Existia um açude chamado democracia. Esse açude está do lado de uma cidade que eventualmente podemos chamar de Brasil
Esse açude nem sempre foi bem cuidado. Pelo contrário: de vez em quando algumas pessoas achavam que ninguém estava vendo e instalavam uns canos clandestinos para desviar água, e assim encher a piscina de casa, chamar amigos e fazer festas sem pagar nada.
Há alguns anos, algumas pessoas viram esses canos clandestinos saindo do açude e, ao invés de cortarem os canos, começaram a falar: esse açude não presta, esse açude é uma vergonha, esse açude precisa acabar.
Essa galera se reuniu e deliberou que precisava de todas as formas destruir o açude. Começaram a perseguir o pessoal que defendia o açude, a ponto de apontarem o dedo e falarem pra qualquer um que defendia o açude “você defende o açude porque quer desviar água pra fazer festa na sua piscina”.
Aos poucos, foram tirando todas as pessoas que protegiam o açude. Foram buscando apoios na cidade toda, até convencer a cidade de que todos aqueles que queriam proteger o açude só queriam desviar água. Foi colocada uma administração provisória no açude com a promessa de que os canos seriam retirados. Na verdade alguns deles só mudaram a casa de destino.
O pessoal que queria destruir o açude não se conformou. Disse que essa administração nova era continuação da administração anterior. Daí eles começaram a literalmente jogar todo o seu esgoto no açude. Começaram a destruir na prática. O tal governo provisório não se importava muito, porque os líderes da cidade continuaram tendo água limpa. Junto com essa turma, tinha uma molecada que inventava mentiras todos os dias sobre o pessoal que de alguma forma tentava impedir que o açude ficasse cheio de esgoto.
Chegaram no ponto de perseguir pessoalmente quem protegia o açude, tentando tirar o emprego deles. Quando uma das protetoras do açude morreu, essa molecada chegou no ponto de dizer que ela era uma das maiores criminosas da cidade. Eles se empenharam tanto em espalhar mentiras sobre quem se aventurava a proteger o açude que convenceram a maioria da população a entregar o comando do açude para um dos caras que sempre dizia que tinha que destruir o açude “é bom mesmo era quando cada um colocava seus baldes no quintal para sobreviver da água da chuva.”. “Tem que fuzilar esses protetores de açude”. “Vou homenagear o cara que torturou e matou aqueles que queriam construir o açude há 50 anos atrás”.
Depois que esse sujeito assumiu, começou a jogar mais esgoto que nunca no açude. As pessoas começaram a reclamar que a água estava parecendo esgoto, mas o governante falou que era geosmina. Inclusive muitas pessoas morreram quando um vírus chegou à cidade e esse governante fingiu que o vírus não existia. Tentou vender remédio que não funcionava, tentou faturar em cima da vacina, um horror. A molecada? Passou o tempo todo na tarefa de ridicularizar e perseguir qualquer um que tentasse proteger o açude. Professor, líder comunitário, jornalista, até padre foi perseguido por essa turma.
Agora, essa molecada viu que a população está se voltando cada dia mais contra esse administrador do açude. Especialmente na última semana, em que ele basicamente disse “vou passar por cima de quem protege o açude”. E está chamando um movimento “Todos pelo Açude”.
Muita gente está desconfiada. Até porque esse pessoal continua diariamente jogando esgoto e lama no açude. Alguns disseram que vão entrar no movimento, porque “o importante é salvar o açude”. Outros, que foram pessoalmente perseguidos, chamaram esse pessoal de oportunista e já anunciaram que vão buscar outras formas de salvar o açude. O único consenso é que se o governante atual continuar, em pouco tempo o açude será destruído.
O problema é que o açude abastece a cidade. Ainda que a água esteja barrenta e com gosto de esgoto, a democracia segue abastecendo o Brasil. O governante atual precisa sair o mais rápido possível para a democracia continuar viva. Mas não há muitos indícios de que essa molecada que nunca defendeu a democracia vá defender a democracia daqui em diante. Porque a proteção à democracia não é uma pauta oportunista que você abraça só porque isso é moda entre os jovens atualmente. É um projeto de vida, um projeto de custo altíssimo, que resiste a qualquer tipo de perseguição.
Que ao menos esses tempos sirvam para a molecada aprender a lição de que a democracia precisa estar a salvo e saudável, para a população do Brasil conseguir viver decentemente.