Os bolsonaristas tentam manifestar orgulho por terem colocado mais de cem mil pessoas na Avenida Paulista hoje, de acordo com a PM. De acordo com a PM do Distrito Federal, foram mais 77 mil em Brasília. E cerca de 20 mil pessoas no Rio de Janeiro. As demais manifestações foram relativamente irrelevantes, o que nos dá com alguma segurança o dado de que cerca de 200 mil pessoas saíram às ruas hoje para defender a escalada autoritária de Bolsonaro.
Ninguém sabe de fato o quanto foi gasto para trazer essas pessoas. Choveram denúncias de que houve recrutamento remunerado: a pessoa recebia R$ 100 para ir a manifestação, e ainda ganhava lanche e camiseta, além, obviamente, da viagem de ônibus gratuita. Suponhamos que 10% das pessoas, numa perspectiva muito modesta, tenham chegado na manifestação por esses meios. Estamos falando de R$ 2 milhões de reais em dinheiro vivo gasto para trazer pessoas na manifestação. Pode ser muito mais que isso, claro. Isso talvez explique o caso do prefeito que foi preso com R$ 500 mil que seriam usados na manifestação.
Mas essa não é a reflexão que eu quero fazer. Ela é de outra ordem. A Avenida Paulista, em especial, pareceu bem cheia, proporcionando boas fotos que levaram ao êxtase a militância bolsonarista, embora esse êxtase seja limitado porque Bolsonaro não anunciou uma ruptura ainda maior do estilo “estamos entrando com tanques agora no STF”. E ainda assim, essas 200 mil pessoas que foram nas três manifestações representam um terço das pessoas que morreram por COVID no Brasil desde março de 2020. A pandemia tirou de nós aproximadamente seis avenidas Paulistas lotadas de gente, e essas pessoas não vão voltar mais. E, infelizmente, isso não foi um acaso.
Por mais que se esforce em angariar manifestantes, Bolsonaro tem consistentemente, nesse último ano e meio, colocado mais gente no túmulo do que na rua. E isso porque em nenhum momento Bolsonaro fez o mínimo esforço em evitar que as pessoas fossem para o túmulo. Sabotou o isolamento, prescreveu remédios ineficazes, teve uma equipe corrupta na compra de vacinas, ignorou ofertas consistentes e reiteradas de vacinas, arrumou brigas com prefeitos, governadores, com o Congresso e com Judiciário. Muito da situação política atual é fruto da atuação de Bolsonaro na pandemia. E o principal efeito dessa atuação é que, em números absolutos, o Brasil é o segundo país que mais matou de COVID no mundo, e, em números relativos, segue entre os dez países que mais matam.
É esse dado que temos que ter em mente em qualquer reflexão sobre manifestações. Bolsonaro tem uma base de apoio radicalizada que é menor que o número de pessoas que ele matou por sua atuação catastrófica na pandemia. E, se ele quer romper com qualquer resquício de democracia, é porque ele sabe que será julgado por isso. A única prioridade de Bolsonaro no momento é não ver nenhum familiar seu na cadeia, incluindo a si próprio. A fala é desesperada. Os ombros pesam. O tom e assustador. Ele se sente sempre perseguido. Ele vive com o peso das seiscentas mil pessoas que matou com seus atitudes catastróficas, e com as milhões que vivem muito pior do que viviam há três anos atrás. Esses números não serão superados por nenhuma manifestação, não importando o dinheiro investido nelas.