Um Texto Egoísta e Clichê Sobre a Importância das Ciências

Eu fiz curso técnico em mecatrônica antes de ir fazer a minha graduação em Ciências Sociais. Um dos momentos que não esqueço do curso foi a primeira aula de Tecnologia dos Materiais. O professor deu um exemplo muito didático e fácil de entender para explicar a importância de se fazer bons cálculos para determinar quais materiais devem ser utilizados em uma construção. Foi algo mais ou menos assim:

“Se um advogado erra, uma pessoa é presa. É um prejuízo grande. Mas se um médico erra, um paciente morre. É um prejuízo maior ainda. Só que se um engenheiro erra, um prédio cai. Ou uma ponte. Dezenas ou centenas de pessoas morrem”

O professor queria, no fundo, só colocar um terror na sala de aula para que todos prestassem atenção na matéria. Mas naquela época, final dos anos 90, o exemplo só poderia ser dado nesses termos. O mundo estava em um momento de altas expectativas; especialmente com a ideia da Internet e da construção de uma “aldeia global” ou coisa do tipo. Ninguém imaginava que em vinte anos os cientistas estariam sendo ignorados e pessoas estariam acreditando em coisas tão absurdas como a Terra Plana.

Nesse meio tempo, eu me formei em Ciências Sociais, comecei a atuar com Políticas Públicas e vi como o profissional das ciências humanas é estigmatizado no Brasil, especialmente fora da academia. Para meu azar, meus planos de ingressar como professor em alguma Universidade pública sucumbiu completamente ao contexto. Ainda que eu complete o doutorado em um ou dois anos, o fato é que a universidade pública de dez anos atrás, com concursos frequentes para professores, já não existe mais. Foi destruída pelo enxugamento dos gastos em educação e pela postura anticientífica do governo. Mas já há dez anos atrás sinais preocupantes ocorriam: o principal deles, que eu senti de perto, foi o estigma com as ciências humanas. “Coisa de comunista”, diziam alguns. “Não é ciência”, diziam outros. Parecia o início do século XX, em que pseudociências como o “racismo científico” ou práticas abomináveis como a eugenia eram comuns.

Confesso que por algum tempo eu internalizei esse desmerecimento todo. Em 2010, eu cheguei a entrar em uma segunda graduação: pretendia fazer engenharia. Depois, desisti para fazer meu Mestrado, depois do conselho certeiro do professor que depois viria a se tornar meu orientador. Mesmo depois de me formar Mestre, questionei minha formação muitas vezes, pensando que eu deveria ter seguido o conselho do meu pai, que sonhava em me ver engenheiro. Mas isso passou quando eu entendi o real sentido daquela frase do início do texto, e o tamanho do erro que a sociedade estava e está cometendo, não apenas no Brasil, mas no mundo todo.

O erro da sociedade está em ignorar os cientistas. De todas as áreas, mas especialmente das ciências humanas. Não que as ciências humanas sejam melhores que as demais ciências: todas são igualmente necessárias, mas o pessoal das humanas vem sendo estigmatizado e ignorado há mais tempo. Todo mundo se julga especialista em ciência política, em sociologia, em História. E fazem isso por um único motivo: os especialistas não falam o que eles querem ouvir, então eles precisam criar uma nova realidade onde esses especialistas sejam trocados pelas opiniões sem embasamento deles. Daí a gente chega num ponto em que tem jogadora de vôlei atuando como comentarista de política na grande imprensa, só por falar o que os donos do dinheiro querem ouvir.

Não é à toa que o Brasil enfrenta uma sucessão de catástrofes. A sanitária, a política, a econômica, a social, a ambiental e a moral. Sim, os filósofos também estão em falta (os de verdade, não os que escreviam sobre astrologia nos grandes jornais há duas décadas). Isso me leva a encerrar esse texto parafraseando o meu ex-professor:

“Se um advogado é ignorado, uma pessoa é presa injustamente. É um prejuízo grande. Mas se um médico é ignorado (ou impedido de atuar), um paciente morre. É um prejuízo maior ainda. Só que se um engenheiro é ignorado, um prédio cai. Ou uma ponte. Dezenas ou centenas de pessoas morrem. E se um profissional de ciências humanas é ignorado, um país pode eleger um governante nazi-fascista. E daí centenas de milhares de pessoas morrem

É o que aconteceu com o Brasil”

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Um comentário sobre “Um Texto Egoísta e Clichê Sobre a Importância das Ciências

  1. Sobre “falar o que não querem ouvir”… acho que não é apenas isso, mas a esta hora da manhã e com dezenas de trabalhos para corrigir, bem, não tenho como elaborar isso.
    Queria contar de quando me dei conta de algo que acho que tem a ver com isso.
    Em 2015 eu lecionava uma disciplina ofertada para toda a comunidade da instituição: “raciocínio lógico e quantitativo”. Tinha gente dos mais diferentes cursos.
    Comecei uma aula perguntando “como é que a gente sabe se uma afirmação é verdadeira ou não?”
    Em geral vinha alguma coisa na direção de um empirismo. Se não me engano houve algo assim, mas o que me chamou a atenção foi a resposta de um aluno da ciência da computação: “a gente sente que é verdade!”. Fiquei tão surpreso que procurei conversar com a sala sobre isso e descobri que muitos concordavam com ele.

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