A Lava Jato é um relacionamento abusivo com o Brasil

Eu odeio falar sobre a Lava Jato.

E odeio por um motivo simples: a cada vez que nós falamos sobre a operação, falamos sobre um Brasil que poderia ter sido e que não foi, sobre um Brasil que preferiu apontar o dedo em acusação para todo mundo, sobre um país que jogou a banheira fora com o bebê dentro. Falar sobre a Lava Jato significa falar sobre as muitas obras paradas e sobre os muitos empregos perdidos em ações irresponsáveis que inviabilizaram economicamente um monte de investimentos. Hoje em dia temos cidades fantasmas na Bahia e no Rio de Janeiro porque os bonitos resolveram sufocar a atividade econômica de empresas estruturais ao invés de fazer o que o Judiciário de qualquer país decente faz: punir os corruptos sem inviabilizar a atividade econômica que esses caras prestam.

Vê se a Siemens ou a Volks fecharam as portas na Alemanha. Vê se a Alstom faliu na França. Vê se a Bombardier faliu no Canadá. Não, todas essas empresas seguem firmes. Ao contrário das grandes empresas brasileiras envolvidas na Lava Jato, que tem sido esfaceladas dia após dia.

Mas eu sei que essa é uma opinião pessoal e muita gente não vai concordar com ela. Como analista porém, eu me reservo ao direito de tipificar quatro tipos de reações em relação à Lava Jato:

1) O fã incondicional da Operação. “In Moro We Trust”, “a Lava Jato está salvando o Brasil” e todas essas papagaiadas”. Basicamente é o pessoal que vai pra rua até hoje defender Moro e Dallagnol. O que hoje significa, em linhas gerais, defender o bolsonarismo.

2) O crítico incondicional da operação: “é tudo pra perseguir o PT”. “É uma trama internacional do Moro com o PSDB e o Bolsonaro e a Globo e os EUA e os Irmãos Koch e o Bannon”. Ok, sempre tratamos esse pessoal como exagerado. Mas hoje parece que a tese da parcialidade é real, exageros a parte.

3) A turma que dá de ombros e que fala “dane-se, político é tudo corrupto mesmo”. Essa turma majoritariamente votou Bolsonaro, embora nunca vá admitir isso no futuro.

4) As pessoas que vivem um relacionamento abusivo com a Lava Jato. Eu me incluo nessa categoria. E por que relacionamento abusivo? Porque a Lava Jato soa atraente, parece ter uma proposta boa, mas nós não queríamos acreditar que no fundo ela é uma operação canalha que eventualmente faz coisas legais só pra continuar nos controlando. Quem não se empolgou com a prisão do Marcelo Odebrecht? Com os milhões encontrados no apartamento do Geddel? Com a prisão do Eduardo Cunha? Vamos admitir, foi legal. Mas esse é só o verniz de legitimidade que a Lava Jato usa pra parecer atraente mesmo. Por trás disso, comete toda série de abusos. E nós ficamos pensando “ah, mas no fundo ela é boa, é só um desvio, quem não comete um desvio?”.

E agora esses desvios estão expostos.

Eu entendo que as pessoas falem “poxa vida mas não podemos jogar fora tudo o que a Lava Jato fez”. É sintoma desse relacionamento abusivo aí. Eu também passo por isso. Mas esse cenário de “tudo colocado a perder”, do ponto de vista jurídico, se tornou plausível. E a culpa é EXCLUSIVA dos operadores. Sendo mais específico: do conluio formado entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol para direcionar julgamentos.

Qualquer operador do Judiciário deveria estar furioso com isso. Qualquer um que se diz “contra a corrupção” também. Porque a lógica aqui é simples: se uma pessoa vira sinônimo de “combate à corrupção” e faz merda, não é só essa pessoa que fica desmoralizada: é todo o combate à corrupção. Seria melhor que essa pessoa nunca tivesse existido.

Qualquer Juiz de Direito que concordar com a denúncia de um promotor a partir de agora vai ter suas motivações colocadas em dúvida. Qualquer aproximação entre o juiz e o promotor vai ser vista como criminosa. “Ah, mas vocês almoçaram juntos há 3 meses atrás”. O que Moro e Dallagnol fizeram é ruim pra TODO MUNDO que quer uma sociedade mais justa.

