Quem manda no Brasil?
Não é nada de mais, mas a Forbes (que é uma espécie de Contigo do setor empresarial), mapeou as 15 famílias mais ricas do Brasil. E viu que o patrimônio delas corresponde a 5% do PIB nacional.
Eis as famílias:
1. Marinho (Mídia)
Três irmãos controlam as Organizações Globo: Roberto Irineu Marinho, João Roberto Marinho, José Roberto Marinho. Fortuna: US$ 28,9 bilhões
2. Safra (Banco)
Joseph Safra, Moise Safra e Lily Safra, donos do Banco Safra.
Fortuna: US$ 20,1 bilhões
3. Ermírio de Moraes (Siderúrgica e banco Votorantim)
Antonio Ermírio de Moraes, Ermírio Pereira de Moraes, Maria Helena Moraes Scripilliti, José Roberto Ermírio de Moraes, José Ermírio de Moraes Neto e Neide Helena de Moraes.
Fortuna: US$ 15,4 bilhões.
4. Moreira Salles (Banco)
Fernando Roberto Moreira Salles, João Moreira Salles, Pedro Moreira Salles e Walter Moreira Salles Junior.
Fortuna: US$ 12,4 bilhões
5. Camargo (Camargo Corrêa – Construção, engenharia, energia e outros)
Rossana Camargo de Arruda Botelho, Renata de Camargo Nascimento e Regina de Camargo Pires Oliveira Dias.
Fortuna: 8 bilhões
6. Villela (Banco Itaú)
Alfredo Egydio de Arruda Villela Filho e Ana Lucia de Mattos Barretto Villela.
Fortuna: US$ 5 bilhões
7. Maggi (Soja)
Lucia Borges Maggi, Blairo Borges Maggi, Marli Maggi Pissollo, Itamar Locks e Hugo de Carvalho Ribeiro.
Fortuna: US$ 4,9 bilhões
8. Aguiar (Banco Bradesco)
Lina Maria Aguiar, Lia Maria Aguiar e Maria Angela Aguiar Bellizia.
Fortuna: US$ 4,5 bilhões
9. Batista (Frigoríficos)
José Batista Sobrinho, fundador da produtora de carne JBS, uma das maiores empresas de alimentos do mundo.
Fortuna US$ 4,3 bilhões
10. Odebrecht (Construção, engenharia, petroquímica e outros)
15 herdeiros da empresa fundada pelo engenheiro pernambucano Norberto Odebrecht.
Fortuna: US$ 3,9 bilhões
11. Civita (Mídia)
Giancarlo Francesco Civita, Anamaria Roberta Civita e Victor Civita Neto, herdeiros da editora Abril.
Fortuna: US$ 3,3 bilhões
12. Setubal (Banco)
25 parentes de uma das famílias fundadoras do banco Itaú.
Fortuna: US$ 3,3 bilhões
13. Igel (Petróleo e petroquímicos)
Daisy Igel e mais seis herdeiros do grupo Ultra, dono de marcas como Ipiranga e Ultragás.
Fortuna: US$ 3,2 bilhões.
14. Marcondes Penido (Rodovias privatizadas)
Ana Maria Marcondes Penido Sant’Anna e a irmã, herdeiras da CCR, maior operadora brasileira de rodovias.
Fortuna: US$ 2,8 bilhões.
15. Feffer (Celulose e papel)
Cinco irmãos herdeiros da Suzano.
Fortuna: US$ 2,3 bilhões
Analisando os perfis envolvidos, não poderemos afirmar categoricamente quais setores mandam no país. Mas poderemos ter indícios.
OS PERFIS
Banqueiros – 5,5 famílias
Foram contados 5,5 famílias porque a família de Antônio Ermírio de Moraes, apesar de ser dona do Banco Votorantim, não tem o banco como única fonte de renda.
