Não acostumem com postagens diárias. Eu normalmente não tenho tempo, mas estou de férias e mentalmente e confesso que ando meio refratário a discussões que se perdem nas redes sociais e não acrescentam nada porque rede social no fundo é só disputa de tamanho de ego. Mas vou tentar ter a maior frequência possível em respeito a vocês.

Saque Aniversário do FGTS

O Ministro do Trabalho Luiz Marinho tem criticado com consistência o saque aniversário do FGTS. A medida, criada em 2019, é criticada pelo Ministro por ser um desvio no propósito do FGTS, embora tenha muitos simpatizantes nas redes sociais.

O que muitas pessoas não sabem é que quem adere ao saque aniversário perde o direito ao resgate imediato do dinheiro do FGTS em caso de demissão. O FGTS funciona assim: se você pede demissão, só pode sacar o dinheiro após três anos. Se você é demitido, pode sacar o dinheiro do fundo imediatamente. Só que o saque aniversário colocou uma armadilha no processo, que quase ninguém conhece: quem adere ao saque aniversário tem que esperar três anos para retirar o valor do FGTS inclusive em caso de demissão.

Ainda assim, existem muitos entusiastas do saque aniversário. Muita gente acha que o FGTS é um investimento que rende mal (de fato, o FGTS é reajustado apenas pela TR), mas o fato é que o FGTS nunca nasceu para ser um investimento. O FGTS nasceu em 1964, em um projeto de desregulamentação pró empresários. Para quem não sabe, até então a CLT determinava que o empregado ganhasse estabilidade ao completar dez anos de emprego. Antes disso, o empregador tinha que pagar um mês de salário por ano de serviço em caso de demissão. Tudo no ato da demissão. Com o FGTS, o empresário podia diluir esse valor em depósitos mensais, administrados pelo sistema bancário para quando o funcionário fosse demitido.

Ou seja: o FGTS foi feito para arrochar trabalhadores. E agora, o saque anual do FGTS também foi feito para isso. Porque tira a possibilidade do trabalhador acessar o FGTS quando realmente precisar dele (ao ser demitido de um emprego). O FGTS é uma forma de garantir a vida de quem fica desempregado, o que é muito importante em um país como o Brasil, que historicamente tem alto índice de informalidade e em que as pessoas tem enormes dificuldades de recolocação profissional.

No fim, a discussão do saque aniversário do FGTS se reduz ao questionamento mais básico acerca do capitalismo: o empresário é bom ou ruim?

Quem é a favor do saque aniversário e, no limite, a favor da própria extinção do FGTS? As pessoas que acham que empresários são bondosos e que o capitalismo é uma maravilha produtora de riquezas que serão divididas entre todos formando uma sociedade parecida com a sociedade retratada nos desenhos das revistas dos Testemunhas de Jeová.

Quem é realista, porém, sabe que os empresários normalmente não são pessoas intrinsecamente boas, e quase sempre só cedem aos trabalhadores quando são obrigados pela lei. Por isso que o depósito do FGTS é definido em lei: porque se não houvesse uma lei obrigando o empresário a depositar mensalmente o valor do FGTS, o empresário embolsaria esse dinheiro, aumentando seus lucros. Então, na prática, o dinheiro do FGTS não existiria se não houvesse uma lei determinando isso, e esse fato torna totalmente irrelevante o fato de que “o FGTS rende menos do que outras aplicações”. O FGTS não é uma aplicação, é uma imposição legal.

Em um país com enorme desigualdade social e pouquíssima poupança interna, o FGTS, em muitos casos, é praticamente a única oportunidade de ascensão social para setores da classe média. Só que cada vez mais gente está contaminada pela mentalidade de day trader, que, ao estabelecer uma visão de mundo fundamentalista pró empresariado, é uma porta de entrada para drogas mais pesadas como o bolsonarismo e o neonazismo.

Banco Central

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central independente, estava em um grupo de WhatsApp chamado “Ministros do Bolsonaro” e tinha um papel importante: era ele que, no período eleitoral, divulgava estatísticas mostrando que “a vitória de Bolsonaro era certa”. Como sabemos, Bolsonaro não ganhou a eleição.

