Lula, Luiza Trajano e os Trunfos Morais

Foto de Luiza Trajano veiculada na Time (Bruno Rocha—Fotoarena/Alamy)

Hoje saiu a lista anual das “100 pessoas mais influentes” da Time. É a lista mais tradicional nesse sentido, e, embora sempre traga nomes contestáveis (nesse ano mesmo Nayib Bukele, Donald Trump e Tucker Carlson estão lá), é de longe a lista mais renomada no sentido de mostrar ao mundo pessoas que tem tido grande influência em diversas áreas. Na edição atual, só uma brasileira: Luiza Trajano.

No entanto, o fato de Luiza Trajano estar na lista das 100 pessoas mais influentes da Time não é tão importante quanto o fato de que o texto sobre Luiza Trajano foi escrito por ninguém menos que Luís Inácio Lula da Silva. E aqui cabe ressaltar que a Time, especialmente nos últimos anos, tem buscado personalidades de grande calibre e com pautas coincidentes em relação ao homenageado para escrever sobre as 100 pessoas mais influentes. Para ficar em alguns exemplos desse ano: Bernie Sanders escreveu sobre Joe Biden, Nancy Pelosi escreveu sobre Kamala Harris e Serena Williams escreveu sobre Simone Biles.

A aproximação entre Lula e Luiza Trajano já foi cogitada em outras oportunidades, e, com esse texto na Time, ganha novos contornos. A especulação da vez, que já foi feita antes, é: uma chapa presidencial com Lula e Luiza Trajano seria possível? Possível sempre é. Assim como é possível que o vice de Lula seja Josué Alencar, futuro presidente da FIESP e filho do ex-vice presidente José Alencar. Mas talvez a papel da dona do Magazine Luiza no processo eleitoral seja outro: o de “trunfo moral” da campanha de Lula.

A ideia de trunfo moral aqui está associada a ideia de “pessoas que são um vislumbre do país que queremos ser”. O próprio PT usou muito bem esse conceito em 2002. Um sujeito como Gilberto Gil, por exemplo, representava um Brasil multicultural, que integrava todas as suas regiões e povos, enquanto José Alencar representava o empresário com preocupações sociais. Ainda que não fossem exatamente isso na prática, eram tidos como modelos ideais nesse sentido, para que a candidatura de Lula penetrasse em camadas da população antes inacessíveis.

Bolsonaro também tem seus trunfos. Empresários bolsonaristas, como Luciano Hang, Mario Gazin, pastores como Silas Malafaia e gigantes do agronegócio representam esse “modelo a ser seguido” do brasileiro de sucesso para Bolsonaro. Isso tem um efeito agregador muito importante, porque, por mais que esses caras sejam tratados com desprezo fora da esfera bolsonarista, eles são ídolos lá dentro, sendo esses modelos do Brasil que Bolsonaro quer. Eles alimentam o sonho do bolsonarista médio de um país próspero com os princípios do Bolsonaro, afinal “eles venceram na vida”, lucram horrores e atribuem isso ao governo Bolsonaro. O sonho que Bolsonaro traz para as pessoas é o de que elas podem ficar ricas. Por mais que isso seja improvável, existe todo um trabalho de hierarquização similar ao de uma pirâmide (essa tese é do @nohayhandle), com esses caras representando quem chega ao topo.

Quando Lula se aproxima de Luiza Trajano, ele quer mais que uma vice: quer construir nela esse tipo ideal em ser um “anti Véio da Havan”, mostrando que o varejo não precisa ficar preso às lógicas retrógradas de empresários varejistas ou do agronegócio ligados ao governo Bolsonaro, que querem precarizar o trabalho até o limite e diminuir o estado para se apropriarem dos serviços públicos para si (como tenta fazer, por exemplo, Salim Mattar, ex-secretário de desestatização do Ministério da Economia e dono da Localiza). Luiza Trajano pode ter vários problemas, e essa idealização provavelmente não é realista, mas hoje ela tem essa aura de ser o símbolo de um Brasil bem sucedido e com preocupações sociais. O próprio Lula fala isso no texto da Time, ao enfatizar a participação da Luiza na aceleração da campanha de vacinação e em falar do processo seletivo de executivos voltado exclusivamente para pretos e pardos.

Se Luiza Trajano vai ou não ser vice de Lula é uma discussão posterior. Para agora, a discussão é essa: a de que Lula vê em Luiza Trajano um vislumbre de Brasil bem sucedido para a sociedade imitar. Para quem se sente sufocado pelo governo Bolsonaro e quer ter esperança no futuro, esses vislumbres positivos são essenciais, ainda que pareçam um pouco idealistas demais, dada a nossa realidade catastrófica.

E convenhamos: a criação de um “modelo de sucesso” não significa que esse modelo seja verdadeiro, mas sim que, para fins eleitorais, Lula vai assumir que 1) esse modelo de sucesso é verdadeiro 2) o marketing da candidatura vai explorar esse modelo de sucesso ignorando suas incoerências. É por isso que a discussão sobre o quão verdadeira é essa imagem da Luiza Trajano fica em segundo plano. Para efeitos políticos, ela não vai existir. A intenção é sempre a de mostrar que o político popular pode se alinhar com a empresária de sucesso que é diferente do empresário de sucesso do Bolsonaro para construir um novo país.

Ainda fica uma questão: por que pensar no pleito de 2022 se o Brasil está em um estado calamitoso hoje e Bolsonaro precisa cair hoje? As duas coisas não são mutuamente excludentes. É preciso seguir amadurecendo todos os dias a ideia de impeachment. Mas não há impeditivo algum em articular o impeachment e o arco de alianças para 2022 simultaneamente. Concordemos ou não com isso, essa é a estratégia de Lula para o governo federal em 2022. E, para ser honesto, é bom que os grupos de esquerda que hoje são oposição ao governo Bolsonaro estejam finalmente saindo da letargia que viveram após o impeachment de Dilma. Há todo um país para retomar e para reconstruir.

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