Marco Feliciano e os Direitos Humanos

Manifestantes protestam contra Marco Feliciano em Florianópolis (Fonte: www.uol.com.br)

Manifestantes protestam contra Marco Feliciano em Florianópolis (Fonte: http://www.uol.com.br)

Em 07 de março, o deputado e pastor Marco Feliciano, do PSC, foi nomeado presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. O que seria um fato importante por si só, por envolver uma das mais importantes Comissões Temáticas da Câmara dos Deputados, acabou se tornando uma das maiores celeumas recentes envolvendo a casa legislativa.  Como em toda celeuma, as pessoas manifestam posições apaixonadas e deixam de lado a análise racional dos fatos que ocorreram durante todo o mês de março.

É um círculo vicioso: se por um lado Marco Feliciano de fato é um ícone do fundamentalismo, por outro há uma tendência daqueles que são contrários a ele de responderem ao fundamentalismo de Marco Feliciano com mais fundamentalismo e com generalizações grosseiras. Tudo isso só faz com que os preconceitos de parte a parte sejam retroalimentados, de forma a se tornarem sempre maiores e mais extremos.

Isso leva ao tratamento de causas políticas com abordagem religiosa. É óbvio que cada um pode defender o que quiser no Congresso, mas não é muito racional dizer que “A CDHM estava nas mãos de Satanás”, por exemplo.

Dito isto, precisamos esclarecer alguns pontos que aparentemente ficaram ocultos em todo esse limbo de quase um mês de discussões e manifestações nas ruas contra Marco Feliciano.

1) Marco Feliciano foi eleito legitimamente

Por trás das manifestações “Fora Feliciano”, está inscrita uma ideia de que é inadmissível um sujeito “preconceituoso, homofóbico e racista” como ele presidindo uma Comissão como a de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Essa ideia obviamente parte do bom senso do eleitor médio, que ainda guarda resistência à quaisquer posições extremadas. É o que se convencionou chamar de “opinião pública”.

Ok, mas nem todos compartilham dessas opiniões. Marco Feliciano foi o 12º deputado federal mais votado na eleição de 2010 no estado de São Paulo, com 211.855 votos (Fonte: TSE). Ele não apenas se elegeu, mas também ajudou o cantor evangélico Marcelo Aguiar (que teve 98.842 votos) a se eleger, com sua votação expressiva.

A eleição para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, por sua vez, segue outros critérios. Existem 21 comissões fixas na Câmara dos Deputados. Dividindo o número de deputados (513) pelo número de comissões (21), temos que cada partido tem direito a escolher uma comissão fixa da Câmara para presidir a cada 24 deputados eleitos. PT e PMDB, por exemplo, tem direito a presidir 3 comissões cada, por contarem com mais de 72 deputados.

No entanto, como os números de deputados não são múltiplos perfeitos do coeficiente, acabam “sobrando” algumas comissões para partidos com menos de 24 deputados, como PPS, PTB, PSC e PC do B. E tudo é definido em um grande acordo de cavalheiros entre os deputados, em uma reunião fechada de líderes. E a Comissão de Direitos Humanos e Minorias foi a vigésima escolhida entre as 21 comissões fixas da Câmara. Acabou sobrando para o PSC, de Marco Feliciano. Por descaso de todos os partidos que contavam com bancadas maiores, mas de forma legítima.

O que isso quer dizer? Que a cobrança pelo notório erro que foi a eleição de Marco Feliciano para a CDHM não deve ser direcionada apenas a ele. Ele deve ser cobrado por suas atitudes sim, suas manifestações preconceituosas precisam ser repudiadas, mas a cobrança deve ser incisiva sobre toda a Câmara dos Deputados. Todos os demais partidos, incluindo o PT, que presidia a Comissão antes da eleição de Marco Feliciano, tem responsabilidade nessa eleição.

2) Marco Feliciano não representa os evangélicos

Extremismo atrai extremismo - manifestantes comparam Marco Feliciano a Jesus Cristo em faixa no Congresso (Fonte: www.gazetadopovo.com.br)

Extremismo atrai extremismo – manifestantes comparam Marco Feliciano a Jesus Cristo em faixa no Congresso (Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br)

Uma das piores partes de toda essa discussão é a postura do próprio deputado Marco Feliciano: ao ser alvo de protestos por conta de suas posições preconceituosas, Marco Feliciano se coloca ao mesmo tempo como representante dos evangélicos e como alvo de perseguição religiosa. E a postura extremista de grupos contrários, como o que impediu a realização de um culto em Ribeirão Preto, ajuda o deputado-pastor a corroborar seus argumentos.

Só que ambos os argumentos de Marco Feliciano estão errados. Pra começo de conversa, pastor não está sendo alvo de perseguição religiosa. Ninguém está condenando o pastor por ele seguir a Cristo. Porque, se formos analisar bem, as posturas sectárias do pastor estão em contradição com todos os ensinamentos de amor pelos oprimidos e compreensão que são bem característicos de Jesus Cristo. A perseguição ao pastor, exagerada, tem dois motivos óbvios: 1) a posição emblemática que ele ocupa, como Presidente da CDHM 2) a contradição dessa posição com suas posturas pessoais sectárias, que tratam gays como uma aberração, negros como “amaldiçoados” e mulheres como “submissas”.