Só que o mago das estatísticas não vou um erro grotesco de contabilidade: de outubro de 2021 a dezembro de 2022, o Banco Central não percebeu um erro de aproximadamente US$ 1 bilhão ao mês no balanço de importações e exportações. Com isso, o que era um superávit de US$ 9 bilhões na balança comercial de 2022 virou um déficit de US$ 3 bilhões. Embora esse seja um problema meramente contábil, o impacto no mundo real é notório: ao divulgar por mais de um ano dados equivocados, o Presidente do Banco Central independente condicionou as expectativas do mercado, que achou por muito tempo que a balança comercial brasileira estava muito melhor do que realmente estava.

Mas é preciso dizer: independente de qualquer coisa, o governo mudou, e Roberto Campos Neto está tentando se adaptar ao contexto de um governo novo. A entrevista dele no Roda Viva mostrou que ele está buscando “despolitizar” o Banco Central, até para se manter como Presidente do Banco nos próximos dois anos sem tantos questionamentos. A afobação de sua fala no mesmo programa, porém, sugere que ele está com medo.

Classe Média

A classe média foi quem mais perdeu renda durante a pandemia, de acordo com um levantamento da FGV Social. Isso é emblemático de como as políticas dos últimos anos causaram forte esmagamento da classe média, achatando a renda da população e aumentando a distância entre os ricos e o restante da sociedade. Por isso, políticas para a classe média são tão importantes. Além da picanha e da cerveja, prometidas por Lula durante a eleição, duas medidas parecem estar sendo decisivas para recuperar o poder de compra da classe média: o reajuste da tabela do imposto de renda, para dois salários mínimos, e a investida do governo para baratear serviços como as passagens aéreas, hoje totalmente inacessíveis para quem ganha menos de 20 salários mínimos.

Decisão Absurda do STF

O STF decidiu que pessoas inadimplentes podem ser barradas em concursos públicos. Além disso, podem perder a CNH e o passaporte. Em resumo: o STF acabou de decidir que pessoas inadimplentes não podem deixar de ser inadimplentes. É o tipo de coisa tão equivocada e deslocada da realidade que ignora o fato de que 78,9% das famílias brasileiras estão endividadas. Além disso, é uma segregação inadmissível. Demonstração mais típica do elitismo do Judiciário é quase impossível.

São Paulo Abandonada

Você pode ir em qualquer lugar da cidade de São Paulo e o diagnóstico é o mesmo: tudo está abandonado. Seja na Sé, no Anhangabaú, na Praça Roosevelt, em Santo Amaro, na Paulista com a Consolação, na Cruzeiro do Sul ou em qualquer outro lugar, o cenário é dantesco, a prefeitura é completamente ausente, problemas se acumulam e pessoas perdem sua dignidade nas ruas enquanto a prefeitura fica discutindo como gastar os R$ 30 bilhões que o município tem em caixa. Uma das demonstrações mais cabais do desmonte da máquina pública é o governo não conseguir executar o próprio orçamento enquanto a qualidade de vida na cidade se deteriora. É exatamente o que está acontecendo em São Paulo.

Como chama o prefeito? Ricardo Nunes, que foi eleito como vice de Bruno Covas. Ninguém conhece, mas hoje sabemos que Bruno Covas já estava sofrendo uma doença terminal durante a eleição.

Super Bowl

Dois dias depois, é possível dizer que a principal notícia do SuperBowl é “Rihanna está grávida”. Isso diz muito sobre o quanto os não aficcionados em esporte se importam de fato com o futebol americano.

Quanto ao jogo, ninguém vai se tornar fã do esporte com tanto erro de arbitragem e confusão nas marcações. E parabéns ao Kansas City Chiefs.

***

Gostou? Espalhe isso para seus amigos. Quanto mais gente receber, melhor. Estou no vale da morte da produção de conteúdo: mais de 90% das iniciativas morrem antes de decolar, e estou nesse estágio. Preciso mais do que nunca de vocês, como leitores e apoiadores.

Um abraço!