O Problema de Energia é Crônico e Exige Soluções Definitivas

Reservatórios do Sul com 33,8% (consumindo 4,4% por semana) e SE/CO com 23,6% (consumindo 0,9% por semana)

O Brasil está às voltas com uma crise hídrica sem precedentes, que também é uma crise energética, porque o Brasil é literalmente o país do mundo mais dependente de energia gerada por usinas hidrelétricas. Em tese, a energia gerada por usinas hidrelétricas é menos poluente no que se refere a emissão de combustíveis fósseis (há controvérsias, ainda que essa seja uma discussão para outro momento), mas é um modelo energético que tem um calcanhar de Aquiles: a necessidade de um regime de chuvas contínuo e robusto Brasil afora.

O Brasil tinha um regime de chuvas contínuo e robusto. Por isso, inclusive, era o país do mundo em que o modelo de usinas hidrelétricas fazia mais sentido. Mas, com a destruição de nossos biomas (especialmente Cerrado, Pantanal e Amazônia), com objetivos voltados a agricultura de latifúndio, pecuária garimpo e grilagem de terras, o Brasil literalmente está secando. Esse problema não vai se resolver, por dois motivos importantes: o primeiro deles é que o estrago já está feito, esses biomas já estão comprometidos e é irreal que o Brasil volte a ter o voluptuoso regime de chuvas que tinha até cinquenta anos atrás. O avanço do agronegócio em áreas de preservação foi inegável e é mostrado de forma dramática por levantamentos como o do MapBiomas, feito desde 1985.

Nesse mapa, fica claro o avanço da agricultura, especialmente no Centro Oeste e no Norte do país. O Pará, o Mato Grosso e Rondônia, especialmente, perderam muita formação florestal. E isso afeta o padrão de chuvas. Chove menos no Brasil porque existe menos floresta. A floresta funciona como uma bomba d’Água, fornecendo unidade e criando rios voadores que abastecem regiões do país que normalmente seriam secas, como grande parte do Sudeste, só para ficar em um exemplo.

Além disso, grande parte das nascentes do país está no Cerrado, uma estrutura de árvores que cresceu por milênios, criando um enorme depósito de águas pluviais, que depois vão aflorar em rios e riachos. Mais de metade do Cerrado já foi destruído pelo agronegócio, comprometendo esse processo de reabastecimento das nascentes. Com isso, a tendência é que cada vez mais falte água no Brasil, de forma irreversível. Não é nem mais uma questão de SE, mas é uma questão de quando. Essa estrutura de raizes de Cerrado, que literalmente levou séculos para crescer, não vai renascer do dia para a noite. O Brasil vai ter cada vez menos água.

Para piorar, a agricultura gasta, em média, 72% da água doce do país. Esse dado está em consonância com os 70% de média mundial de gasto de água na agricultura, mas esconde algo importante: grande parte da produção agrícola brasileira é para exportação. Isso quer dizer basicamente que o Brasil está exportando quantidades absurdas de “água virtual”. Para ser mais exato: com as exportações do agro, também vão embora do Brasil 112 trilhões de litros de água por ano. Para vocês terem ideia: isso daria um lago de 10 Km por 11 Km com 1000 metros de profundidade. Ou, em termos mais práticos: o Brasil exporta de água em um ano o que o estado de São Paulo consome de água em 37 anos.

Gasto de água por uso, irrigação liderando. Fonte: página Água, Sua Linda no Facebook

Com todos esses fatores, não existem motivos para acreditar que o abastecimento das reservas de água do país vá se normalizar nos próximos anos. Pelo contrário: a tendência é a falta de água nas represas se agravar, e eventos como o desse ano se tornarem recorrentes. E há um agravante: o nível das represas é basicamente energia potencial, que vira energia cinética quando passa pelas barragens. Isso quer dizer que quanto mais água disponível nas represas, mais energia disponível para o país. Represas vazias hoje são um problema para vários anos.

Beleza, mas o que fazer? Essa é a pergunta que um monte de pesquisadores em energia está tentando responder, mas existe um consenso: as ações do governo são insuficientes, confusas e sem nenhuma visão de longo prazo. Um exemplo: horário de verão, que deveria ser uma discussão técnica, virou uma discussão politica, porque o presidente Bolsonaro pessoalmente não gostava do horário de verão e eliminou-o com uma canetada, sem qualquer estudo técnico sério. O quanto horários de verão teriam evitado sobrecargas no sistema (que geram um maior gasto de energia)? O quanto poderia ajudar esse ano? Isso nem está em discussão.

O que também não está em discussão é o investimento em energias limpas e a geração de energia residencial. Uma solução relativamente fácil, que tiraria o sufoco do sistema a médio prazo, seria o incentivo governamental a geração residencial de energia, especialmente na modalidade solar. Hoje, já existe toda uma rede de importadores e distribuidores de painéis solares capazes de dar conta desse aumento de demanda, mas o mercado não avança mais rápido porque não há direcionamento governamental nesse sentido. Uma política de subsídios nessa área, inclusive para a pesquisa, custaria bem mais barato do que todo o investimento necessário em momentos de crise, que inclui a ligação de usinas termelétricas mais caras e mais poluentes e também a importação de energia elétrica do Paraguai, da Argentina e do Uruguai.

Também é bom ressaltar que a situação só não está pior porque o Nordeste do Brasil tem uma enorme estrutura de geração de energia eólica. Essa estrutura é decisiva para que o déficit de energia no Brasil não seja ainda maior. E também é decisiva para que a situação dos reservatórios no Nordeste não seja tão dramática quanto no Sul e no Sudeste/Centro-Oeste.

As crises elétricas e hídricas de 2001 e de 2014 deveriam ter servido como ensinamento para o país. Crises do tipo afastam o investimento, afetam a atividade econômica, aumentam o desemprego e impedem o país de andar. Embora não haja nenhuma perspectiva de mudança sob o governo atual, que é o especialista em culpar terceiros pelos próprios erros, é preciso pensar na reestruturação do sistema energético brasileiro. Não dá mais para depender da capacidade da chuva em repor a água das represas que nós mesmos, enquanto país, sabotamos nos últimos 50 anos. É preciso reflorestar, mas também é preciso entender que o Brasil não tem mais a quantidade de água absurda que tinha há décadas atrás. E por isso mesmo, se continuarmos dependendo de hidrelétricas, continuaremos tendo crises como a atual de tempos em tempos.

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Um comentário sobre “O Problema de Energia é Crônico e Exige Soluções Definitivas

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