Mais importante que isso, no entanto, é salientar que Marco Feliciano não é e nunca foi representante do povo evangélico. Muitos, inclusive, protestam contra ele. Muito menos representante de Deus na Terra, embora se pretenda como tal. A verdade é que um representante de Deus deve refletir os valores de Deus na Terra. De acordo com a própria Bíblia, “amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio. (Gl 5:22)”. E discriminar pessoas e mandar prender quem protesta contra ele, só para ficarmos em dois exemplos, não são ações que refletem o amor e a humildade de Jesus.

3) O Estado é separado da Igreja. E Jesus já dizia isso

Não é pra ficar calado com o combo de atitudes causadoras de vergonha alheia do deputado-pastor Marco Feliciano. Mas também não é possível e nem correto generalizar tais atitudes como um padrão evangélico.

Há algum tempo, tenho frisado que a bancada evangélica é um enorme prejuízo para os cristãos no Brasil. E é um prejuízo não por ser evangélica. Cristãos podem participar tranquilamente da política, e devem fazê-lo. Mas hoje a bancada é um prejuízo por tentar fazer da religião uma plataforma política. O próprio Jesus Cristo promoveu a separação entre Igreja e Estado há dois mil anos atrás, quando disse “Então, dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus (Mt. 22:21)”. Na prática, ele estava dizendo: “o poder desse mundo não é mais algo que importe para nós. César (representando o Estado) e Deus (representando a igreja) são duas coisas distintas. Tentar impor Deus ao Estado só fará com que essa imposição se volte contra você”.

O Estado Laico é o grande responsável pela liberdade religiosa, que é uma liberdade individual. Tentar enquadrar a religião no Estado é prejudicial tanto para o Estado quanto para a religião. Ambos se enfraquecem, dando margem a diversos abusos e posições extremadas. Como as que vemos atualmente no caso de Marco Feliciano.

Conclusão

A conclusão principal diz respeito à crise em duas instituições distintas: a do Estado, especialmente em seu poder legislativo, que elege representantes de baixa credibilidade, e o faz porque as pessoas não creem mais na eficácia do processo democrático. Isso faz com que surjam fenômenos como Tiririca, que escancaram a crise de representatividade e a necessidade urgente de uma reforma política no Brasil.

A segunda instituição é a igreja evangélica no Brasil, que cresce exponencialmente na quantidade de fiéis, mas tem sérios problemas com a qualidade de boa parte deles. Muitos cristãos preferem se prender a uma teologia “competitiva”, baseada em contrapartidas fáceis e na prosperidade financeira. A prosperidade financeira é sinal de “vitória”, deixando em segundo plano valores cristãos óbvios, como o amor.

No final, esse enorme estardalhaço em cima de Marco Feliciano deixa a sensação de que essas duas instituições precisam se repensar: os representantes do Estado precisam agir com maior transparência e modificar o sistema político (minha sugestão está aqui), dando ao povo uma sensação maior de representatividade, enquanto as igrejas evangélicas precisam repensar sua teologia, voltando-se aos valores de amor e humildade que eram originalmente pregados por Jesus Cristo.

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10 comentários sobre “Marco Feliciano e os Direitos Humanos

  1. Não só Jesus disse isso, mas vamos trazer pra uma esfera mais atual, depois do aparelhamento católico ao Império Romano: a própria Reforma Protestante foi precursora de, com todas as palavras, afastar a Igreja do Estado e dar a noção de Estado Laico que nunca havia existido, timidamente com Calvino, que alguns séculos depois foi amplamente debatida com Voltaire.

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  2. Pingback: Assistencialismo: o maior mal do governo petista | Mundo Político

  3. Apesar de não concordar com a teologia do Pastor Marcos Feliciano, naqual deveria rever seu conhecimento com a palavra de Deus. Se conseguir se manter no cargo, ele vai ser muito importante, vai fazer uma grande diferença, alguns políticos não conseguem defender a moral e a ética e são manipulados e conduzidos a criar leis absurdos contra a moral e ética princípios básicos para manter a família saudavel, medo de perder a popularidade e reeleição. Marcos deverá se manter longe de assuntos comportamentais sofridos pela sociedade devido a falta de atuação de uma igreja passada, devendo aprender a respeitar o direito das pessoas, e sabendo que Deus criou o homem livre, e este não é obrigado a fazer as coisas certa e nem o aceita-Lo.

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    • O problema basicamente é que, tendo em vista as declarações recentes, é mais fácil ele sair do cargo do que começar a ter uma postura bacana e tolerante. Parece que quer apenas criar polêmicas pra atrair ódio de todo e qualquer setor da sociedade, estilo que nem quando falou que Deus matou John Lennon e os Mamonas Assassinas. Desnecessário edmais.

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