Estou vendo cada vez mais gente se rendendo ao alarmismo e com medo. Gente que em outras ocasiões agiu de forma ponderada. Quem tem medo já perdeu. É exatamente o medo imobilizador que Bolsonaro quer colocar em todo mundo através de sua máquina caótica de propaganda.
O último mês foi de intensa mobilização nas redes bolsonaristas. Bolsonaro é o pior presidente da História do Brasil, e isso inclui os presidentes da ditadura. Bolsonaro foi responsável direto pela morte de quase 600 mil pessoas, com um discurso negacionista que rompeu o breve consenso que o país teve no início da pandemia. Bolsonaro cometeu inúmeros crimes durante a sua vida, antes e depois da Presidência. Desviava dinheiro de funcionários, de gasolina, usava os filhos para fazer transações obscuras de imóveis, tinha contatos íntimos com milicianos e com seus esquemas de intimidação em escala territorial. Tentou usar a pandemia para favorecimentos na compra de vacina, e sabotou a vacinação para isso, provocando as centenas de milhares de mortes que ocorreram no país entre março e maio.
Bolsonaro destruiu a economia dizendo que ia salvar a economia. Engoliu um ano de auxílio emergencial a contragosto e surfou nessa onda como se fosse o autor. Mas a verdade veio à tona: Bolsonaro é ruim, interrompeu o auxílio, negou a pandemia, e seu negacionismo destruiu a atividade econômica, contribuindo para que milhões de pequenos negócios falissem, aumentando a insegurança alimentar da população.
Tudo isso ficou mais claro com a atuação da CPI da Pandemia no Senado, e a revelação da inépcia governamental na CPI aumentou substancialmente a pressão sobre o governo. Além disso, a péssima atuação de Bolsonaro em todas as frentes fez com que a justiça fosse obrigada a se pronunciar em temas diversos. E daí Bolsonaro se mostrou, de fato, um agente da destruição: como autocrata tradicionalista, ele enxerga em todas as instituições empecilhos para seu projeto absolutista. Então, sua resposta óbvia foi se voltar contra as instituições.
O problema é que Bolsonaro efetivamente está destruindo o Brasil junto. Por mais que as instituições sejam corrompidas em algum nível (e esse discurso ajudou a eleger Bolsonaro), é preciso frisar que as instituições existentes nesse país e o histórico de construção de políticas públicas são diretamente responsáveis pelo fato de que o caos no Brasil não é completo. O exemplo mais notório disso é o SUS: sem o SUS para prestar atendimento gratuito e para vacinar com capilaridade, a tragédia seria muito maior. Se o Brasil tivesse um modelo de saúde como o dos EUA, em que todos os serviços são pagos, certamente já teríamos passado de um milhão de mortes.
Só que, em outros setores, essa destruição está mais rápida. Na política de preços ao consumidor, para ficar em um exemplo prático, a atuação de Bolsonaro é catastrófica. Ao destruir as políticas de controle de preços existentes para favorecer latifundiários e especuladores, Bolsonaro destruiu a capacidade do brasileiro de viver decentemente. Isso afeta o dia a dia, o cotidiano, atrapalha nas coisas mais elementares. As pessoas não são burras, elas sabem quem é o culpado pelos preços altos. Com isso, a aprovação de Bolsonaro caiu aos menores níveis desde o início do mandato. E não adiantaram desculpas estilo “a culpa dos governadores que não abaixam o ICMS”. O povo não cai mais nesse tipo de desculpinha.
Daí Bolsonaro resolve tentar um golpe. Ele está enfraquecido, os filhos estão em vias de serem presos, ele só não sofreu impeachment ainda porque o Presidente da Câmara é um bundão que tem comprometimentos pessoais com ele. O desespero é totalmente do Bolsonaro. Ele está há um mês mobilizando seus últimos apoiadores para tentar fazer uma “grande manifestação pela liberdade”. Liberdade de subjugar, de matar, de comemorar a morte dos outros, de celebrar o ódio. Porque é só isso que eles sabem fazer. Eles são incapazes de qualquer coisa construtiva.
E o que as pessoas fazem? Ficam imobilizadas pelo medo. Acham que o golpe vai acontecer de verdade. Acham que inclusive já aconteceu e no dia 07 será só a formalização. É um derrotismo tosco, uma incapacidade completa de perceber as enormes limitações do bolsonarismo. Hoje, só restam na base de apoio bolsonarista alguns setores militares (especialmente da reserva), alguns setores evangélicos e empresários ligado ao agro e ao varejo do interior do país. Se esses caras conseguirem acabar com tudo o que esse país construiu nos últimos 30 anos é porque todo o restante do país foi fraco demais para impedir.
Tem gente comparando os eventos de 07 de setembro com a famigerada “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” de 19 de março de 1964. O problema é que naquela época os golpistas queriam derrubar um presidente para assumir o poder. Agora o golpista está no poder, enfraquecido pelo pior governo que o Brasil já conheceu.
Também tem gente dizendo que as instituições vão se render se a manifestação for grande. Não vão, por um motivo simples: senso de sobrevivência. Até o centrão tem senso de sobrevivência e já está desembarcando do governo Bolsonaro. Com as demais instituições do país, isso também é real. Mesmo os militares sabem que só tem a perder aderindo a aventura golpista de um lunático megalomaníaco. Quem está junto com Bolsonaro nessa já estava desde o começo e já perdeu todas as chances de se desvincular. Resta continuar remando o barco até o precipício.
O problema é que esse medo imobiliza. Imobilidade da oposição é exatamente o que Bolsonaro quer, para retomar algo que ele perdeu há meses: o controle da narrativa. Bolsonaro passou mais de dois anos condicionando a oposição a agir de forma reativa aos seus impulsos autoritários. Nesse ano, os diversos fatores já elencados fizeram ele perder completamente esse controle, e as manifestações do 07 de setembro são vistas, por Bolsonaro, como uma “demonstração de força” para retomar as rédeas da narrativa. Dar como favas contadas a força do bolsonarismo, num cenário em que a oposição tem feito imensas manifestações anti Bolsonaro desde maio, é apagar tudo o que aconteceu nos últimos meses. É exatamente isso que Bolsonaro quer.
A verdade é que Bolsonaro é uma espécie de inquilino prestes a ser despejado. Está sendo despejado por ser um péssimo inquilino, por não cumprir suas obrigações, por incomodar todos os vizinhos e por destruir a casa. Por não concordar com o despejo iminente, Bolsonaro quer destruir o máximo que puder da casa, para que os donos da casa tenham muito mais trabalho em reconstruir tudo. Bolsonaro é incapaz de fazer qualquer coisa além disso. E sentir medo desse tipo de coisa é dar espaço para esse péssimo inquilino destruir mais e mais a casa.
Não caiam nessa. A situação não é de derrota anunciada ou de penitência eterna. É de vitória iminente. No máximo, demora mais um ano. Isso só não vai acontecer se todo mundo acreditar nas lorotas do Bolsonaro e ficar imobilizado pelo medo enquanto Bolsonaro continua dando marretadas nessa casa chamada Brasil.