélicos fosse ainda maior. Esse pleito tem um efeito positivo de mão dupla: mostra para a sociedade brasileira que não existem apenas evangélicos alinhados com Bolsonaro, rompendo parcialmente com esse estereótipo recente de associação do público evangélico ao fascismo. Por outro lado, mostra para o próprio evangélico que não existem apenas evangélicos alinhados com Bolsonaro, abrindo margem para uma contestação cada vez maior aos líderes que seguem dizendo absurdos do tipo “se você não está com Bolsonaro, peça perdão e se converta”. Dar visibilidade aos evangélicos não alinhados com Bolsonaro seria uma estratégia das mais importantes para começar a rachar esse bloco monolítico dos evangélicos reacionários que conseguem há duas eleições dois terços dos votos desse grupo para um projeto de base fascista.
O que não é Justo?
O União Brasil manteve neutralidade no segundo turno. No entanto, quadros como Sergio Moro apoiaram efusivamente Bolsonaro. São quadros como o Moro que fazem qualquer um desconfiar que o União Brasil jamais conseguiria ter unidade em seu apoio a Lula, e por isso mesmo não deve ter o mesmo espaço de partidos que estiveram com Lula desde o início. No entanto, é preciso negociar para ter uma situação minimamente tranquila no Congresso, isso é um fato.
Essa equação é difícil, mas não pode rifar políticas estratégicas do governo. Oferecer o Ministério das Comunicações, por exemplo, foi um grande erro, por mais que Paulo Azi não tenha aceito. No final, Juscelino Filho foi a solução encontrada dentro do partido. Oferecer o Ministério do Meio Ambiente para a Simone Tebet, por mais que ela tenha recusado, também foi um erro. Nesse caso, o bom senso da Simone em se recusar a passar por cima da Marina Silva fez a diferença.
Também não é justo ver personagens como Cezinha da Madureira e Sóstenes Cavalcante reclamando que a bancada evangélica deve ter o mesmo espaço que tinha no governo Bolsonaro. Eles estão interessado na manutenção das estruturas de poder, mas apoiaram o candidato derrotado, que usou a máquina pública em seu próprio benefício o tempo todo, tentou fraudar o processo eleitoral inclusive com a PRF, e, no fim, mesmo assim não conseguiu se reeleger.
O país mudou. Mas o governo que está saindo ainda não conseguiu nem mesmo reconhecer a derrota.