Mas o fato de que 36,7% das famílias mais ricas do país estão ligadas ao setor financeiro é sintomático acerca de quem dá as ordens por aqui. Os bancos brasileiros vivem em um ambiente paradisíaco, com altos juros e governos dispostos a fazerem o possível para aumentar a oferta de crédito para a população.
É bom lembrar que essa política de valorização que fez com que os banqueiros se tornassem os personagens mais poderosos do país não vem de hoje: está aí desde 1995, quando o Proer recapitalizou os bancos brasileiros. A partir daí, diversas operações, governamentais ou de mercado, permitiram o fortalecimento e a concentração do mercado bancário, a ponto de termos, hoje, mais de 90% do capital do setor em sete companhias, duas públicas e cinco privadas (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Itaú, Banco Bradesco, Banco Santander Brasil, Banco HSBC Brasil e Banco Safra)
Qual é o efeito de tamanha supremacia de banqueiros na economia brasileira? Uma política de manutenção de privilégios que faz o Brasil ter um dos maiores spreads bancários do mundo. Se você não lembra o que é spread bancário, lembre-se que os bancos vivem da “compra” e “venda” de dinheiro. Spread bancário, na prática, é a diferença de preço entre o dinheiro que o banco compra e o que o banco vende. Num exemplo prático:
João quer investir R$ 1000,00 no banco. O banco promete juro de 0,5% ao mês. É o quanto o banco paga pra “comprar” o dinheiro do João. Depois de um mês João tem R$ 1005,00
Sérgio precisa de R$ 1000,00 no banco. Pega emprestado a uma taxa de 3% ao mês. É o quanto o banco cobra pra “vender” o dinheiro ao Sérgio. Depois de um mês a dívida do Sérgio é de R$ 1030,00
Essa diferença de R$ 25 (R$ 1030,00 do Sérgio menos R$ 1005,00 do João) entre a compra e a venda do dinheiro é chamada de spread bancário. E o Brasil tem um dos maiores spreads bancários do mundo. O que quer dizer que os juros para os clientes, nas operações de crédito, é muito maior do que aquilo que o banco “paga” de rendimento para atrair investidores.
Mas não é só isso: os bancos brasileiros são os que mais ganham com tarifas no mundo. De acordo com levantamento do DIEESE, só no primeiro semestre de 2013 os bancos brasileiros cobraram R$ 46,7 bilhões APENAS de tarifas. O Brasil é o ÚNICO país do mundo em que a cobrança de tarifas bancárias cobre todas as despesas com pessoal dos bancos (pra se ter idéia, no mesmo período – 1º semestre de 2013 – os bancos gastaram R$ 34,6 bilhões com pessoal).
Juntando tudo, os bancos brasileiros estão entre os que apresentam maior lucratividade no mundo. E isso não é “mérito do capitalismo”, mas de um sistema de privilégios em que o consumidor conta com crédito a uma das taxas de juros mais altas do mundo e ainda paga tarifas bancárias mais caras do que em qualquer outro país.
Infraestrutura – 3,5 famílias
Votorantim, Camargo Correia, Odebrecht e CCR. Todas essas empresas são gigantes da área de infraestrutura. Além disso, as famílias proprietárias estão entre as mais ricas do país.
No entanto, com exceção do Grupo Votorantim, essas empresas tem algo em comum: estão entre as maiores vencedoras de licitações públicas no país, geralmente em consórcios com outras empresas. Isso faz com que essas empresas tenham contatos íntimos (e, por muitas vezes, irregulares) com partidos políticos e governos.
A Camargo Corrêa, por exemplo, é uma das executoras da Transposição do Rio São Francisco, orçada em mais de R$ 8 bilhões. A Odebrecht, dentre diversas outras obras, venceu a licitação para a Linha 6 – Laranja do Metrô de São Paulo, orçada em R$ 9.6 bilhões, em parceria com a Queiroz Galvão. E a CCR administra, sob concessão, boa parte das estradas do interior de São Paulo, além de linhas de Metrô (em SP e na Bahia) e serviços de barcas.