O fato do primeiro grupo, o dos lavajateiros convictos, continuarem defendendo seus heróis, só mostra que a luta dessa turma aí nunca foi contra a corrupção. A luta dessa galera é a mesma luta do Moro e do Dallagnol: contra um grupo político, ainda que isso atinja terceiros.

O segundo grupo, por sua vez, continua e continuará com o mesmo discurso de sempre, agora com evidências que corroboram muito do que eles defendiam desde 2014. Não tudo, mas muito.

O terceiro grupo continua achando que todo mundo é corrupto e, portanto, indiferente à corrupção. Deve votar no Dória ou no Luciano Huck na próxima eleição.

E o quarto grupo está dando murro em ponta de faca. Porque não adianta nada ter razão em tempos de propagação industrial de fake news. E é esse o grande problema.

Juridicamente, as pessoas podem anular a operação o quanto elas quiserem. Já fizeram isso com a Satiagraha e com a Castelo de Areia, inclusive. Mas o que isso vai mudar na política? Nada, ou quase nada.

Anular tudo o que a Lava Jato fez HOJE, depois de quatro anos de crise econômica, não vai colocar comida na mesa de quem tem fome, e também não vai diminuir o endividamento brutal do brasileiro, que impede o país de crescer economicamente com base no consumo interno. Não vai revogar o teto de gastos, nem a Reforma Trabalhista. Não vai dar seguranca pro investimento no setor produtivo voltar aos patamares de 2013, quando a operação começou. Quem vai investir no país sabendo que pode ser preso arbitrariamente por um juiz de primeira instância em conluio com os promotores da comarca?

A Lava Jato é um relacionamento abusivo com o Brasil. E, como relacionamento abusivo, precisa acabar. Como país, vamos sair destroçados, como é comum em relacionamentos abusivos. Mas, livres do abusador, estaremos em condições de nos reconstruir mais uma vez. Se possível sob bases diferentes, que saibam identificar e chutar novos abusadores, que chegam no nosso ouvido com cantos de sereia estilo “precisamos combater a corrupção” enquanto promovem projetos de poder próprios. Como a própria Lava Jato queria fazer, ao tentar se apropriar dos bilhões que viriam dos EUA. Só identificando e afastando esses aproveitadores aí é que sairemos desse ciclo de abuso que o país vive.

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Um comentário sobre “A Lava Jato é um relacionamento abusivo com o Brasil

  1. É desanimador perceber o quão messiânicos nós somos. É como se vivêssemos o tempo todo à procura de um redentor, alguma figura mítica que venha nos salvar “disso tudo o que tá aí”.
    Normalmente, imaginamos que esse Dom Sebastião Reloaded não precisa agir segundo as convenções legais, sociais, institucionais etc. É como se ele estivesse acima de tudo e de todos.
    Inevitavelmente, após o encanto inicial (e o consequente estrago trazido por essas figuras) vem a frustração. Então, passamos a procurar por um outro.
    É uma coisa bastante irracional… mas, como tudo que dispensa alguma justificativa ao menos razoável e que se reconheça como falível, só mostra seus absurdos após o fim do encantamento, quando o estrago já foi feito.
    No caso da Lava-Jato – com seu discurso moralista, as concessões em nome de um bem maior, a esperança de estarmos, finalmente, prendendo os corruptos até então intocáveis – esse messianismo fica bem evidente. Pelo menos é o que consigo perceber…
    Uma outra coisa interessante é que o fã incondicional, do grupo 1, pode ter transformado esse discurso moralista/punitivista de “In Moro We Trust” em uma espécie de seita, daquelas que te levam a romper com tudo o que há no mundo, com familiares, amigos etc. em nome de uma verdade que só é revelada para os iniciados. Normalmente, essas histórias terminam mal, como a gente costuma ver por aí quando gurus são desmascarados e o fiel se encontra desencantado com tudo aquilo que acreditou, mas, por outro lado, perdeu o contato com o mundo externo, familiares etc. Imagino que abrir mão de alguma coisa que te levou a romper com tanta gente, e de forma tão radical, não seja nada fácil…
    Enfim, parece que a sedução da irracionalidade cobra muito caro.

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