A cidade de São Paulo está passando por uma semana complicada. Desde que foi anunciado o aumento no valor das passagens de ônibus municipais na cidade, de R$ 3,00 para R$ 3,20, já aconteceram três grandes protestos organizados pelo MPL (Movimento Passe Livre). Os protestos causaram grande desconforto no prefeito Fernando Haddad e no governador Geraldo Alckmin, ambos em Paris promovendo São Paulo como candidata a sediar a Expo 2020 (falei sobre o assunto no ano passado, inclusive)
Já foi dito muito sobre o assunto. O ciclo de vida da informação na Internet é muito rápido, ela nasce, cresce, se reproduz e morre com uma velocidade inédita, e isso tem tudo a ver com os protestos que estão ocorrendo em São Paulo nos últimos dias.
Você deve estar se perguntando porque Istambul está no título do texto, e talvez tenha aparecido aqui em busca de informações adicionais sobre a novela passada da Glória Perez. Mas a verdade é que está rolando, na Turquia, uma onda de protestos que lembra a de São Paulo, embora os turcos sejam mais organizados e, em bom português das ruas, tenham mais sangue nos zóio.
É bom reparar que o motivo acaba se tornando um agente menos importante. Enquanto em São Paulo as tarifas de ônibus motivaram o protesto, na Turquia os protestos foram motivados pelo plano do governo turco de demolir um parque em Istambul para construir um centro comercial. Mas o que está por trás disso, na verdade, é uma insatisfação latente da população média com a política e com os políticos, já manifestada em diversas partes do mundo nos últimos anos, e que ocasionou a queda de governos como o egípcio e o tunisiano e uma guerra civil que está em vias de completar dois anos na Síria.
Essa insatisfação latente tem tudo a ver com a democratização da informação. Com o feedback de outras pessoas via Internet, as pessoas começaram a perceber as contradições existentes nas grandes cidades, com um quadro de injustiça social latente. Junto com isso, as pessoas percebem que o discurso da classe política tem tido diferenças irreconciliáveis com a prática da classe política, caindo, na maioria das vezes, na demagogia infrutífera, aliada ao comprometimento com grandes grupos lobistas, como os empresários de ônibus, a indústria automobilística e as incorporadoras imobiliárias.
Tudo isso não faz sentido nenhum para o cidadão médio. Quando surgem situações pontuais, como o aumento da tarifa dos ônibus, abre-se uma janela de oportunidade para que a insatisfação latente contra os governantes se transforme em prática. E a prática inclui manifestações que depredam o patrimônio público. Porque quem protesta se sente oprimido, sente que o patrimônio público não é público de fato. Pior do que isso, é apropriado diariamente por pessoas que se aproveitam disso para obter vantagens econômicas.
Em Istambul isso foi ainda mais explícito, porque envolvia a apropriação de um espaço público para a iniciativa privada, em nome do “crescimento econômico”, esse dado que é tratado como uma divindade em forma de número por governos e economistas. Mas em São Paulo isso também acontece com frequência, com exemplos notórios, como o que envolveu a venda de alvarás durante o governo Kassab (esse texto fala mais sobre o tema).
É emblemático que Haddad e Alckmin, prefeito e governador, estejam em Paris tentando atrair a Expo 2020 para São Paulo enquanto os protestos acontecem. Porque mostra de maneira clara e didática como São Paulo é tratada como um produto para a “atração de investidores”, e não como um espaço de harmonia em que as pessoas vivem com qualidade.
Poderia citar dezenas de exemplos, mas o fato é que a era da informação foi a grande responsável por pegar os reis nus. Em São Paulo ou em Istambul. Invadir as ruas e atrapalhar o trânsito é uma espécie de grito que estava engasgado por aqueles que sentem que a cidade não é mais do povo, pelos que querem a cidade de volta, nem que para isso seja necessário quebrar algumas coisas no caminho.
Talvez por isso Alckmin tenha dito que atrapalhar o trânsito é caso de polícia. Porque a classe política ganha quando o controle da cidade não está nas mãos do povo. Ganha quando a cidade deixa de ser um espaço de convivência para ser um espaço leiloado pela classe política, eternizando a segregação espacial e alimentando o sentimento de exclusividade de uma minoria.
A informação já está democratizada. Chegou a hora de democratizar os espaços urbanos também. E é essa a maior mensagem dos protestos em São Paulo, em Istambul, em Madrid, no Cairo ou em Nova York.
Pingback: A cidade, o caos e a catarse | Aleatório, Eventual & Livre