Como um Projeto Premiado Ensina sobre Como Diferentes Governos Modelam Políticas Públicas

Hoje surgiu a notícia “Projeto Desmontado pelo Governo Lula ganha prêmio internacional”, que fala do projeto “Aprender Conectado”, um projeto-piloto que chegou em 177 escolas entre 2022 e 2023, foi descontinuado pelo governo Lula e agora ganhou um prêmio da União Internacional de Telecomunicações. Resolvi falar sobre o tema porque essa notícia em especial é extremamente didática sobre como diferentes governos modelam políticas públicas.

O modelo da Direita: os “projetos-piloto”

Os governos de direita fazem projetos exatamente no modelo do “aprender conectado”, e o raciocínio é simples: são projetos mais “eficientes” e que rendem maiores dividendos eleitorais. Como isso funciona?

A “eficiência” do projeto (o Aprender Conectado custou ínfimos R$ 32 milhões) vem justamente do fato de que se trata de um projeto-piloto. Atingiu 177 escolas, um número ínfimo , que representa literalmente algo em torno de um milésimo das 178,3 mil escolas públicas do país, de acordo com o último Censo Escolar. Mas há um outro aspecto da “eficiência”: a propaganda.

Políticas públicas feitas por governos de direita, em geral, funcionam com a construção de ilhas de excelência sem necessariamente transformar a realidade da área. São projetos-piloto feitos com muita qualidade, mas que nunca deixarão de ser projetos-piloto, por um motivo bem óbvio: a universalização da política é mais cara que um projeto-piloto.

É daí que entra a propaganda. Prêmios de políticas públicas em geral avaliam a qualidade da política, e não o alcance. É quase como se o governo funcionasse como uma empresa, que destina uma verba para desenvolver projetos de excelência em responsabilidade social para depois vender histórias de superação. Então acaba sendo muito mais comum que esses projetos ostentem prêmios do tipo.

Os governos do PSDB sempre funcionaram assim. A fórmula é tão simples quanto eficiente para o eleitorado: você constrói um projeto-piloto de qualidade, implanta esse projeto em um cenário muito controlado e específico (em geral com apoio de alguma consultoria especializada, porque o projeto tem que ser a “ilha de excelência”), vende o projeto como algo revolucionário, ganha prêmios e usa isso na próxima campanha eleitoral. Não mudou em nada a vida de 99,9% das pessoas? Não vai se tornar uma política estruturada a não ser que haja uma demanda muito grande da população? Nada disso importa. Se um projeto desses virar bandeira de campanha eleitoral por mandato, o esforço já valeu a pena.

O Projeto da Esquerda: “Políticas Universais”

Governos de esquerda, por sua vez, tem uma tendência maior a criar políticas de caráter universal. Talvez o maior exemplo desse tipo de política foi o Bolsa Família, nas diversas roupagens que o programa assumiu nos últimos 20 anos. A própria reportagem, apesar da manchete, vai nesse sentido: o governo federal argumenta que substituiu o programa pela “Estratégia Nacional de Escolas Conectadas”, que pretende custear a conexão de Internet no maior número de escolas possível.

A característica desses programas é justamente o de tentarem atingir o máximo de pessoas possível. São necessárias estruturas mais robustas, o que impede, via de regra, o efeito de “ilha de excelência”. O objetivo é ter impacto geral, mudando de forma relevante a vida de milhares ou de milhões de pessoas.

Por vezes dá muito certo, como no caso do Bolsa Família. Mas, para isso acontecer, o programa tem que ser bem desenhado, de forma relativamente simplificada e padronizada, dando conta de todas as possíveis situações aberrantes. Mas também pode dar muito errado, por diversos motivos: a estrutura do programa pode se tornar muito burocrática, os demais atores envolvidos podem não agir da maneira esperada e, em um público maior, é esperado que também haja um número maior de problemas para resolver. São desafios que os projetos-piloto não tem.

Como transformar projetos-piloto em políticas universais?

Talvez o grande equívoco associado aos projetos-piloto é o de achar que a diferença entre eles e as políticas concebidas como universais é só a escala.

Quando se concebe uma política pública, a escala dela é um dos tópicos fundamentais. Porque políticas pontuais, direcionadas para poucas pessoas, são concebidas de forma muito diferentes que políticas universais. Os projetos pilotos não precisam se preocupar com diferentes contextos, diferentes públicos, com a manutenção de um alto nível de atendimento ao público sem piorar a qualidade do serviço. O “projeto-piloto que nunca deixa de ser projeto-piloto” é um grande ensinamento de como as coisas funcionariam em situações ideais: financiamento pleno e contínuo, capacidade técnica, fluxos de processos bem mapeados, público-alvo sob controle.

Por isso, é impossível idealizar um projeto de universalização de política pública que funcione nos moldes de um projeto-piloto. Porque o objetivo do projeto-piloto inclusive é o de identificar e corrigir erros. Isso é de grande valia quando há a necessidade de redimensionar o projeto para que ele atenda a todos.

Implementação de políticas públicas em geral funciona como uma grande escola de gestão de projetos. A ideia sempre vai ser conciliar macroprojetos com microprojetos, sob uma estrutura de viabilização centralizada, para que a qualidade se mantenha, haja estrutura para atender aos casos não previstos e a política pública continue sendo feita com qualidade. Para isso, é necessário construir bons indicadores de monitoramento e de avaliação (que são duas coisas diferentes), e usar esses indicadores para corrigir em tempo real as falhas do projeto que podem adquirir caráter sistêmico.

