Contrariando a própria Constituição Federal, que garante liberdade de manifestação, o governador de São Paulo João Agripino Dória quer proibir atos anti Bolsonaro no dia 07 de setembro. E não é uma proibição do tipo “ok, os dois grupos não podem participar de atos no mesmo lugar”. Dória disse com todas as palavras que não vai autorizar atos contra Bolsonaro no dia 07 de setembro em nenhum lugar do estado de São Paulo. Incluindo aí manifestações históricas, como o grito dos excluídos.
Ele não tem essa prerrogativa. Os movimentos tem liberdade de organização garantida pela Constituição. Organizam os atos e tem como obrigação apenas informar os agentes públicos, para que esses requeiram adequações e montem o esquema de segurança. Proibir o ato vai muito além de qualquer prerrogativa do governo estadual, mas interessa ao governador Dória por três motivos.
O primeiro deles é que diminui o desgaste político dele. Se tem um pauta comum às manifestações pró e anti Bolsonaro é que ambos os grupos são contra o governador Dória, por diferentes motivos: enquanto os bolsonaristas veem em Dória um concorrente de Bolsonaro ao Planalto, como um “traidor” e como alguém que frustrou os planos de atuação de Bolsonaro em relação a pandemia (sabotar o isolamento, entupir todo mundo de cloroquina e negar vacina até o fim), a esquerda vê no Dória uma espécie de Bolsonaro de sapatênis, capaz de enormes desumanidades (como no caso da farinata) e com o mesmo projeto de fundo neoliberal, mas com uma roupagem mais agradável aos especuladores da Faria Lima. Para Dória, seria muito bom que um desses grupos, ao menos, não pudesse estar nas ruas. Como ele tem medo do bolsonarismo, tenta proibir os movimentos de esquerda.
O segundo motivo tem a ver com as próprias polícias. No dia 07 de setembro você teria que usar o dobro de contingente para garantir a segurança de duas manifestações, sobrecarregando as polícias que normalmente já participam de eventos municipais nessa data. Mas há um motivo além desse l: é notório, por manifestações em redes sociais nos últimos dias, que alguns policiais e até comandantes da PM estão alinhados com Bolsonaro. Não permitir uma manifestação da esquerda em 07 de setembro seria uma concessão de Dória a esses grupos, em nome da diminuição da tensão interna. E ainda liberaria vários policiais bolsonaristas de trabalhar nesse dia, facilitando a participação deles em atos pro Bolsonaro (ainda que a lei não permita)
O terceiro motivo tem a ver com a improvável viabilização de uma terceira via para a eleição de 2022. Apesar de ser um fenômeno de impopularidade, Dória segue com sua obsessão em ser Presidente da República. E segue tentando criar formas de viabilizar isso. Uma das justificativas mais recorrentes dos defensores da barbeiragem de Dória em proibir os atos anti Bolsonaro no dia 07 é “vocês podem se juntar aos atos do dia 13”. Os atos do dia 12 vem sendo organizado pelo MBL, que é um grupo quasibolsonarista que tem perdido relevância nos últimos anos por conta do fato de que são um bando de incoerentes irrelevantes mesmo. São bolsonaristas que não apoiam formalmente o Bolsonaro, mas usam os mesmos argumentos de criminalização da esquerda. E não mudaram em nada, embora estejam tentando vender um rebranding desde 2019.
Só para ficar em um exemplo recente: na última quinta-feira, Guilherme Boulos esteve na Câmara de Santo André. Lá é um lugar dominado por partidos como PSDB, PSD, DEM, e com gente de partidos bolsonaristas estilo o Patriota. Qual foi o único vereador que se recusou a conversar com o Boulos? O vereador do MBL, filiado ao PSDB, sob o argumento de que “eu não quero perder a chave da minha casa”. Infantil assim.
Pois bem, Dória quer dar alguma relevância ao MBL porque essa molecada sectária aí já deu indicativos de que pode apoiar Dória para à presidência em 2022. Dória quer subordinar a esquerda é a centro esquerda ao MBL, quando está claro que os movimentos de esquerda são muito maiores e mais bem organizados que os movimentos de direita contra o Bolsonaro, por um motivo simples: os movimentos de esquerda e centro esquerda soam autênticos e falam sobre questões reais da população (mortes na pandemia, preço dos alimentos, preço da gasolina, preço da energia). O MBL fala de coisas estilo “decepção com o Paulo Guedes porque ele não privatizou o suficiente”. A adesão orgânica a esse tipo de coisa hoje é quase zero, porque esse tipo de discurso hoje está ligado ao bolsonarismo.
Mas Dória adoraria que a oposição ao Bolsonaro tivesse esse perfil, porque seria uma oposição pró Dória. Ao contrário da oposição do dia 07, que Dória queria apagar e incluir como “agregada” na manifestação do MBL dia 12. É uma iniciativa deliberará do governador em tentar dar tração a sua candidatura presidencial, numa pegada “ajudamos a derrotar o Bolsonaro”
Para Dória, é muito conveniente proibir a manifestação do dia 07. O grande problema é que isso é um barbeiragem ilegal e que essa “proibição” não será obedecida pelos grupos que organizam a manifestação. Mas ninguém precisa ser inocente: Dória quer sufocar as manifestações da esquerda porque sabe que a esquerda esvazia seu discurso incoerente de oposição ao Bolsonaro, e está desesperado com isso. Desesperado porque investiu horrores em sua candidatura presidencial, depende de uma esquerda fraca para se colocar como antagonista ao Bolsonaro e sabe que, como político impopular que é, nunca mais vai ter qualquer chance de ser presidente após 2022.