Caiu um avião na Ucrânia. Todos estão falando um monte de coisas. Vamos fazer um resumão:
Pra começar, por mais que estivéssemos torcendo pra ser acidente, não foi. Ministros da Malásia, Ucrânia e Rússia já afirmaram que o avião foi abatido por um míssil, e, dadas as distâncias em que os destroços foram encontrados, provavelmente explodiu no ar. Ninguém sobreviveu. Representantes de estado não dariam informações levianas em uma situação dessas. O avião provavelmente não faria aquela rota, se o tempo no Mar Negro estivesse melhor (informação da MetSul).
Além disso, a hipótese de acidente deve ser afastada porque o serviço de inteligência dos EUA confirmou que o avião foi atingido por um míssil fabricado na Rússia.
Considerando isso, vamos às possibilidades:
1) O governo da Ucrânia abateu o avião: de acordo com a imprensa russa, que é controlada por Putin (agradeçam por termos uma democracia, na Rússia a imprensa não é livre), a Ucrânia lançou um míssil para atingir o avião de Putin. Essa hipótese é absurdamente pouco provável, considerando que a possibilidade de lançarem um míssil visando um avião e acertarem OUTRO na imensidão do espaço aéreo é quase nula. Parece uma forma do governo russo tentar se eximir da responsabilidade.
2) O governo russo abateu o avião: o Ministro de Relações Exteriores da Ucrânia disse que os mísseis foram disparados de um sistema de defesa russo Buk (link) Além disso, enfatizou que a Ucrânia não tem sistemas de defesa do tipo naquela região. No entanto, essa possibilidade soa um tanto quanto improvável também, tendo em vista que seria um erro homérico (e sem motivo) do país.
3) Os rebeldes pró-russos no Leste da Ucrânia abateram o avião: é a possibilidade mais plausível. Rebeldes de Lugansk já assumiu que abateu um cargueiro ucraniano segunda-feira e há relatos de que outro cargueiro, um Antonov, foi abatido por eles hoje. Além disso, rebeldes de Donetsk mostraram – e depois apagaram – textos e imagens no Twitter dizendo que eles tinham sistemas de proteção antiaérea Buk – que, de acordo com o governo ucraniano, foi o sistema responsável por derrubar o avião.
O que acontece se foi o governo da Ucrânia?
Simples: a Rússia consegue o “respaldo internacional” que gostaria para invadir a Ucrânia continental, e, se possível, para depor o presidente ucraniano Petro Poroshenko. Poroshenko tem se revelado um pesadelo para as pretensões russas no leste da Ucrânia, uma vez que, apesar do discurso conciliátório, tem desferido forte repressão aos rebeldes de Lugansk e Donetsk, chegando a recuperar a cidade de Slavyansk, um dos símbolos do levante pró-russo dos últimos meses.
Se Putin chegasse em Kiev, provavelmente colocaria um aliado no governo, ao invés de se apossar do país. E isso porque o modelo de apoio governamental de Putin, ilustrado nos governos da Bielorrússia e do Cazaquistão, é muito mais aceito pela comunidade internacional do que seria um eventual atentado à soberania da Ucrânia.
O que acontece se foi o governo da Rússia?
As consequências são imprevisíveis. Porque não dá pra responder à morte de 295 civis em um atentado com sanções econômicas. Ao mesmo tempo, ninguém é louco de sair mandando exércitos pra invadir a segunda maior potência militar do mundo. Em um cenário “normal”, teríamos maior isolamento russo, esfriamento de relações econômicas e prejuízos financeiros moderados ao regime de Putin, por motivos simples: é o máximo que o ocidente pode fazer no momento.
Mas a situação é imprevisível porque Vladimir Putin é imprevisível. Quando Yanukovich caiu, ele invadiu a Criméia e tornou a região uma parte da Rússia em menos de 20 dias. Ninguém duvida que ele possa fazer o mesmo com Lugansk e Donetsk (inclusive é o que os rebeldes pró-russos sempre quiseram). Então é realmente difícil de prever qualquer coisa. Mas nenhum cenário é pacífico.
O que acontece se foram os rebeldes pró-russos do Leste da Ucrânia?
