Não Há Sucesso Reservado para Easy Riders na Internet

O fim do Impedimento, um dos melhores veículos alternativos sobre futebol, traz à tona algo óbvio, do qual a maioria das pessoas na Internet quer fugir: produzir informações e análises de qualidade de forma independente é possível, mas essa possibilidade quase nunca se traduz em ganho financeiro.

É óbvio que quem escreve e banca do próprio bolso um blog ou site não faz isso para ficar rico, mas nisso a Internet é especialmente cruel: a notoriedade vem muito antes do dinheiro, e há sérias dúvidas se algum dia o dinheiro vem, especialmente se você trabalha de forma independente, sob certos princípios e sem “vender opiniões”.

A constatação de que o jornalismo independente na Internet é inviável é triste, mas inevitável (inclusive, recomendo o texto da Nádia Lapa sobre o assunto). No entanto, o fracasso de iniciativas bacanas e admiradas não é uma novidade. Só nos últimos anos, saíram do ar sites como FutBrasil, Jezebel Brasil, Jalopnik e Tazio. Todos eles relevantes em suas áreas. Todos com problemas para se rentabilizar em uma área dominada por grandes meios de comunicação.

Até Glenn Greenwald, notório pela revelação do esquema de espionagem NSA/Prism, teve dificuldades para viabilizar financeiramente o seu The Intercept. Mas o fato é que essa inviabilidade vai muito além do jornalismo, está nos próprios espaços de convivência da Internet. E o modo como as redes sociais são arquitetadas favorece essa segmentação.

A segmentação forma diversos grupos. E esses grupos contam com discursos fechados. Grupos de identificação podem ser torcidas de futebol, ideologias políticas, religiões, anseios nacionalistas ou regionalistas, cor de pele, orientação sexual, gênero, compleição física ou preferências de todo e qualquer tipo. O que importa, nas redes sociais, é que você seja identificado com algum grupo e adote um dos discursos fechados, embalados, quase herméticos, característicos dos membros desse grupo.

Porque, na Internet, você não é mais você mesmo: é o que deixa transparecer. É o torcedor do time, o petista/tucano, o comuna/reaça, o ateu/cristão/agnóstico/muçulmano/budista, o brasileiro/paulista/gaúcho/wannabe-de-inglês, o negro/branco/amarelo/vermelho/não-tenho-cor-sou-parte-do-planeta-Gaia, o gay/hétero/bi/pansexual, o gordo/magro/forte, o nerd/fã-de-otaku/roqueiro/pagodeiro/funkeiro. Ou você é qualquer outra coisa, desde que se orgulhe disso  e use isso como elemento de sua identidade.

Se você não pega para si nenhum desses estereótipos prontos, que reduzem a existência humana a alguns tipos definidos, você não é ninguém. E isso porque as outras pessoas não se identificam com você, não forjam identidades baseadas em preferências em comum. O sucesso na Internet não está reservado aos independentes: está reservado a quem compra uma ideia simples e estereotipada, ainda que equivocada, e a espalha entre o maior número de pessoas possível.

Não há sucesso reservado para easy riders na Internet. Quem é o Easy Rider? Na década de 60, era o sujeito que saia sem destino andando com sua moto, admirando paisagens, atrás de novas experiências e de enriquecer sua vivência, buscando sentido nas coisas.

A internet também tem seus Easy Riders: pessoas que não se prendem a grupos, mas que navegam a cada dia pelos sites e pelas redes sociais sem muito destino, fazendo novas amizades, entrando em novas discussões, em uma tentativa contínua de aprender algo e de aprimorar sua visão de mundo.

Na Internet, eu me defino como um Easy Rider. Já tentei montar fórum de discussão na Internet, site, perfil engraçado em rede social. Já escrevi muitos textos, e provavelmente recebi mais críticas do que elogios. Já fiz muita merda, já fui chato, inconveniente, já reli muito do que escrevi anos depois de ter escrito e morri de vergonha. Já fiz amigos e inimigos, e dou toda a razão do mundo tanto aos que me amam quanto aos que me odeiam.

Em todo esse tempo, eu fui me tornando uma espécie de Easy Rider da rede. Com o tempo, você vai aprendendo que essas identificações não valem a pena, que a inserção em grupos herméticos não leva a nada. O que importa é sair a cada dia pelo mundo, pelos livros e pela rede, aprendendo mais, entrando em novas discussões, tornando-se uma pessoa um pouco melhor a cada novo aprendizado.

Isso leva a mudanças no cotidiano: você passa a valorizar mais quem está ao seu redor, a olhar o mundo de maneira mais contemplativa e a tentar entender não os fatos em si, mas os motivos que estão por detrás deles. Isso é ótimo, mas também cobra o seu preço.

O Easy Rider está fadado a ficar longe do sucesso na Internet. E isso é uma escolha, feita por conta própria, de fugir desse circuito de identificações herméticas que, ao mesmo tempo em que conferem poder, tiram a independência. O Easy Rider sabe que não terá sucesso, sabe que tudo é transitório, sabe que as coisas vão acabar um dia. Mas que terão valido a pena, porque trouxeram novos aprendizados, amigos e experiências.

E é por isso que o Impedimento acabou. Eles preferiram continuar como Easy Riders. Se é triste, também é louvável.

Obrigado por todos esses anos de aprendizado, amigos.

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7 comentários sobre “Não Há Sucesso Reservado para Easy Riders na Internet

  1. Chega a ser irônico que o Impedimento tenha acabado menos de 24 horas após Dejan Kovacevic anunciar que faria mais ou menos o oposto: ele deixou ontem seu emprego como principal colunista do jornal Pittsburgh Tribune-Review e anunciou que passará a comandar um blog pessoal, com acesso pago. Muito conhecido na cidade, ele tinha criado, meio sem querer, uma comunidade sobre beisebol em seu antigo emprego, no Pittsburgh Post-Gazette, em 2008 — da qual eu humildemente fazia parte. Três anos depois, ele trocou de jornal, e boa parte da comunidade o “seguiu” na nova empreitada, que passou a cobrir todos os esportes.

    Ele não pretende parar de acompanhar ao vivo os times locais, inclusive mantendo suas credenciais, e até irá a algumas das partidas fora de casa. E tudo isso com “míseros” 55 mil seguidores no Twitter — conheço contas brasileiras absolutamente inúteis que têm muito mais que o dobro de seguidores. Parece que ele tem uma chance de monetizar isso, embora, é claro, ele não possa ser considerado um Easy Rider, já que sempre foi pago para escrever.

    De qualquer maneira, acho que é uma situação a se acompanhar. Eu fá-lo-ei, como sempre fiz, já que o acompanho desde quando ele simplesmente escrevia um Q&A semanal sobre hóquei, lá no começo do século. Admiro muito esse cara.

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  2. Pingback: Manifesto sobre o fim do Impedimento e do Collector’s Room | trilha de vapor

  3. Algo bem parecido ao que vc falou sobre easy riders e o fim do Impedimento é o amigo Edu César,dono do site Papo de Bola.Há 10 anos,o Edu tem o site mas nunca conseguiu patrocínio pra o blog e acho que talvez nunca consiga já que se alguma empresa se interessasse já o teria feito.Uma pena tudo isso

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  4. Ótimo texto … e como o amigo colocou acima, muito parecido com a situação do Papo de Bola do meu xará Edu César. No caso do Edu, poderia colocar como um site fechado mesmo. Coloca um custo simbólico de RS5,00 por mês para acessar. Garanto que conseguiria pelo menos um bom dinheiro para se manter.

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