Tenho uma coisa pra dizer sobre rir em momentos pesados como o atual, com notícias que normalmente nos causariam dor, como a do possível envolvimento da família do Bolsonaro no assassinato da vereadora Marielle Franco: humor é ativismo político. E eu aprendi isso há quase duas décadas.
Antes das redes sociais, um cara fantástico me ensinou isso, pessoal que fez Unicamp comigo deve conhecer: o Ubaldo
Quando eu cheguei na Unicamp em 2002, eu era só um moleque depressivo e deslumbrado (dá pra ser os dois ao mesmo tempo) que tinha conseguido uma vaga na moradia estudantil com duas semanas de aula e estava procurando um lugar pra ficar. Acabei fechando uma casa com um colega de classe, um colega de curso um ano mais velho, e o Ubaldo, uma lenda da Unicamp que tinha RA 79. Isso, ele entrou na faculdade quatro anos antes de eu NASCER.
Todo mundo naquela casa era notívago, e era comum passarmos a madrugada toda conversando. Obviamente, o Ubaldo passava o tempo todo contando suas experiências. E isso incluía o movimento estudantil. A briga pra construção da moradia na Unicamp, inclusive. Greves, ocupações, tudo
Ele participou de uma época em que as garantias eram bem mais precárias. Participar do ME nos anos 70, até o meio dos 80, era ato de heroísmo. Era risco de vida em alguns casos. De expulsão, com certeza. Então tem que respeitar esses caras. Lembro de algo que o Ubaldo sempre falava: “quando você enfrenta o poder, bater de frente sempre dá errado. Eles são obviamente mais poderosos. Então, só resta o humor. O humor tira do pedestal quem tem o poder, coloca todos no mesmo nível”.
E daí ele contava as historias dele no movimento estudantil. Coisas incríveis, estilo ocupar a reitoria por semanas reivindicando moradia estudantil e falar “MORADIA, REITOR” em uníssono em cada uma das 40 vezes que ele passava pelo local todos os dias.
No fim, o outro lado acaba obrigado a capitular, a conversar. Ou acaba desmoralizado.
Eu aprendi HORRORES aquele ano. Nem tem como eu falar tudo aqui. Foi um privilégio incrivel.
Como a vida não é um conto de fadas, porém, brigamos no fim do ano, eu mudei de lá. Logo depois, ele descobriu um câncer na garganta. Morreu em maio de 2003. Cheguei a falar com ele dois dias antes da internação definitiva. Sem emoção, nem desculpas, só desejei boa sorte. Estava numa época tensa, eu tinha perdido o direito à moradia estudantil, passei três meses dormindo na casa de amigos até achar uma casa acessível. Foi uma fase horrível da minha vida.
Óbvio que o Ubaldo tinha seus defeitos. A gente vivia em outro contexto, também. O mundo mudou muito, e nesses 17 anos nós mudamos também.
Mas essa lição eu levo pra vida toda: humor é humor, mas também é ativismo político. O humor perspicaz é melhor que qualquer palquinho. E falo isso com todo o respeito ao legado da Marielle. Dói até hoje em todo mundo, especialmente em quem é próximo. Creio que ninguém simpático aos ideais dela será ofensivo, e que todos querem ver esse crime resolvido.
Mas tem que desconstruir o Bolsonaro zoando ele sim.
O humor ajuda até na resistência. Humor gera empatia entre quem faz a piada e quem ri. Ajuda a resistimos nesse momento maluco em que tudo é risco
Humor não é mero acaso. É uma estratégia política refinada a cada dia (o que não impede a gente de falar sério em outros momentos).
Fica a lição.