Políticos, Tentem Permanecer Vivos

O ex-premiê do Japão Shinzo Abe morreu após ser atacado em um evento de campanha na cidade de Nara.

Sobre esse tema, a verdade é uma só: quando um político morre, um político morre.

Por maior que seja a comoção de momento, ela nunca vai substituir a capacidade do político de mudar os rumos de uma cidade, de um país ou do mundo.

É por isso que uma das principais incumbências de um político é permanecer vivo.

Eu sou de Santo André, uma cidade que teve o principal político de sua História brutalmente assassinado no momento mais promissor de sua carreira, e sei bem como isso é verdade. Atrás de uma morte brutal vem uma terra arrasada de realizações que poderiam ser feitas e se perderam. Nunca ninguém foi capaz de substituir Celso Daniel.

Também morei em Campinas nos anos seguintes à morte do Toninho para fazer minha graduação. De novo, o cenário era de terra arrasada, toda a legitimidade política que vinha com a figura do prefeito se perdeu quando ele foi assassinado. A esquerda nunca mais se recuperou lá também.

Casos como o da Marielle Franco, por mais que levantem mobilização, chamam mais a atenção pelo imenso potencial perdido. Marielle poderia ser hoje uma das principais vozes da oposição na Câmara. Ou mesmo no Senado, visto que se cogitava a candidatura dela em 2018. Foi uma perda absurda, que ainda serviu como propaganda para políticos de extrema direita.

Na Colômbia, Gustavo Petro está se tornando o primeiro presidente de esquerda DA HISTÓRIA DO PAÍS. Sabe por que nunca houve outro antes? Porque o assassinato era uma estratégia política consolidada na Colômbia, é isso ia além da esquerda: ocorreu inclusive contra liberais que queriam pacificar as relações dentro do país, como foram os casos de Jorge Gaitan e Luis Galan.

Qual a consequência disso? Governos conservadores que alimentaram meio século de guerra contra as guerrilhas, um narcoestado e aberrações políticas como o uribismo, que destroçaram especialmente os mais pobres. Nada de bom pra esquerda ou para os grupos liberais que sofreram com os assassinatos.

O próprio Japão, que hoje está chocado com o caso de Shinzo Abe, já teve um exemplo notório: em 1960, Inejiro Asanuma foi assassinado em rede nacional. Ele era o principal político socialista japonês. Depois dele, nenhum político socialista foi tão proeminente no país.

É esse conceito nem se aplica somente aos políticos profissionais: a perda causada aos povos indígenas do país e às possibilidades de preservação da Amazônia com as mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips é impossível de descrever. Nenhuma comoção vai substituir o trabalho fenomenal a que ambos se propuseram no Vale do Javari para proteger os povos isolados e para descrever as belezas e as mazelas da Amazônia.

Não se enganem: em tempos de fascismo tentando fomentar a morte, permanecer vivo é a principal atribuição de qualquer político. Ninguém tem culpa de morrer, mas os desgraçados que acham que assassinato é estratégia política PRECISAM ser frustrados. E isso precisa ser considerado no planejamento de qualquer pessoa pública.

Lideranças não nascem do dia para a noite. Em geral, cultivam uma história de atuação por toda a vida. Uma história que desemboca em transformações para toda a sociedade. Atentados não frustram só as histórias pessoais, mas também as transformações sociais que essas pessoas seriam capazes de direcionar.

Por isso, permanecer vivo é essencial para os políticos.

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