Um País Paralelo

Hoje, por contingências da vida, tive que passar uma hora dentro de um Uber. E, por timidez, não tive coragem de pedir pra ele mudar a rádio. Então acabei ouvindo a Rádio Jovem Pan o tempo todo.

A surpresa nem é o quanto eles estão em uma bolha. Isso era esperado, e eu sou bastante tolerante com coisas que não sejam do meu meio social, muito por causa do meu interesse curioso e genuíno por política. Assisto live do André Janones no Instagram, assisto vídeo do Pablo Marçal no YouTube, eu sou realmente um cidadão engajado em temas políticos e estou sempre disposto a ouvir opiniões com as quais eu não concordo.

A Jovem Pan definitivamente vai muito além disso. Vai além até de programas como o do Datena, que tem uma abordagem abertamente reacionária (inclusive o Datena está cogitando o Senado – se não desistir de novo – na chapa do Bolsonaro). Hoje a Jovem Pan é uma central cotidiana de propaganda do Bolsonaro. E normalmente a gente é um pouco exagerado quando usa esse tipo de expressão, mas não há exagero nenhum no caso da Jovem Pan. Aquilo é uma propaganda eleitoral do Bolsonaro vinte quatro horas ao dia.

Quando comecei, passado o choque pelo que eu teria que ouvir, eu me deparei com o saco de bosta do Emílio Surita se referindo ao Pânico como o “programa taoquei”. Sim, e sem acasos: ele chegou a falar “nós somos o joinha do Bolsonaro”. Daí os cumprimentos são todos aos comunistas bolsonaristas da casa (e apenas a eles): Ana Paula, Augusto Nunes, Salles, até chegarem ao “convidado do dia”, que é convidado quase todos os dias: o neto do Figueiredo.

Daí chega o mamateiro pensionista do neto do Figueiredo e começa a bostejar, como se ele fosse um cara muito bacanudo de morar em Miami. Ninguém se importa com isso, seu cuck de merda. Mas piora (sempre piora): o Emílio começa a falar mal de todo o resto da imprensa, alimentando a narrativa que o Bolsonaro é um coitado perseguido por todos. E, logo depois, o neto de milico faz todo um discurso falando que a culpa por todos os problemas do país é do Judiciário. Que não há uma crise institucional no país e tudo funciona maravilhosamente bem, é só o Judiciário que quer tumultuar, que quer “ser o Executivo” e com isso não deixa o Presidente governar. Coisas estilo “o ativismo do Judiciário é tão absurda que tem até juíza dizendo no perfil do Twitter que é feminista”.

Completando mais uma parte da cartela do bingo do bolsonarismo, eles começaram uma longa discussão baseada em nada é repleta de exemplos esdrúxulos pra PROVAR que os preços só estão caros por causa do “povo do fique em casa”. Que “pediram pra todo mundo ficar em casa, daí os comércios não tem mais o que vender porque as indústrias não produziram nada e no final todo mundo faliu”. Sim, esse nível de desconexão mental. E ninguém pra contestar a narrativa, ninguém pra falar não é bem assim, é como se os caras tivessem todos sentados fazendo brojob uns nos outros enquanto veem o Bolsonaro.

Obviamente tudo ali regado por umas piadinhas machistas, incluindo ofensas ao “povo do Twitter”, onde o Bolsonaro já não reina mais. É tanto pensamento desonesto junto que aquilo foi me fazendo mal. Eu me ajeitei, mexi na blusa e o motorista só não percebeu minha cara de náusea porque eu estava de máscara. Teve até piada “os malucos se enfiam no meio do mato e não querem que aconteça nada com eles? Faça-me o favor”. Coisa de gente podre, asquerosa.

Logo depois, veio o merda do Emílio de novo “eu sei que o clima está meio pesado, vamos descontrair, parar um pouco de falar de política”. Daí eles chamam uma dupla sertaneja e começam a falar mal da perseguição que estão fazendo aos sertanejos, que o pessoal de outros ritmos também faz show para prefeituras e ninguém cobra.

Foi o meu limite. Contrariando todas as convenções sociais possíveis, eu peguei meu fone de ouvido e comecei a ouvir música acima do volume recomendado pelo aplicativo de saúde. O Bolsonarismo vive em um país paralelo e mobiliza uma estrutura imensa de recursos para convencer as pessoas da existência desse país paralelo, onde Bolsonaro não tem culpa de nada e as coisas só não andam porque “todo mundo está torcendo contra”. E que “eles são do povo de verdade”, quem é contra é “privilegiado”.

Eu só espero que esse pesadelo doentio acabe logo e que esse bando de malditos paguem com juros tudo o que fizeram de mau ao pais. O país de verdade, não essa aberração que eles inventaram.

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