Quando nos definimos como cristãos, já somos associados a um monte de preconceitos. Somos intolerantes, alienados, compactuamos com um monte de coisas erradas, odiamos o Estado laico, damos de ombros às evidências científicas…
Saibam que não é nada disso, meus caros.
O grande erro da nossa sociedade é a tendência a generalizar e a estereotipar tudo. É mais fácil para justificar uma visão limitada e dicotômica, para definir “amigos” e “inimigos”, sem parar para refletir que o sujeito que concorda conosco em um tema pode discordar em outro, e é nas concordâncias e discordâncias que acumulamos conhecimento para a vida.
E por que as pessoas fazem isso? Porque criar estereótipos é uma forma de afirmação. Nós criamos estereótipos negativos para nos afirmamos perante a sociedade de que não somos os mesmo tipo de pessoas que estereotipamos. O problema é que o estereótipo geralmente justifica preconceitos. E não apenas da sociedade contra os cristãos, mas também dos que incorporam o rótulo de cristãos contra diversos setores da sociedade, especialmente as minorias.
Mas por que estou escrevendo isso? É simples. Gostaria de falar para vocês que é possível ser cristão e ser tolerante, como o próprio Jesus Cristo era em relação aos rejeitados pela sociedade na época, como os leprosos, as prostitutas, os deficientes físicos e os moradores de rua. Que é possível ser cristão e não ser alienado, tomando posição em relação às mazelas da política sempre com a perspectiva cristã do amor ao próximo e de nunca se esquecer dos desfavorecidos, tendo em vista que uma das grandes prioridades da igreja primitiva, dos apóstolos, era ajudar os órfãos e as viúvas.
Também é possível ser cristão e não compactuar com um monte de coisas erradas, exortando as pessoas dentro da igreja a agir de forma apropriada e lamentando pelos maus exemplos que aparecem na mídia, ao invés de adotar o tão tradicional discurso da “perseguição religiosa”. Mas tudo isso tendo a consciência de que a igreja é essencialmente um lugar de pessoas doentes de buscam a cada dia mudar as suas atitudes, tornando-se melhores. Enquanto cristãos, nossa atitude tem que ser a de fornecer suporte nessa mudança cotidiana, como amigos e incentivadores.
Também é possível ser cristão e lutar pelo Estado Laico. Porque Jesus Cristo separou igreja e Estado quando disse “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Jesus Cristo nunca teve pretensões de tomar o Estado para si, e TODAS as intervenções históricas em que a igreja passou a determinar a atitude do Estado, desde o século IV, com Constantino, terminaram em privação de liberdade, em imposição. O cristianismo é, para a sociedade, uma questão de escolha, e para Deus, uma questão de predestinação. Isso deveria ser suficiente para entendermos que a intervenção que o cristianismo (ou qualquer outra religião) deve ter na formação e na gestão dos Estados Nacionais é zero.
E, acreditem, também é possível ser cristão sem dar de ombros às evidências científicas. Aliás, é possível ser cristão e dizer categoricamente que todas elas estão corretas. E isso ocorre porque todas as evidências científicas se aplicam a um Universo impregnado de morte por todos os lados. Pessoas morrem, seres vivos morrem, estrelas morrem, galáxias morrem, e todas as partículas existentes no universo estão sujeitas à aniquilação, que pode ser em alguns minutos ou em trilhões de anos. E isso só ocorre porque, para o cristianismo, a morte foi inserida no Universo junto com o pecado. O Universo original era eterno, sem máculas, e o pecado obrigou Deus a adaptar o Universo para uma configuração em que a morte fizesse sentido. O que corrobora todas as evidências científicas.
Finalmente, é necessário compreender que a vida do cristão é baseada na fé. Em uma crença absoluta e inabalável que pauta suas atitudes cotidianas. Mas que tem como uma de suas características principais a compreensão de que não são todos que compartilham a mesma fé, e de que devem ter liberdade de exercer sua fé, desde que essa fé não interfira na liberdade alheia. E o fato de alguém ter uma fé diferente ou atitudes diferentes não muda em absolutamente nada a nossa missão cristã de sermos amáveis, bondosos, caridosos e pacientes com todos.
No final, dava pra resumir tudo em uma frase: a de que, como cristãos devemos fazer diferença indo na contramão dessa nossa sociedade consumista e baseada na propriedade, caracterizando-nos pelo amor e pela compaixão, e não pelo preconceito e pelas atitudes mesquinhas. Isso faz muito mais diferença do que qualquer pregação religiosa.
Reblogged this on Blog do Prof. Jean Magno.
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Gostaria que o Papa Francisco lesse esse post.
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Bem escrito.
Aliás, só uma pergunta:
O que você entende do “Universo original”?
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P. S. Perguntando de outra forma: como seria (ou era) esse universo?
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Esse conceito de “universo original” é aquele conceito de Universo perfeito e eterno que existia antes da inserção do conceito de aniquilação (ou morte) nele.
É como se na fórmula original do Universo não houvesse a possibilidade das coisas se extinguirem, se acabarem, é como se existisse uma perspectiva de eternidade e de infinitude tão plena que o tempo e o espaço nem precisariam ser mensurados.
Enfim, é uma visão de mundo bem peculiar, admito.
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Me lembra um pouco do conceito de uma figura geométrica perfeita. Como sabemos, um círculo ou um quadrado não existem no mundo real.
Então, seria a mera idéia do universo, antes dele existir?
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Aì é uma discussão teológica interessante e sem conclusões, em que na prática cada um acredita no que achar mais confortável. Alguns aplicam essa ideia de universo original como uma construção teórica, uma ideia do que seria um universo perfeito. Outros creem nessa ideia como uma aproximação, como a forma geométrica que você exemplificou.
E, finalmente, há aqueles que acreditam literalmente nisso.
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Para ser sincero: não tenho uma opinião “formada” a respeito. Quem sabe, talvez nem haja uma conclusão definitiva – do ponto de vista humano …
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