Eu sofri muito bullying na escola. Por ser gordo, mas também por ser um ano mais novo que todo mundo (faz uma diferença imensa na adolescência).
Por um tempo, eu respondi com violência. Eu literalmente saia batendo em todo mundo que vinha me humilhar (vantagens de ser fortinho).
Isso começou a funcionar relativamente bem. As pessoas pararam de me encher o saco. Elas tinham medo de apanhar.
Até que um dia eu bati num moleque e ele começou a convulsionar, sem conseguir respirar. Naquele dia eu fiquei com medo e prometi nunca mais bater em ninguém.
O medo da violência, historicamente, tem sido um ótimo meio de modulação das relações sociais. As pessoas estabelecem limites civilizatórios de convivência justamente porque a violência é indesejável e sempre pode sair do controle. Não é a violência, é o medo dela.
Quanto maior a capacidade de violência que a pessoa, grupo ou nação são capazes de inflingir, maior o medo que as pessoas tem dessa violência. Um bom exemplo disso era a Pax Mongolica: em certo momento, o medo do Império Mongol era tão grande que as cidades se entregavam sem luta.
Então, no final, a capacidade de impor medo acaba sendo um componente fundamental de dissuasão para quem intenta provocar. Parecer mais forte do que você é para evitar a violência é estratégia, e o uso desproporcional da violência para intimidar quem pratica bullying também é.
Só que isso sempre é uma faca de dois gumes. Uma hora a violência vai com que você deixe seu colega estirado no chão convulsionando. Ainda que a resposta contra o bullying seja uma violência contra o opressor, que normalmente é “mais aceita” que a violência DO opressor.
Nossa sociedade judaico-cristã sempre admirou histórias como a de Davi e Golias, ou mesmo como a de Rocky o lutador. Histórias onde o mais fraco era subjugado até surpreender a todos. É nessas histórias o instrumento que promoveu a surpresa foi necessariamente a violência.
Essas histórias são importantes porque reafirmam um dos grandes princípios da sociedade ocidental: a possibilidade de mobilidade social. Antes dessa possibilidade ocorrer através do dinheiro, ela já ocorria através da violência. Então, na rede de valores da nossa sociedade capitalista, nós historicamente admitimos a violência como mecanismo de mudança do status social.
E isso leva a outra reflexão: quem é terminantemente contra a violência em geral está satisfeito com seu status social.
É por isso que um ato de violência entre ricos é visto com choque e indignação por muitos. Aparentemente, são suas pessoas satisfeitas com seu status sociais, no “topo do mundo”. Mas a profundidade da ofensa pessoal foi tão grande que rompeu esse acordo tácito de não violência.
Isso também explica porque quanto mais rica a pessoa mais propensa ela é a defender a “liberdade total de expressão”, se ela não tem consciência social: porque quanto mais rico você é, mais fundo você precisa cavar pra tirar um semelhante do controle. O custo da violência é alto.
O que faz voltar ao meu caso: meu colega acabou ficando bem. Mas a amizade foi obviamente abalada, o grupo todo se desfez e eu aprendi da pior forma que a violência tem um custo altíssimo enquanto mecanismo de rompimento das relações. Que não vale a pena na maioria das vezes.