Levando em conta que essa é a hipótese mais plausível, existem duas possibilidades aí:
a) O governo russo assume que apoiava os rebeldes enviando armamentos, inclusive os sistemas antiaéreos Buk: basicamente acontece a mesma coisa que aconteceria se o governo russo tivesse abatido o avião. Com a diferença de que daí fica nítido o caráter de atentado à soberania da Ucrânia nas atitudes russas desde março.
b) O governo russo não assume que apoiava os rebeldes: é o que deve acontecer se for confirmado o ataque com mísseis antiaéreos Buk lançados pelos rebeldes. Como os rebeldes conseguiram sistemas antiaéreos desse tipo? Não se sabe.
A diferença é que daí os rebeldes passam a ser considerados por toda a comunidade internacional (e não só pela Ucrânia) como terroristas. E isso vai acabar legitimando todo e qualquer apoio ocidental ao governo da Ucrânia para destruir toda e qualquer rebelião no leste do país. Além disso, vai desencorajar qualquer apoio de Putin aos rebeldes, em condições “normais”. Mas, como sabemos, nunca podemos considerar apenas as condições “normais” quando falamos com Vladimir Putin.
E os mortos?
É lamentável demais que em pleno século XXI civis sejam mortos por ações de guerra. E é mais lamentável ainda que isso ocorra não apenas na Ucrânia nesse momento, mas em Gaza, na Síria, na Líbia, no Iraque e em diversos países da África.
Se há algo que mostra o fracasso da humanidade é essa disposição que alguns tem em “matar civis com fins militares”. Seja para demonstrar força, seja para se exibir para o mundo. Daí um voo com pessoas que não tinham nada a ver com isso, que ia de Amsterdã a Kuala Lumpur, é abatido apenas porque passou pelo lugar errado. É inacreditável.
Além disso, a Malaysian Airlines perdeu seu segundo Boeing 777 no ano. Nenhum deles por culpa da empresa: além do avião de hoje, abatido, o primeiro, que havia sumido em março, é um dos maiores mistérios da história da aviação comercial.
Coisas que devem ser lembradas
Além disso, existem uma outra possibilidade: a de que o avião tenha sido abatido por engano. E isso pode ter sido feito por qualquer um dos três atores envolvidos.
É bom recordar que, por mais que Rússia e Ucrânia invistam em equipamentos militares, ambos os países, hoje em dia contam com muitos equipamentos obsoletos. Há, por exemplo, a chance remota do 777 da Malaysian Airlines ter sido confundido com um avião de guerra ucraniano prestes a entrar no espaço aéreo russo. E também disso ter sido feito por alguma falha no sistema, sem ordens humanas por trás.
A chance de ter sido o governo da Ucrânia, nesse caso, é bem menor. Porque o avião já estava voando há mais de uma hora no espaço aéreo ucraniano, como mostra a imagem a seguir da Associated Press:
Também há a possibilidade (agradeço ao Dantônio pela lembrança) do uso de sistemas de defesa antiaérea roubados de duas unidades militares ucranianas, no mês de março. Nessa hipótese, o uso poderia ter sido feito por qualquer grupo paramilitar disposto a tumultuar as coisas na região.
Outra reclamação recorrente é o de que “saquearam destroços do avião”. É algo lamentável, confirmado por diversas agências de notícias. Mas é bom lembrar que, desde o começo dos conflitos, ainda em março, essa região da Ucrânia vive uma grave crise humanitária, com falta geral de recursos, a ponto do presidente Petro Poroshenko ter criado um “corredor humanitário” na região.
Com todas essas informações, resta aguardar os próximos passos e as implicações do acidente. No início de março, ninguém achava que a deposição do ex-presidente Viktor Yanukovich resultaria na guerra civil que ocorre neste momento no leste da Ucrânia. E, no entanto, essa guerra tomou dimensões dramáticas, como prova a queda do avião da Malaysian Airlines
Para Saber Mais sobre a Crise na Ucrânia
Algumas Considerações Sobre a Crise na Ucrânia, de 21 de fevereiro
Rússia, Ucrânia, Crise e Guerra, de 03 de março
O Tabuleiro de Diplomacy Explica: a Rússia Precisa mais da Criméia do que da Ucrânia, de 06 de março
Tem a teoria de que o avião a ser derrubado seria o de Putin, que tinha passado horas antes no local.
Como são muitas hipóteses e poucas certezas, a minha opinião é que sionistas derrubaram pra tirar as já poucas lentes que mostram o massacre dos palestinos em Gaza. Agora Gaza sai dos noticiários e volta a Rússia, que por acaso, acaba de estreitar relações com países no quintal dos norte americanos.
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