A Estratégia de Ciro Gomes Para Tentar Se Tornar Competitivo

Ciro Gomes sempre sonhou em ser presidente, mas, tal como José Serra, sempre pareceu estar no lugar errado.

Em 1994, a eleição se decidiu por conta da estabilização da economia. Nesse movimento, Ciro chegou atrasado. Foi Ministro da Fazenda por quatro meses, exatamente no momento em que Fernando Henrique Cardoso era eleito Presidente da República por conta sua atuação no… Ministério da Fazenda. Ao ser substituído por Pedro Malan, em janeiro de 1995, brigou com FHC e a cúpula do PSDB. Aqui existem duas versões: a de Ciro, que alega ter se recusado a participar de um governo clientelista, e a de FHC, que alega simplesmente não ter incluído Ciro Gomes na formação de sua equipe. No cerne da briga, a paternidade do Plano Real, disputada entre FHC, Rubens Ricúpero, Ciro Gomes e o próprio Itamar Franco.

Em 1996, Ciro saiu do PSDB e, insatisfeito com os rumos da política econômica brasileira, resolveu se candidatar a presidente em 1998, usando o mesmo artifício que FHC usou em 1994: o de ter sido Ministro da Fazenda e “responsável de verdade” pela estabilização. O discurso não vingou, e Ciro terminou em terceiro lugar, atrás de FHC e de Lula.

Em 2002, surfando na impopularidade do PSDB, Ciro chegou a brilhar na campanha eleitoral. Muita gente via Ciro como um cara “inteligente” e mais comedido que Lula. Em certo momento, um segundo turno entre Ciro Gomes e Lula pareceu provável. Mas dois fatores foram decisivos para a derrocada de Ciro: seus próprios arroubos de raiva, explorados exaustivamente por José Serra (o caso mais famoso nesse sentido foi o de quando Ciro xingou um eleitor de burro numa rádio da Bahia), e o discurso conciliador de Lula, que atraiu grande parte dos eleitores “amedrontados”. No final, Ciro terminou o primeiro turno atrás de Lula, de Serra e de Anthony Garotinho.

Desde então, Ciro nunca deixou de lado o seu sonho de ser presidente. Submergiu um pouco, fazendo parte do governo Lula no primeiro mandato como Ministro da Integração Nacional. Depois disso, foi eleito deputado federal pelo PSB, tendo pouca relevância na Câmara entre 2007 e 2010. Um detalhe importante nessa história: em 2009, Ciro disse que “abdicaria de uma candidatura presidencial em benefício de Aécio Neves“. A briga de Ciro sempre foi com o PSDB de São Paulo. Em todo caso, não foi preciso nem abdicar: suas ambições políticas foram podadas pelo grupo de Eduardo Campos, que levou o PSB a apoiar a eleição de Dilma Rousseff em 2010.

Entre 2010 e 2015, Ciro Gomes acabou sendo mais relevante na política estadual, atuando como Secretário de Saúde do Ceará na gestão de seu irmão Cid Gomes. Em 2015, saiu do PSB, passou rapidamente pelo PROS e terminou o ano filiado ao PDT, com a promessa de Carlos Lupi de que ali ele teria o espaço que fosse preciso para realizar seu sonho presidencial. Tentou criar articulações em 2018 e conseguiu engrenar uma campanha propositiva, mas o brasileiro escolheu a passionalidade e votou guiado por seus ressentimentos, elegendo Bolsonaro como presidente.

A Estratégia de Ciro Para 2022

O fracasso de Ciro em 2018 foi dolorido porque Ciro considerou que teve sua chance “roubada” pelo PT. A aliança de Ciro com o PSB, por exemplo, naufragou por causa do PT, e no final o PSB não declarou apoio a nenhuma candidatura na eleição. Além disso, ficou notório que mesmo em um cenário de PT enfraquecido a hegemonia na esquerda se manteve. Ciro viu ali que não conseguiria se estabelecer como nome da esquerda em hipótese nenhuma, apesar de ter apoio marginal no campo político, refletidos nos 12% de votos que o colocaram na terceira colocação no primeiro turno da eleição.

Esse processo se tornou ainda mais agudo com a soltura de Lula e a posterior recuperação de seus direitos políticos. Ali, estava claro que não havia nenhum tipo de chance para Ciro Gomes na disputa de votos da esquerda. Especialmente após as pesquisas eleitorais feitas desde março, que colocaram Lula em uma faixa de votação acima de 40%. Ciro precisava mudar radicalmente de estratégia. E para isso contratou João Santana.

As pessoas acham que João Santana e Duda Mendonça são só dois “marqueteiros do PT”, mas a verdade é que ambos são profundamente diferentes entre si. Duda Mendonça foi o célebre marqueteiro do “a esperança vence o medo” de 2002. Duda Mendonça conseguiu transformar o Maluf num cara legal. A pegada das campanhas de Duda Mendonça sempre foi muito mais “positiva”, focada em promessas e em realizações. Isso caiu como uma luva e criou uma espécie de “escola” para as eleições majoritárias do PT. Duda Mendonça faleceu em agosto de 2021, ao ser acometido de COVID durante o tratamento de um câncer no cérebro.

