Não somos tão politizados assim

Toda e qualquer visão sobre qualquer assunto é subordinada a uma variável fundamental: o ponto de vista do autor.

“Ponto de vista” não é só uma expressão vazia. É algo que determina a nossa compreensão do mundo. aquilo que você enxerga e considera verdadeiro. Mas é só um ponto. É uma das possibilidades apenas. E, para todos entenderem o que é um ponto de vista, gostaria que vocês me acompanhassem na divagação a seguir.

Petronas Twin Towers (Foto: http://globe-tourism.com/)

Petronas Twin Towers (Foto: http://globe-tourism.com/)

O prédio da imagem acima é o das Petronas Twin Towers, em Kuala Lumpur, na Malásia. A lista está sempre mudando, mas, da última vez que vi, era o 5º prédio construído mais alto do mundo, com 452 metros e 88 andares em cada torre. Por que esse prédio está em um texto que fala sobre pontos de vista? É simples.

É difícil perceber pelo tamanho da imagem, mas o prédio está repleto de janelas. Cada ponto de vista é como se você olhasse por uma janela diferente. A paisagem pode até ser parecida com a da janela ao lado, mas nunca é igual. E todos aqueles que não estão exatamente no mesmo ponto do prédio que você está invariavelmente enxergarão algo que você não consegue enxergar.

Mas o caso das Petronas Towers é emblemático. São dois prédios similares, construídos lado a lado e ligados por uma ponte suspensa. Quando você está na metade esquerda da torre esquerda ou na metade direita da torre direita você não consegue nem mesmo enxergar a outra torre. Se alguém subisse em uma das torres sem saber da existência da outra e abrisse uma dessas janelas localizadas na metade oposta, nem desconfiaria que a estrutura do prédio é feita em duas torres, e não em uma.

E ainda existem os que estão na cobertura dos prédios. Eles argumentam que conseguem enxergar melhor que os outros. É verdade. Mas o prédio é tão alto e visão é tão distante que essa visão panorâmica de tudo acaba impedindo o sujeito que está lá em cima de captar os detalhes que as outras pessoas captam. Sem contar que a altitude e visão panorâmica dão uma sensação de poder, e a maioria das pessoas que estão na cobertura acabam embrigadas por essa sensação de poder.

A vida é como as Petronas Towers. A política também. Ninguém enxerga tudo.

A questão é que, além das pessoas na janela e das pessoas na cobertura, existe um terceiro tipo: as pessoas que sobem os elevadores, resolvem suas coisas em salões internos equipados com ar condicionado e deixam suas janelas fechadas. Essas pessoas são a maioria. Elas não tem tempo de parar e olhar pela janela. Muito menos de entender que cada janela proporciona uma visão diferente. Elas tem coisas demais para resolver.

E isso não é melhor ou pior. Estar na janela é uma desvantagem, em boa parte oportunidades. Você fica mais vulnerável a ataques externos. Você pode acabar observando coisas horríveis lá fora, sem poder fazer fazer nada a respeito.

Nas redes sociais, boa parte das pessoas é politizada. Boa parte das pessoas aproveitam o espaço das redes para externar suas crenças ideológicas. Isso acontece porque as redes sociais não representam o que nós somos efetivamente, mas o que nós queremos que a sociedade enxergue em nós. Nossa beleza, nossas crenças, aquilo em que acreditamos. São coisas que ajudam a nos definir, mas que constroem apenas um espectro. É uma visão incompleta, deformada e idealizada, sem a complexidade de nosso caráter, forjado pelo que acreditamos, mas também pela nossa capacidade inata, pelo ambiente e pelas nossas experiências prévias.

Ao defendermos com unhas e dentes o ponto de vista que enxergamos de nossa janela, nos recusamos a compreender que outras pessoas estão vendo outras coisas de suas próprias janelas. E, quando compreendemos, conciliamos um monte de visões diferentes superficiais, baseadas em relatos. Quase sempre nos recusamos a ir visitar a janela do outro, quase sempre nos recusamos e enxergar de fato as coisas por outro ponto de vista.

Ir visitar outras janelas é sempre necessário. Não apenas para se apropriar de outras visões de mundo, mas também porque, para visitar outra janela, você precisa necessariamente passar por dentro do prédio. E é dentro do prédio que as coisas acontecem. Quando você passa por dentro dos prédios, percebe que a maioria que está lá não é politizada. E essa maioria tem voz.

Em Santo André, de onde sou (e onde conheço melhor o cenário político), os vereadores mais votados nas últimas quatro eleições, pelo menos, foram aqueles que passaram seus mandatos fazendo pequenos favores à população. Conseguindo vagas em prontos-socorros, em creches e em escolas, uma cesta básica mensal ou inscrição em programas sociais da prefeitura.. É um assistencialismo que não poderia existir, visto que deveriam haver vagas nesses serviços públicos para todos os cidadãos. Se não são esses os mais votados, são os militantes pela defesa dos animais. O cidadão médio não está interessado em capitalismo ou socialismo, está interessado no atendimento de seus interesses individuais cotidianos.

Ao passar por esse lado de dentro, você vê coisas surpreendentes. Vocês sabiam que existem jovens normais, da periferia, que são webcelebridades que contam com milhares de fãs dentre os próprios jovens da periferia? Quando nos recusamos a passar do lado de dentro para visitar a outra janela acabamos não enxergando essas coisas.

Porque a nossa tendência natural é a de homogeneizar e estereotipar tudo aquilo que não conhecemos. A direita é “reaça”. A esquerda é “DCE”. O jovem da periferia é “favelado”. Existem várias direitas. Várias esquerdas. Uma diversidade imensa entre os jovens da periferia. Necessidades individuais imediatas que acabam respingando no meio político. 

No geral, não somos tão politizados assim. Mas só vamos entender isso quando compreendermos que nosso ponto de vista não é o único. Que precisamos ter a humildade de sair do conforto nossa janela para passar pelo lado de dentro do prédio e enxergar o mundo como ele é, com as pessoas correndo atrás de necessidades imediatas como alimentação, moradia, saúde, educação e locomoção. E precisamos também chegar na janela, para que possamos nos expor a outros pontos de vista. Você pode descobrir coisas surpreendentes, como um prédio gêmeo do lado do seu, por exemplo. E daí você percebe que o seu ponto de vista não é “certo” ou “errado”, só é diferente.

Como eu já havia dito: a vida é como as Petronas Towers. A política também. Ninguém enxerga tudo.

Publicidade

Um comentário sobre “Não somos tão politizados assim

  1. Pingback: Tá todo mundo louco | Um Pouco de Prosa

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s