
Fachada do Charme da Paulista. Fonte: http://naofiqueemcasa.wordpress.com/
Bar, restaurante, lanchonete, ponto de encontro. Esse lugar discreto, que pouca gente percebe enquanto caminha pela Avenida Paulista, ajuda a explicar o que é São Paulo e porque essa cidade tem tantas facetas e é tão inclusiva, apesar de toda a correria e de todo o sufoco do dia a dia. E está localizado exatamente ao lado do Parque Trianon, no 1499 da Paulista, com a aparência de uma lanchonete simples que se esparrama em mesas pela calçada.
O grande diferencial do Charme é o fato de que ele está no meio da avenida mais famosa do Brasil, mas não parece se incomodar nem um pouco com isso. E está lá, sem glamour, resiliente, funcionando 24 horas por dia.
Você passa lá as oito da manhã? Pode comer um pão na chapa e tomar um café, se possível no próprio balcão. Passa lá ao meio-dia? Pode almoçar uma comida razoável com um preço razoável, se comparada aos demais restaurantes da região. Passa lá as seis da tarde? Pode fazer um happy hour rápido ou comer um lanche com os amigos antes de ir para casa ou para a faculdade. Chega as dez da noite? Pode se divertir jogando conversa fora com os amigos sem nenhuma frescura (e sem mesa, em boa parte das vezes). Chega para o fim de noite as 4 da manhã? Também vai encontrar gente disposta a de atender, e se ficar muito pode até cruzar com a galera tomando café na manhã seguinte.
Assim como a Avenida Paulista, o Charme não dorme. Assim como São Paulo, o Charme parece apertado e desengonçado na maioria das vezes. Assim como São Paulo, parece que o Charme nunca vai dar conta de todo mundo. Mas, no final, as coisas sempre dão certo, de algum jeito. O Charme da Paulista não é barato, mas São Paulo também não é. Mas o local aceita todo mundo, do hippie tocando alguma coisa aleatória na porta até o yuppie que quer comemorar a promoção no emprego.
São Paulo é assim. A cidade sempre aceitou a todos. Tanto que, na década de 30, quase 50% da população paulistana era composta de italianos. Também vieram japoneses, armênios, alemães, libaneses, e, mais recentemente, gente de todos os estados do Nordeste. A cidade sofreu, apanhou um bocado, mas, de um jeito ou de outro, acomodou todo mundo.
O Charme também é assim. Está localizado no imponente edifício “Conde Andrea Matarazzo”, que abriga uma série de escritórios importantes, é um dos irradiadores desse estilo de vida paulistano viciado em trabalho e em entretenimento. Mas parece não se importar. Porque está no canto, na esquina, é como se nem fizesse parte do prédio. O Charme da Paulista lembra que a maioria dos paulistanos não está nem aí pra imponência da cidade, em saber que a cidade é a maior do país ou coisa do tipo. Assim como o Charme, São Paulo quer só começar e terminar o seu dia bem, em um cotidiano que nunca acaba, vivido em uma cidade que nunca para.
O Charme é meio anárquico. No almoço, você fica meio apertado nas mesas, junto com todo mundo. De noite, é difícil encontrar mesas vagas pras oito pessoas que vão chegar. Mas sempre se dá um jeito. Almoça-se fazendo amizades, comemora-se de pé, ao redor das mesas. E isso só reflete São Paulo. A cidade é assim, meio anárquica. É uma cidade em que até o tempo é imprevisível e passa pelas quatro estações do ano em duas ou três horas. É uma cidade em que você encontra todo tipo de paisagem, em que você encontra riqueza e pobreza convivendo junto, em que tudo acontece ao mesmo tempo, em todo lugar.
É sensacional que tenha aberto, há algum tempo, um Starbucks Coffee exatamente ao lado do Charme. O Starbucks representa de forma muito emblemática o temerário processo de coxinhização pelo qual São Paulo está passando. Com cada vez mais gente querendo lugares exclusivos e pagando mais por isso. O Starbucks, ao lado do Charme, mostra um contraste impressionante. É um lugar mais reservado, mais fechado, com gente que parece ter um orgulho meio bobo de estar lá. Gente que não entende o espírito meio aleatório da cidade, que quer se apropriar do espaço urbano para excluir os outros, para se afirmar.
A sorte é que ainda existem, no coração de São Paulo, lugares como o Charme. Em que pessoas não se orgulham de estar, mas apenas estão. Apenas vivem a vida e desfrutam de uma refeição simples, rápida. Lugares em que as pessoas comemoram. Lugares em que as pessoas vivem e se divertem sem grandes pretensões. Em que ninguém precisa olhar com nojo para a mesa do lado, tentando de alguma forma dizer “eu sou melhor que você”.
E nisso, também, o Charme representa São Paulo. A cidade sempre foi e sempre será de todos, por mais que alguns insistam em tentar exclusividade, de alguma forma. O Charme prova que, além de tudo, quem quer ser “exclusivo”, em uma cidade como São Paulo, no final só está perdendo boas oportunidades de convivência.
Vale lembrar que no Brasil transformaram o Starbucks nisso. Em outros lugares do mundo, ele é apenas o lugar que se toma café antes do trabalho.
Mas enfim, o Charme é isso aí. O lugar democrático, como São Paulo. Que aceita todo mundo, mesmo quando parece que caber mais ninguém.
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massa… é bem isso, mesmo. Tive a chance de ir no Charme no ano passado e achei sensacional, uma ideia de São Paulo que eu achei que havia ficado para trás.
longa vida ao Charme da Paulista.
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