Não existem dúvidas de que estamos diante de um governo que tem como projeto destruir não só a Amazônia, mas todas as florestas primárias do país. Um governo que está preso à noção de que desmatamento é sinônimo de desenvolvimento, e de que “se os outros países puderam derrubar suas florestas, nós também podemos”. Tudo isso com alguns “bônus” bastante assustadores, como a intenção pouco disfarçada de promover um genocídio entre indígenas, nos moldes do genocídio promovido nos EUA.
Aliás, o modelo de “Marcha para o Oeste” é uma inspiração para o bolsonarismo e para seus apoiadores. É nesse modelo que os bolsonaristas se apegam para promover a retórica da ocupação de espaços, em nome da busca de um “Eldorado” ou coisa do tipo. A ideia de “Febre do Ouro” também é bastante explorada pelo bolsonarismo: os maiores esforços de Bolsonaro em relação à Amazônia são sempre no objetivo de permitir aos garimpeiros e às grandes mineradoras globais o livre acesso às florestas. Especialmente aos territórios demarcados indígenas, cada vez mais ameaçados e dilacerados pela sede de sangue e de destruição do bolsonarismo.
Embora o impeachment seja um imperativo moral, as circunstâncias institucionais dão pouca margem para que ele aconteça até o final do ano. Arthur Lira é um comensal da morte, enquanto Augusto Aras sentou em todos os processos envolvendo Bolsonaro. Os poderes do país parecem ter se conformado com o fato de que a única forma de tirar a milícia boolsonarista do poder é pela via eleitoral. Mas, ainda que a via eleitoral tenha sucesso, “tirar o Bolsonaro” é só o primeiro passo para a restauração do país. É preciso um esforço de reconstrução muito maior e mais duradouro para que o Brasil volte a ser um país digno de ser chamado por esse nome.
Dentre todos os enormes problemas que o próximo governo terá que resolver, a questão do desmatamento das áreas verdes Brasil afora grita como um dos mais graves. Não só porque é um problema sério e grave, mas também porque é um problema de alta inércia. Se o próximo governo chegar com um programa “ok, vamos aumentar a fiscalização” isso só vai ter resultado em três ou quatro anos, além de ter efeito nulo para a reconstrução das áreas já desmatadas. É preciso fazer mais e mobilizar o país para um plano de recomposição florestal que vá além dos quatro (ou oito) anos do próximo governo.
É por isso que o Brasil precisa criar uma barreira verde. Só uma barreira verde é capaz de reverter a tendência de desmatamento atual e ainda fomentar a atividade econômica, fazendo com que muita gente que hoje desmata passe a trabalhar em projetos de recomposição florestal.
O que é uma barreira verde?

Uma barreira verde é exatamente o que o nome sugere: uma barreira de árvores com o objetivo de criar uma floresta contínua, preservando a biodiversidade e prevenindo a desertificação. Existem, hoje dois grandes projetos de “barreira verde” em andamento no mundo: o da China e o da África.
O projeto chinês começou no longuínquo ano de 1978. No início, era uma iniciativa individual do agricultor Shi Guangyin, com o objetivo de impedir que a cidade de Yulin sucumbisse ao processo de desertificação proveniente das tempestades de areia do Deserto de Gobi. A plantação de árvores deu tão certo que o governo chinês encampou o projeto e planeja que 42% do território chinês seja reflorestado até 2050. Hoje, cerca de 500 mil Km² de área do país já foram reflorestados, mas as críticas são enormes: o modelo de reflorestamento tornou os solos mais fracos e diminuiu a biodiversidade da região em algumas áreas, não tenho muito sucesso nem mesmo no objetivo principal: evitar a desertificação contendo as tempestades de areia do Deserto de Gobi. Muitas das críticas vem do fato de que boa parte das árvores utilizadas no processo de reflorestamento são álamos e eucaliptos, que não são exatamente as melhores árvores se a intenção é aumentar a biodiversidade local.
O outro exemplo é mais recente (e também mais ambicioso): os países do Sahel africano estão construindo uma grande barreira de árvores para impedir o avanço do Deserto do Saara. Essa barreira de árvores já demandou grandes esforços de reflorestamento em países como Etiópia, Nigéria, Senegal e Gana. Outros países, como Burkina Faso, Níger, Chade e Sudão do Sul seguem em ritmo mais lento, seja pela carência de recursos, seja pela situação política instável, que torna esses países vulneráveis a guerras e ao terrorismo.