João Santana, ex-sócio de Duda Mendonça, tornou-se um grande especialista em marketing eleitoral, internacionalizando sua atuação e colecionando vitórias em eleições presidenciais de sete países diferentes. É responsável por uma técnica de campanhas eleitorais ad hoc, fortemente contextualizadas, o que faz com que as campanhas foquem não só na construção da imagem do candidato, mas também na desconstrução dos adversários. Inclusive a desconstrução das campanhas adversárias foi se tornando, com os anos, um aspecto cada vez mais forte das campanhas de João Santana, no Brasil e no exterior.

Quando Ciro contrata um sujeito com esse perfil, é fácil entender o motivo: ele precisa polarizar com alguém. Não faz sentido polarizar com Bolsonaro, uma vez que esse papel de anti-Bolsonaro é do Lula. Hoje, se há algum espaço para candidatura além de Lula e de Bolsonaro, é pela centro-direita antipetista. Ciro, com João Santana, tenta tomar esse espaço, que parece ser o único espaço vago dentro do espectro político no contexto da eleição de 2022.

Só que Ciro é ex ministro de Lula. Até 2018, tinha um perfil de voto muito parecido com o do PT. Qualquer movimento de polarização anti PT tem que ser mais intenso no caso do Ciro, por dois motivos: 1) Para ser um movimento minimamente convincente e 2) Para Ciro tentar se tornar um ator político relevante em 2022 através da polarização (hoje ele não é).

Essa estratégia é arriscada? Sim, extremamente arriscada. O fracasso é muito mais provável que o sucesso. Ainda assim, a chance de sucesso é maior com esse movimento do que se Ciro não fizer nada. Se Ciro continuar sendo o candidato “da esquerda descontente com o PT’, termina a eleição provavelmente em terceiro lugar novamente. O terceiro lugar é só o primeiro que não vai para o segundo turno.

E tem um outro aspecto aí: Ciro Gomes, a exemplo de José Serra, é um cara obcecado com a ideia de ser presidente da República. Serra só não tenta de novo porque não tem mais condições físicas, e inclusive viu sua saúde definhar a partir do momento em que perdeu as esperanças de ser Presidente. E caras obcecados em serem Presidentes não medem esforços para isso. Se Ciro tiver que desfazer todas as amizades que ele fez nos últimos vinte anos para ter alguma chance de se tornar Presidente da República, podem ter certeza: ele fará.

Prova dessa estratégia foi dada numa das discussões mais bobas que eu já vi nas redes sociais. Ciro tem provocado Lula há tempos, e Lula, que sabe exatamente o que é uma provocação, tem ignorado Ciro. Daí Ciro disse que “Lula conspirou pelo impeachment de Dilma”. Lula ignorou, mas Dilma não. E isso era exatamente o que Ciro Gomes queria para escalar a discussão. No final, até os comandos partidários de PT e PDT entraram na briga.

Por incrível que pareça, Ciro cumpriu o seu objetivo: polarizar com o PT. Por mais que a mídia veja Ciro como “esquerda”, Ciro quer trabalhar cada vez mais a polarização com o PT, para buscar parte do voto antipetista arrependido. Precisa fazer sentido? Não para Ciro Gomes: ele assume um papel a cada eleição, e em 2022 ele quer tirar o máximo possível de votos do Bolsonaro.

Por isso, sua campanha está centrada nos principais públicos de Bolsonaro: os gamers (sim, “Ciro Games” não é casual), os caminhoneiros (já saiu até vídeo do Ciro Gomes dirigindo caminhão), os religiosos praticantes (também já saiu vídeo falando da “fé de Ciro Gomes”) e os antipetistas em geral.

Para quem foi eleitor do Ciro em 2018, é uma estratégia repugnante. Mas Ciro Gomes não está se importando nem um pouco em seu “eleitor de 2018”. Ele quer angariar em 2022 eleitores suficientes para tomar o lugar de Bolsonaro no segundo turno.

Vai conseguir? Muito difícil. Mas a estratégia está dada. Ciro sabe que, se quiser ter alguma chance em 2022, tem que chamar a atenção, tem que polarizar, e também sabe que não vai conseguir polarizar com Bolsonaro, porque esse papel é de Lula. Resta a Ciro tentar a polarização com Lula.

2 comentários sobre “A Estratégia de Ciro Gomes Para Tentar Se Tornar Competitivo

  1. “Para quem foi eleitor do Ciro em 2018, é uma estratégia repugnante.”
    Acertou na mosca Leonardo. Estou me sentindo bem desconfortável com os rumos das escolhas dele. Na minha parca percepção das coisas desse mundo político, não estava processando as coisas. Teu texto, como sempre, foi elucidativo.

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  2. “Para quem foi eleitor do Ciro em 2018, é uma estratégia repugnante.”
    Discordo completamente. É apenas uma estratégia, nem repugnante nem louvável, assim como qualquer outra estratégia.
    Tirar Bolsonaro do segundo turno é o mínimo que todos deveriam estar empenhados em fazer. Impeachment, pelos crimes, seria o mais desejável.

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