A manifestação “Fora Bolsonaro” convocada pelo MBL foi um fracasso.
E não foi um fracasso porque de repente Bolsonaro se tornou um governante popular amado pelo povo. Muito pelo contrário: ele segue sendo rejeitado por mais de 60% da população. A grande questão foi quem convocou a manifestação.
O grande recado do 12 de setembro não é o de que o povo não está contra Bolsonaro. Também não tem nada a ver com o PT ou com a esquerda (mesmo a que apareceu na Paulista). O recado que o povo deu nesse 12 de setembro foi um só: o MBL não tem legitimidade para chamar manifestações anti Bolsonaro.
Esse é o grande choque de realidade para o MBL. E existem alguns motivos para isso:
O Perfil das manifestações
As manifestações tinham exatamente o mesmo perfil e a mesma estética das manifestações de 2016 que pediam Fora Dilma, mas com um número muito reduzido de pessoas. A única diferença para as manifestações de 2016 foi que o público era mais jovem. Isso denota que o MBL e a defesa do Presidente Jair Bolsonaro partem da mesma raiz ideológica, mas Bolsonaro, ao contrário do MBL, tem alguma base popular (especialmente entre os evangélicos e entre militares da reserva). O fato do MBL não ter base popular mínima fez com que o movimento tentasse desesperadamente chamar a base popular dos outros, sem nenhum sucesso.
O Bolsonarismo anti-Bolsonaro
A culpa do fracasso da manifestação organizada pelo MBL é exclusivamente do MBL, que passou anos completamente alinhado ao bolsonarismo, e hoje tenta ocupar a posição bizarra de ser um “bolsonarismo anti Bolsonaro”: as ideias são similares, mas o MBL tenta se posicionar como antagonista de Bolsonaro em um nível quase pessoal. Aqui, é bom ressaltar que o bolsonarismo é um fenômeno que vai além da pessoa Bolsonaro, assim como o lulismo vai além da pessoa Lula. É uma série de práticas, atitudes e visões de mundo baseadas em pensadores como Olavo de Carvalho (por isso muita gente usa o termo “bolsolavismo”), marcadas pelo militarismo, pelo tradicionalismo e por uma concepção moralista do mundo de base religiosa, alinhada a uma visão neoliberal radicalizada, que no governo Bolsonaro é expresso na figura de Paulo Guedes.
Não à toa, o MBL é simpático ao modelo de Paulo Guedes, assim como é simpático ao moralismo tacanho que hoje tem como grande expoente a Ministra Damares Alves. O MBL foi responsável por coisas como o protesto do Queermuseu há meros quatro anos, e em pleno ano de 2021 Arthur do Val atacou o projeto de distribuição de alimentos do Padre Júlio Lancelotti. O MBL é bolsonarista, do ponto de vista programático, embora esteja desalinhado com o Presidente Bolsonaro no momento.
A incoerência que grita
Não há argumento que convença as pessoas a se empolgarem com um cavalo de pau político (e não ideológico) desses. O MBL é odiado pela esquerda e pela direita bolsonarista. Isso quer dizer que, na hora de organizar uma manifestação, mais de 70% do eleitorado já está automaticamente descartado. Sobram aqueles que não se identificam nem com a direita e nem com a esquerda, ou que se identificam com a direita, mas não com a figura do Bolsonaro. Ou que se identificam com a esquerda, mas pensam que união de forças não devem ter nenhum critério além de “eles são contra o Bolsonaro”. Um movimento desagregador como o MBL sempre foi jamais conseguiria superar essas incoerências “por uma causa maior”.
Ainda mais se levarmos em consideração que o MBL nunca fez uma autocrítica de fato: o método de “perseguir a esquerda” continua presente, bem como a ideia de destruir o estado para criar uma espécie de paraíso anarcocapitalista. Não à toa, na manifestação do MBL tinha bandeira ligada até aos supremacistas brancos norte-americanos.

Foto pelo João Gomes, que atende pela arroba @claroabelardo no Twitter
(Para entender mais sobre as relações de Bolsonaro com o Anarcocapitalismo, recomendo fortemente esse texto)
Conclusão
O fracasso da manifestação do MBL foi só isso: o fracasso de uma manifestação que sempre esteve fadada a fracassar, porque o MBL não tem legitimidade para chamar manifestações anti Bolsonaro. Não tem nada a ver com “sucesso das manifestações bolsonaristas do dia 07”. Aquelas manifestações também foram um fracasso. Com o tanto de dinheiro que o Bolsonaro investiu naquilo é provável que até o MBL enchesse a Paulista.
O que fica claro é que grupos de direita estão em sérias dificuldades, por conta de todo o contexto. Estamos no terceiro ano de um governo que se diz orgulhosamente de direita e tem sido péssimo para a maior parte da população. Isso esvazia qualquer movimento popular de direita. Mesmo as redes de produção de fake news tem limites: um discurso totalmente desconectado da realidade não consegue angariar credibilidade com a parcela da população que não está radicalizada.
Além disso, os líderes do MBL e do Vem Pra Rua colocaram uma expectativa totalmente irreal na manifestação, não só quanto ao número de participantes, mas também quanto a importância dela pra derrubar Bolsonaro. Eles realmente acharam, em alguma medida, que teriam o mesmo poder de agregação que tinham em 2016, ignorando completamente as mudanças brutais pelas quais o Brasil passou nos últimos cinco anos. Era a receita para o desastre.
E a vida continua. Esse fracasso é um convite para todos pensarem na política menos sob a ótica dos eventos e mais sobre a ótica dos processos. Bolsonaro segue com 25% de popularidade e a ideia de uma terceira via segue gerando pouca mobilização. O brasileiro está sofrendo um overload (uma sobrecarga, quase um burnout) de política atualmente e não vai se engajar só porque os pedidos são insistentes. Ou há incentivo financeiro (como ocorreu nas manifestações do Bolsonaro no dia 07) ou precisa haver engajamento, que geralmente vem pela indignação com o contexto atual ou pela esperança de construir uma sociedade melhor. Hoje o MBL não tem tem nada disso: é só um movimento vazio procurando uma causa onde possa se encostar para sobreviver.