O Óbvio Precisa Voltar a Ser Óbvio

Frase “Make obvious obvious again”

Parte da estratégia da extrema direita está em questionar aquilo que sempre foi de senso comum em nome de suas pautas políticas tresloucadas. Isso tem um custo imenso: coisas que eram consensos na sociedade, estilo vacina como forma de prevenção de doenças, agora são questionadas.

Quando governos de extrema direita estão no poder esse tipo de questionamento serve para um propósito específico: colocar em pauta como discussão aquilo que jamais deveria ser discutido porque É ÓBVIO. Isso tem um efeito positivo pros extremistas e negativo para a democracia.

O efeito positivo para os extremistas é que a pauta se torna cada vez mais fluida para a direita (e só para a direita). Um rombo de R$ 343 bilhões nas contas públicas com fins eleitorais não é “furar o teto”. Um cara que mata um petista falando “aqui é Bolsonaro”? Crime comum.

Isso traz uma normalização de absurdos cada vez maiores, e coisas absolutamente inacreditáveis há quatro anos atrás viram parte do cotidiano politico hoje. É a vitória da extrema direita, as pautas deles entraram de sola na agenda de políticas públicas (ou de destruição delas)

Por outro lado, combater isso é profundamente desgastante, infrutífero e desanimador. É desgastante porque ninguém deveria ter que explicar o óbvio de novo. É infrutífero porque não adianta nada explicar o óbvio pra radicalizados. E é desanimador porque no fim eles ditam a pauta. Eles tem os instrumentos para isso.

E esse último item poderia ser bem diferente se a imprensa não fosse tão leniente com o discurso de extrema direita. O jornalismo declaratório praticado por quase todos os grandes órgãos de imprensa do país, sem a devida crítica, é decisivo para legitimar as pautas extremistas.

Nesse cenário em que a extrema direita está endinheirada, é dona do poder e conta com a leniência da imprensa (e impulsiona órgãos puxa sacos estilo Jovem Pan), acontece algo terrível: defender o óbvio passa a ser algo subversivo, que inclusive pode representar risco de vida.

Bruno Pereira e Dom Phillips morreram por defender o obvio (a preservação da Amazônia e dos povos indígenas). Marcelo Arruda morreu por defender o óbvio (a liberdade de expressão política).

Mas o questionamento do óbvio também produz mais um efeito deletério, talvez o mais grave deles: questionar o óbvio é uma maneira eficientíssima de impedir a criação de consensos, dividindo a sociedade até nas questões mais simples, que deveriam ser… óbvias. Uma sociedade dividida é uma sociedade em que os mecanismos de solidariedade estão enfraquecidos, quando não rompidos em definitivo.

Uma sociedade com mecanismos de solidariedade enfraquecidos é uma sociedade onde o mais forte se impõe contra o mais fraco pela força. Não é uma casualidade que Bolsonaro incentive de maneira tão apaixonada o armamento daqueles que podem comprar armas (sim, é só uma elite econômica que compra e distribui armas)

Uma sociedade em que os mais fortes se impõem sobre os mais fracos no modelo econômico atual é uma sociedade autoritária fascista, e questionar coisas óbvias é um passo essencial para impedir a criação de consensos na sociedade sobre qualquer tema. Isso coloca uns contra os outros em qualquer situação, impedindo que se crie a coesão social necessária para suplantar qualquer projeto autoritário.

Hoje, precisamos mais do que nunca de consensos. Consenso sobre como combater a fome, sobre como recuperar a Amazônia e combater as mudanças climáticas, sobre como reconstruir a indústria brasileira e a inserção do país no mundo, sobre como renovar nossa matriz energética.

Ao contrário do que a retórica fascista fala, o que produz desenvolvimento não é o autoritarismo, e sim o consenso. O consenso permite que todos caminhem na mesma direção, com discordâncias pontuais. O autoritarismo faz com que uma elite subjugue a todos para impor seu projeto, que no fim é feito sob medida para beneficiar exclusivamente essa elite.

Por isso, mais do que nunca, a bandeira política de todos daqui pra frente precisa ser a de tornar o óbvio óbvio novamente, construindo as coisas via consenso. Precisamos reunir todo mundo em torno de prioridades que vão beneficiar a todos. É o único jeito realmente eficiente a longo prazo de combater o fascismo.

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