O problema, aqui, é que todas essas gigantes, por mais que tenham projetos privados, são extremamente dependentes do setor público para obter sucesso. E são responsáveis pela confecção e pela manutenção de obras públicas que empenham bilhões de reais. A Votorantim é a exceção do grupo: é a maior produtora de matéria-prima para a construção civil do país.
Com esse vínculo tão forte entre setor público e construtoras, existem dois problemas fundamentais: a margem para a formação de cartéis, como o do Metrô em São Paulo, e o jogo de interesses: as empresas doam para os partidos em campanhas políticas, com a promessa de que os partidos continuarão licitando obras bilionárias para essas empresas construírem ou administrarem. E isso é determinante no círculo vicioso de ineficiência nas obras públicas brasileiras.
Mídia – 2 famílias
O jornalismo está em crise? Talvez. Mas um dos motivos para isso, no Brasil, é a constatação histórica de que ele é uma plutocracia. Poucos grupos endinheirados exercem o controle sobre a mídia no Brasil, e, dentre esses grupos, as duas famílias mais ricas são os Marinho e os Civita.
Qual é a relação entre a mídia e os governos? Não cabe aqui falar os clichês de sempre, que “a imprensa é o quarto poder”, ou que “a imprensa é manipuladora”. A relação aqui é, antes de tudo, econômica. Boa parte da renda desses grupos parte da publicidade e das assinaturas feitas pelos órgãos de governo. Mais do que isso: grupos como a Editora Abril estão entre os maiores fornecedores de material para as escolas públicas do país.
“Ah, mas por que esses grupos são contra o governo?”
Antes de qualquer outro motivo, cabe ressaltar que esses grupos fazem lobby. E não apensa para que o político ideologicamente mais favorável seja eleito: também para que o governo invista mais neles. E não apenas com propaganda: a família Marinho, por exemplo, vai ganhar muito dinheiro transmitindo a Copa do Mundo de futebol, algo possibilitado pelo governo brasileiro e que ocasionou gastos enormes.
A questão não é ser contra ou a favor. É óbvio que os Civita ou os Marinho tem suas preferências políticas, e o viés adotado por publicações como a Veja ou o Jornal O Globo explicitam bem quais são essas preferências. No entanto, a pressão sob os governos sempre é proporcional ao pensamento “o quanto podemos faturar a mais em cima deles?” desses grupos.
E isso explica, por exemplo, porque governos do PSDB, como o de São Paulo, quase não são criticados: quase todo o investimento desses governos em publicidade já vão para esses grupos. Não há mais o que ganhar. No caso do PT, o potencial do “aumento do investimento em publicidade” é maior, visto que os governos do partido tem um perfil de investir sua verba publicitária em mais órgãos de imprensa, incluindo revistas, sites e blogs com linha editorial concorrente a grupos como o dos Marinho ou o dos Civita.
Agronegócio, Frigoríficos, Distribuição de Petróleo e papel e celulose – 1 família cada
O perfil diversificado das demais famílias não nos permite concluir muito. Mas dá algumas pistas sobre os “donos” do país:
Agronegócio: muito se sabe sobre o lobby ruralista e sobre como o agronégocio é forte em diversas culturas no país, entre elas a soja, o café, a cana-de açúcar e a laranja. A família Maggi é só a principal expoente. Blairo Maggi, inclusive, é ex-governador do Mato Grosso e Senador. E, nesse caso, as relações políticas do grupo com o poder são explícitas: além do lobby ruralista e da influência no Ministério da Agricultura, o agronegócio é um dos setores da economia do país que mais recebe subsídios governamentais, a ponto de outros países, como EUA e Austrália, questionarem esses subsídios em órgãos como a OMC.
Papel e Celulose: a indústria de papel e celulose no Brasil é, de certa forma, derivada do agronegócio. A maioria absoluta do papel e da celulose produzidos no país são frutos de árvores de reflorestamento, cultivadas em áreas específicas. O Brasil é o 4º produtor de celulose do mundo, e as empresas daqui se especializaram na produção de papel. Dentre elas, a Votorantim e a Suzano Papel e Celulose.
