Estou nessa de acompanhar movimento de esquerda e ter contato com militante literalmente desde os 14 anos de idade, época da LDB, e falo sem pestanejar: a galera que acredita em conspiração e vive de apontar o dedo pros outros como “vendidos ao imperialismo” sempre esteve aí. Inclusive aos 14 anos eu achava as conspirações do Grêmio Estudantil da ETE estranhamente parecidas com a da Igreja Presbiteriana que eu frequentava, o que me afastou bastante das discussões políticas lá. Mas como tinha truco e suco de uva de graça eu continuei frequentando lá.
Depois eu desisti do curso técnico na ETE porque não estava dando pra conciliar a ETE durante do dia com o colégio particular em que eu cursava mecatrônica à noite, e a ETE tava na sua pior fase, com a LDB muitos professores aposentaram, tinha dia que a gente ia e tinha uma ou duas aulas só durante o dia todo.
Mas em relação às conspirações: perceberam que a grande maioria do pessoal que espalha conspiração na esquerda é um pessoal mais velho? Ter essa percepção não é etarismo, é entender que anos 80 e 90 esse discurso era o padrão dentro dos movimentos de base de esquerda. Eram um padrão porque, como é comum em conspirações, havia uma exacerbação ou uma distorção de um discurso que, em sua raiz, era legítimo ou tinha um fundo de verdade. E, até Lula assumir o poder, o grande inimigo da esquerda era o “imperialismo americano”, em todas as vertentes.
O imperialismo americano afetou a política no Brasil? Pra caramba. Apoiou o golpe de 1964 e a ditadura? Com insumos e inteligência inclusive. Impôs pauta neoliberal nos anos 90? Sim, e foi horrível. Só que “ser contra o imperialismo” fez com que muito militante achasse que esquerda fosse sinônimo da nacionalismo, por exemplo. E essa repulsa ao imperialismo (que é correta) levou uma galera a coisas insanas estilo achar que os professores estavam se aposentando da ETE porque “com a LDB eles seriam fichados na CIA”. Esse exemplo é extremo e cômico mas reflete a mania de perseguição que a esquerda tinha na época.
Quando Lula assumiu o poder, essa mania de perseguição continuou, no âmbito da militância. O problema é que isso gerou tanto ruído que tirou a credibilidade do discurso da esquerda. Quando a perseguição veio de fato, com Eduardo Cunha, Sérgio Moro e os carambas, a sociedade deu de ombros e ninguém acreditava mais no discurso dos (ainda) militantes. Até porque esse discurso conspiratório também desembocava em um horrível “os fins justificam os meios” e isso obviamente gerou muita antipatia na sociedade, entre as pessoas comuns que não se envolviam em política.
Então quando eu vejo hoje na esquerda o mesmo discurso conspiratório que eu via na década de 90, eu lembro que na Igreja Presbiteriana isso era uma estratégia de retenção pelo alerta e pelo medo. E, até meus quinze anos, eu detestava aquele ambiente de igreja, mas ficava por medo. Medo do inferno, medo “das coisas do mundo”, medo “de cair em pecado”.
Disclaimer: depois eu de fato “me converti” e nesse processo de conversão fui sentindo minha inadequação ao ambiente daquela igreja. Tinha muitos amigos, mas a instituição era sufocante. Acabei saindo de lá aos 18.
Agora, pensem um negócio. Medo está relacionado à raiva. Raiva está relacionada à incompletude, frustração ou sensação de perda. Nessas alturas, no meio de um governo fascista, nós já perdemos tudo, praticamente. Por que então seguir denunciando uns aos outros por medo?
A esquerda só tomou o poder no Brasil quando essa galera que tenta controlar a libido dos outros através do medo foi relegada a segundo plano em nome de uma galera que realmente tinha a esperança de construir um país melhor com bons projetos.
É hora de fazer isso de novo. (Inclusive bons projetos para o país numa perspectiva multilateral são o melhor jeito de combater de fato o imperialismo americano)