Mesmo com essas limitações, o projeto até 2030 prevê que 100 milhões de hectares de terras atualmente improdutivas na região do Sahel serão restauradas, 250 milhões de toneladas de carbono serão absorvidos pelas árvores e também serão criados dez milhões de empregos. Para isso, parcerias estão sendo realizadas (aquelas mesmas que o Brasil recusou para reflorestar as áreas degradadas da Amazônia) e as comunidades locais estão sendo mobilizadas e educadas no sentido de entender a floresta como uma atividade econômica viável, que vai facilitar os demais aspectos da vida dos habitantes de todos os países da região.
O projeto africano recebe menos críticas que o projeto chinês, não só pela integração com as comunidades locais, mas também por usar espécies nativas, como o baobá, como matrizes para o processo de reflorestamento. Além disso, existem projetos de agroecologia em torno das áreas reflorestadas: com a menor exposição ao sol ocasionada pela copa das árvores plantadas, outras culturas agrícolas podem ser plantadas dentro da floresta com maior chance de sucesso, promovendo uma melhoria decisiva no índice de segurança alimentar das comunidades.
E o Brasil?
Pelas próprias características climáticas das regiões, o projeto africano parece ser mais apropriado para servir de inspiração ao projeto brasileiro. No entanto, o Brasil apresenta outras complicações: a grilagem de terras e o avanço do agronegócio, que se utilizam da destruição da floresta como mecanismo para ganhar dinheiro. Como promover um projeto de reflorestamento em locais como o Mato Grosso e Rondônia, em que nem as áreas demarcadas indígenas são respeitadas? É aí que entra a estrutura de fiscalização que o Brasil construiu na década passada.
Quem mais conhece a terra, além dos moradores, são os fiscais, que adentram a floresta (ou deveriam adentrar) várias vezes ao ano para conter a exploração ilegal de madeira ou de minérios). Contando com a ajuda de tecnologias de sensoriamento remoto, esses fiscais poderiam mapear áreas para processos de recomposição florestal, até que de fato haja um muro delimitador da Amazônia (e também um muro delimitador do Cerrado, e um muro delimitador da Mata Atlântica, e um muro delimitador da caatinga). Nesse contexto, a ação dos fiscais seria potencializada, fazendo com que os índices de desmatamento já caiam substancialmente no primeiro ano. Isso porque as comunidades vão se engajar na reconstrução da floresta, e não na destruição, como ocorre hoje.
Além disso, a barreira verde deve se tornar a grande política de estado relacionada ao tema: existem pesquisadores brasileiros que sabem exatamente quais espécies são nativas de cada local, e, além disso, podem aconselhar as comunidades para o uso de técnicas aceleradoras do reflorestamento, como a a agricultura sintrópica, por exemplo, que aumenta a biodiversidade das áreas degradadas em várias etapas, sempre com a premissa de usar o material orgânico da fase anterior para enriquecer a terra, promovendo um efeito de fertilização similar ao da serrapilheira no solo amazônico.
Conclusão
É óbvio (muito óbvio, eu diria) que um projeto desses deve partir de um grande consenso entre poder político e sociedade civil. Mas é necessário construir esses consensos, até porque o Brasil precisa dar uma resposta à altura ao mundo, depois de um governo que promove deliberadamente a destruição de nossa cobertura florestal. A mera tentativa de parar a destruição não vai adiantar nada. É preciso reverter o processo, recompondo florestas e tornando esse processo parte da atividade econômica das populações locais. A vantagem do Brasil é que há a possibilidade de fazer várias “barreiras verdes”: ainda não sofremos com um deserto que avança 5 mil Km² ao ano, como ocorre com a China e com a África. É por isso que pensar nisso agora é tão essencial.
A questão é como construir esse consenso entre o poder político e a sociedade… Gostaria muito que uma iniciativa assim viesse pro Brasil, mas assim como a maior parte das pessoas que se importam com o meio ambiente por aqui, não vejo de verdade como ajudar pra que isso aconteça.
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