Hoje em dia essas empresas estão consolidadas, mas o fato é que a indústria do papel surgiu no Brasil porque diversos fatores colaboraram: grandes extensões para plantio de árvores, incentivo à instalação de indústrias químicas nas décadas de 60 e 70, facilitando os processos de produção, e um mercado consumidor consistente. É provavelmente a combinação mais bem acabada da integração entre agronegócio e mercado industrial, juntamente com a indústria do etanol.
Frigoríficos: apesar dos fortes incentivos governamentais ao grupo JBS, é necessário ressaltar que o Brasil já tem, há muito tempo, um dos maiores portfólios de produção pecuaristas do mundo. O que a JBS fez, com auxílio do governo, foi concentrar o mercado nas mãos de menos indústrias (outro exemplo, em área similar, foi a fusão entre as companhias Sadia e Perdigão, formando a Brasil Foods S.A.).
Petróleo e Petroquímica: o grupo Ipiranga é mais um dos benefíciados da política brasileira em relação às indústrias químicas nas décadas de 60 e 70. Mas também mostra uma outra faceta, oculta nessa lista de mais ricos: a do poderio da indústria automobilística.
Muito do faturamento do grupo Ipiranga só ocorre porque as vendas de veículos no Brasil batem recordes ano após ano, mesmo com os preços caros de nossos veículos. E não há nenhum produtor de veículos entre os mais ricos do país porque o Brasil é, junto com o Canadá, o único país entre os 10 maiores mercados automotivos do mundo que não conta com montadoras próprias.
Todas as montadoras que vieram para o Brasil são estrangeiras. E elas receberam pesados incentivos para se instalarem no país. Até hoje, fazem lobby junto aos governos para a manutenção de incentivos “em troca de empregos”. Esse processo todo de lobby está melhor explicado AQUI.
Conclusão
Quando fazemos a pergunta “quem manda no Brasil?”, é possível ir além da resposta óbvia “ah, são os políticos ladrões aproveitadores JOGUEM TODOS NA FOGUEIRA”. Quem realmente manda no país, influenciando os governos e definindo políticas, são os bancos, as empresas de infraestrutura e de construção civil, a mídia, a agropecuária, as montadoras e alguns outros setores industriais influentes.
E como eles mandam no país? Financiando campanhas políticas, fazendo lobbies, pressionando governos a atenderem seus interesses, e, em alguns casos, até mesmo protagonizando a cena política (Blairo Maggi, por exemplo).
O que fica quase óbvio é perceber como a maioria dessas famílias não hesita em utilizar o poderio econômico para obter vantagens políticas, de várias formas diferentes. E como essas vantagens eternizam a condição privilegiada dessas famílias, enquanto classe “acima” da sociedade e com a maioria dos quadros políticos do país sob domínio.
Notei que a maioria tem sobrenome de família portuguesa.
É coincidência ou isso vem de centenas de anos?
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Pra analisar isso precisa ver a genealogia das famílias e a origem de cada empresa, mas é um bom ponto. Não tinha prestado atenção nisso.
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Como bancos, petróleo e mídia são grandes em qualquer país do mundo, não há muita surpresa aqui. Dá para ver que as algumas das grandes estatais também são destas indústrias.
Há também o fator de que bancos e petróleo dependem de credibilidade criada por anos, então é difícil novos players tomarem grandes fatias de mercado. Quem é velho no ramo fica rico.
*****
Entendo o ponto de que estas famílias/indústrias exercem um forte lobby para seus interesses (e muitas vezes conseguem), mas acho muito simplista entitular como “quem manda” no Brasil ou no mundo. Há mais forças que atuam.
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Dizer “quem manda” soou um pouco forte, é verdade, mas são esses os setores que praticam os lobbies mais fortes junto aos governos. Foi o que tentei expor aqui.
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