
Em boa parte da minha infância, eu passava as tardes lendo livros, enciclopédias e brincando sozinho no quintal de casa. A solidão da leitura me trazia a curiosidade presunçosa em saber tudo sobre todas as coisas do mundo. A solidão no quintal de casa me fazia deitar no chão todo fim de tarde. Eu olhava para a fresta de céu que o sobrado dos vizinhos permitia que eu visse e acompanhava as nuvens passando, uma a uma. Aquilo me dava uma sensação de vazio feliz, a sensação de que nada era urgente, de que não existiam preocupações, de que as nuvens seguiam seu caminho e de que aquilo nunca teria fim.
A curiosidade presunçosa em saber tudo sobre todas as coisas logo me tornou uma pessoa ávida por informação. Foi assim na infância, na adolescência e no início da idade adulta. Quando eu comecei a usar a Internet, ali no final dos anos 90, essa curiosidade adquiriu ares exponenciais. Passou a existir todo um mundo de informações há poucos cliques de distância. Vieram os portais de notícias, daí vieram os mecanismos de busca, daí vieram as redes sociais. Eu era ávido por saber tudo o que estava acontecendo antes mesmo do Twitter colocar “o que está acontecendo” no rascunho das publicações.
Essas características me trouxeram coisas boas e ruins. Essa ânsia em saber mais me fez conhecer muito, de muita coisa. Também me fez cometer erros, em geral provocados pela minha incapacidade de estabelecer relações humanas francas e duradouras. Passei por vários lugares, algumas pessoas passaram a gostar de mim, outras nem tanto. O meu conhecimento sempre ajudou a chamar pessoas para perto, mas não ajudou a transformar essa proximidade em intimidade. Para isso, é mais necessário ter disposição relacional do que ter conhecimento. Isso é algo que estou tentando desenvolver aos poucos.
Por outro lado, as circunstâncias do mundo tornam essa busca por conhecimento cada dia mais cansativa. Estamos em um cenário horrível, sob todos os aspectos, e eu sinto um profundo gosto de fracasso, porque sempre acreditei que a informação poderia iluminar as pessoas e mudar as vidas e opiniões. Hoje eu vejo que a informação é útil, mas os relacionamentos são infinitamente mais importantes nesse sentido. E nesse tema eu estou bem distante de ser um especialista.
Na verdade, disposição em aprender e disposição relacional são coisas que andam juntas. Aprender tem que estar sempre acompanhado de compartilhar. Eu não sabia disso no começo da minha graduação, por exemplo. Eu não tinha a disposição relacional de ensinar. Mas depois que eu fui compreendendo essa dinâmica eu também entendi que ensinar é uma parte maravilhosa do aprendizado. E daí eu entendi que eu gostaria de ser professor, e esse é um sonho que eu ainda não realizei como gostaria. Já dei aulas, já preparei cursos, já criei capacitações, mas não vivo disso.
Por que eu estou falando tudo isso? Porque eu desaprendi a aprender. As circunstâncias me sufocaram de tal forma e me trouxeram um senso de urgência tão desgastante que eu, que me propus a ler um monte de livros no início do ano passado, comecei 2021 sem conseguir parar quinze minutos para ler uma reportagem grande. Tudo é urgente demais para ser interessante. O mundo está desabando a cada minuto. E muito disso é fruto da dinâmica das redes sociais, onde sempre há algo mais urgente acontecendo (e realmente estamos em um momento cheio de urgências).
Quando eu comecei a usar o Twitter, eu achei interessante justamente por ser um instrumento de compartilhamento de conhecimento ágil, que me impedia de ser prolixo. Com o tempo, eu percebi que podia usar a ferramenta para compartilhar conhecimento com as pessoas, para compartilhar esperança, para traçar planos para o futuro, para criar em um espaço micro esse fluxo de aprendizado e compartilhamento tão positivo para todo mundo.
É impossível falar que não fui bem sucedido nisso. Consegui aprender e ensinar bastante coisa na plataforma, ainda que isso não tenha tido reflexos positivos em minha vida profissional. Conheci muitas pessoas incríveis. Mas esse elo se rompeu. Eu não consigo mais manter o fluxo de aprendizado e compartilhamento de conhecimento. Eu não consigo mais compartilhar esperança com todos os que me cercam. E o enorme fluxo de informações da rede só atrapalha nisso.