Mas o que é Melhor?

Em geral, estamos falando de fases diferentes de uma política pública. Governos de direita param no projeto piloto porque sabem fazer uso eleitoral desses projetos muito melhor que governos de esquerda. Governos de esquerda se aventuram a criar políticas universais, mas em geral encontram problemas em sua estruturação, o que só é percebido, na maioria dos casos, depois que as políticas são implantadas. Deve ser o caso com a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas. Esse é um dos motivos pelos quais políticas públicas demoram tanto para sair do papel.

E existem os governos que simplesmente destroem tudo. Inclusive, nesse caso, a impressão é que o projeto é um outlier, considerando a prática quase que padrão do governo Bolsonaro de destruir políticas consolidadas entre 2019 e 2022.

Um comentário sobre “Como um Projeto Premiado Ensina sobre Como Diferentes Governos Modelam Políticas Públicas

  1. Com a devida licença para comentar?

    Falando disso, digo como alguém que participou de alguns projetos. No caso a “Frente de Trabalho” – que começou no começo dos anos 2000 (mas salvo engano há projetos similares passados), “Certific” e “Programa Profissão”, dentre outros. Acho que se lembrar, conhecemos quando lhe repassei, não me lembro se via e-mail ou em rede social, como vivenciei alguns deles.

    A “Frente de Trabalho” teve projetos pilotos no início da década de 00, estive em uma frente, ligada à CPTM (que vinha há pouco tempo se recuperando no pós-eventos de privatização da malha ferroviária). A função que peguei foi de limpeza. E era tudo manual – literalmente catando lixo na via. Fiquei creio que 8 meses (máximo do contrato permitido legalmente para evitar “vínculo empregatício”). Junto à Frente tinha um curso vinculado, no caso escolhi o de elétrica, mas não frequentei todas as aulas. Tenho o certificado no final das contas. De projeto piloto, hoje creio que ficou uma política eventual mas pouco usada no Estado de São Paulo (não vi mais sendo feita).

    O “Programa Profissão” foi uma parceria do Senac com o Estado para ofertar cursos técnicos dentro de Escolas Estaduais ou em unidades Senac (se não tivesse demanda). Diferente da ampliação das Fatecs/Etecs (algo que ocorreu creio que alguns anos depois), o foco era tentar ampliar rapidamente o número de profissionais de Ensino Técnico. Eu tinha escolhido Publicidade, mas acabei indo para Administração. Completei só um ano de curso, e depois fui para a Frente de Trabalho mencionada acima (eu não poderia somar os dois na época). Tal programa acabou só ficando no “projeto piloto”, operando por dois anos. Soube depois que não se tem muita documentação e certificados do curso.

    Estou tentando me lembrar do nome de de um que fiquei creio que no começo da década de 10, cujo formato era fornecer a desempregados uma renda básica e um curso ministrado – no meu caso foi pelo Senai. Só que este tinha um ponto: muitas pessoas que estavam no INSS e sofriam com problemas de saúde acabaram “forçados” na época a fazerem também o curso. Me lembro de relatos de pessoas que tinham problemas de locomoção ou até de visão e pelo que relatavam, ou faziam o curso ou perdiam o auxilio do INSS. Não fui a fundo na época para investigar – eu estava lá pois eu queria o certificado de informática e também pq a renda me ajudou. Este projeto também ficou no Piloto (2 anos), não me lembro se era Estadual (Alckmin) ou Federal (Dilma).

    Um outro projeto piloto que depois salvo engano virou o “Bom Prato”, isso em São Paulo, foi o “Bolsa Alimentação” ou algo assim, não me lembro do nome e não vou negar que estou preguiça de alterar as abas do Firefox. Mas antes do “Bom Prato” (ou acho que até na mesma época), por um tempo era ofertado lanches baratos (por 1 real) em pontos públicos como praças, terminais e estações de trem. Tempos depois creio que começou a operar (ou já operava) o Bom Prato em algumas cidades da Grande São Paulo.

    Indo mais de encontro ao texto, me lembro vagamente por textos lidos em sites de tecnologia, que a ideia original da universalização era aproveitar que o governo queria criar uma infraestrutura de telecomunicações aberta e pública gerida pelo próprio governo federal, isso para ligar infraestruturas governamentais e também os equipamentos educacionais. Não sei a quantas anda o projeto, diga-se. Lembro-me que a última vez de mencionado foi na época da Dilma no poder.

    No caso do projeto universalizado, teria que ver se tal infraestrutura já está pronta ou bem adiantada. Isso provavelmente deixaria o custo menor no geral, dado que seria uma infra única para todos os níveis de poder, repassado à equipamentos educacionais.

    E de fato, o ideal é que o Governo, caso deseja que os equipamentos de informática e a educação relacionada à área seja pública e fácil de fiscalizar, tome as rédeas. Muitas cidades hoje tem parceria com entidades privadas, o que creio que é problemático (Isso é alvo de reportagem da agência A Pública, salvo engano).

    Escolas hoje acabam contratando empresas menores ou dependendo da infraestrutura de telecomunicação de quem a gerencia (Estado ou Município). Só que muitas vezes tal infraestrutura é meio que amadora e acaba sendo uma gambiarra definitiva. E somada à parceria com entidades privadas (como as Big Techs), a qualidade da educação acaba sendo posta em cheque.

    Perdão o falatório e sucesso para ti Leonardo!

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