Comecei o ano de 2021 sofrendo com esse dilema. O cansaço de um longo período sem férias também contou, bem como o enorme leque de coisas que tenho para fazer. Eu passei a não conseguir fazer o que me propunha, perdendo foco e vendo os dias passarem enquanto corria para todos os lados em um eterno e desgastante sentido de urgência. Eu passei a me sentir prejudicial para as pessoas, sejam elas as que me cercam ou sejam as pessoas que acompanham meu trabalho nas redes sociais.
Semana passada, um conhecido da família faleceu de forma repentina. Como não foi COVID, tomamos a liberdade de prestar condolências à esposa dele. Para manter o distanciamento social, eu fiquei um longo tempo do lado de fora da casa, sozinho, acompanhando o cair da tarde. Quando eu vi as nuvens passarem, da mesma forma que eu via na infância, entendi que era preciso contemplar um pouco a vida além das urgências cotidianas impulsionadas pelas redes sociais. A urgência existe, é desesperadora, mas as nuvens passam e na grande maioria das oportunidades não podemos fazer nada para impedir as nuvens de passar.
Não menosprezo o trabalho de quem continua na luta da urgência cotidiana, muito pelo contrário. Eu valorizo porque fiz isso até hoje e sei o quanto é desgastante. Continuarei atuando de outras formas. Mas eu preciso olhar um pouco para as nuvens. Tenho pessoas que confiam em mim em várias frentes de minha vida e preciso retomar, de maneira minimamente saudável, o fluxo de aprendizado e compartilhamento que construí nos últimos anos, sem me desesperar com a urgência cotidiana.
Por isso, deixo aqui avisado que vou deixar de atualizar minhas redes sociais até que volte a ter uma relação saudável comigo mesmo e com minha capacidade de aprender e de ensinar. Isso pode levar alguns poucos dias, ou pode levar muito tempo, a ponto de eu nem ver mais sentido em estar presente nas redes. Mas achei necessário avisar, justamente porque muita gente começou a me acompanhar nesses últimos anos e eu devo respeito a cada um de vocês.
Eu não sou insubstituível. Nenhuma nuvem é. Nós passamos, a vida segue, outras pessoas tomam o mesmo espaço. E estarei sempre disponível para contato via e-mail e nas próprias redes, em mensagens pessoais. Também devo continuar publicando atualizações sobre o que estou fazendo da vida. Se eu tiver algum texto analítico para publicar, farei nesse espaço. Mas não farei mais isso de forma cotidiana. E talvez eu volte para as redes um dia, de maneira mais saudável.
Obrigado a todos vocês que me ajudaram a ser uma pessoa melhor até aqui. Um abraço!
“If you want to change the way people respond to you, change the way you respond to people.”
Leary, Timothy, in Changing My Mind, Among Others
Oi. Eu me identifiquei contigo em vários momentos.
Espero que continue observando as nuvens.
Beijinhos!!!
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Cara, se puder faça um post sobre os correios e a periferia. Porque eu vejo todo mundo da esquerda dizendo que os correios prestam um ótimo serviço e são os únicos que entregam na periferia. O que é mentira. Os correios não entregam nem revista na periferia, nem um mísero gibi. Aqui na minha cidade você tem que caminhar por 30 minutos (há pessoas que vêm de longe) para ir até o correio e enfrentar fila gigantesca (até no período da pandemia). Pior, fui atendido e, devido a minha perda de peso, o atendente não me reconheceu no documento e não queria entregar meu pacote. Inacreditável. Os correios não dizem nenhuma informação sobre porque não entregam na região (não é favela). Só entregam no centro da cidade. Se quiser receber seu produto em casa, sem correr o risco de ser roubado no caminho (eu tive essa preocupação quando montei meu pc), você tem que, veja só, comprar pela entrega rápida do mercado Livre. Sim, o Mercado Livre entrega aqui, os correios não. Entristece saber que os políticos da esquerda parecem que não sabem que os correios não é essa maravilha toda, mas ninguém liga. E os correios podiam fazer uma parceria com as guardas municipais, escolta, sei lá. Aumentar a pena pra quem rouba o correio. O chato é ler que os correios são uma maravilha, inclusive pra periferia. Mas não são. E é preciso afirmar isso pra gente achar soluções. Ou então, sinceramente, por mim pode privatizar. “Ah, vai ficar mais caro a entrega”. Pra vc vai, mas se chegar na minha casa eu pago o preço numa boa. “Ah, mas não vai chegar na sua casa e vai ficar mais caro”. Então beleza, bem vindo ao clube. Eu já não compro quase nada mesmo porque até na agência do correio eu tive que implorar pra receber o que comprei…
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