Eu tinha um saudoso amigo que se declarava “viciado em informação”. Isso há dez anos, sem as redes sociais e sem acesso à Internet. Ter TV a cabo para acompanhar os canais de notícias, em português, inglês, espanhol, francês ou italiano, era um dos maiores privilégios que ele gostaria de ter.
Logo depois, ele morreu. Não viu as redes sociais, que multiplicaram em muitas vezes a quantidade de informação e das interações na Internet. Tenho certeza de que se ele estivesse vivo, comentaria em comunidades no Orkut e usaria redes como Twitter e Facebook para ir atrás de informação. Talvez montasse um blog ou uma página para passar informação para os outros também.
Iguais a ele, existem tantos outros por aí. Eu mesmo sou um desses. Viciado a ponto de folhear atlas e enciclopédias quando era criança. O conhecimento encanta. É um caminho sem volta. Quando você começa a compreender algo, passa a ficar mais curioso por aquilo e também por outros assuntos. Passa a acumular conhecimento. Passa a querer saber mais.
A História da Internet
A história recente da disseminação da informação se confunde com a história da Internet. Em 1994, a Internet proporcionou o primeiro rompimento de paradigma em relação ao modelo de negócios dominante na sociedade capitalista.
David Bottner e John Rezner fundaram, em 1994, um “organizador” da Internet, que oferecia um serviço gratuito de criação de sites organizado em “cidades”. Você tinha impressionantes 15 MB de espaço para montar seu site, colocar suas informações e propagandeá-las para quem conseguisse chegar até elas. Tudo sem nenhum custo. Se hoje existe acesso gratuito à Internet, redes wi-fi abertas e acesso gratuito aos serviços on-line e aos portais de notícias, é porque Bottner e Rezner fundaram em 1994 o GeoCities, primeiro serviço gratuito relevante da Internet. Tão relevante que foi vendido cinco anos depois ao Yahoo! por 4 bilhões de dólares.
Logo depois, em 1996, a fundação do Hotmail, o primeiro serviço de e-mail gratuito da história, sustentado pelo envio de propagandas patrocinadas, promoveu uma transformação profunda e histórica na Internet. Sabeer Bhatia e Jack Smith fundaram o Hotmail em 1996, vendendo-o à Microsoft por 400 milhões de dólares, menos de dois anos depois. Valor impressionante, mas dez vezes menor que o valor de venda do GeoCities, um ano depois.
Historicamente, a informação sempre teve um preço. A sociedade sempre associou informação a poder. Grupos de mídia tornaram-se poderosos processando informação. E o modelo gratuito de disseminação de informação proposto pelo Hotmail quebrou esse paradigma.
Dois anos depois da criação do Hotmail, em 1998, provedores já ofereciam serviços de acesso gratuito à Internet (não sei se você sabe, mas na década de 90 as pessoas pagavam a um provedor pelo acesso à Internet e ao e-mail. Tem gente que paga o UOL para acessar a Internet e ter um e-mail até hoje). Com a criação do Google, a disseminação de informação deu um passo adiante. O Google passou a disponibilizar buscas gratuitas com eficiência, ao contrário de provedores como o Cadê, que tinham um leque de pesquisas muito limitado.
Mais do que isso: o Google consolidou o modelo de negócios que tornava os produtos da Internet gratuitos, enumerando referências por relevância, em relação a qualquer assunto. Isso facilitou o surgimento de redes sociais e de blogs, por exemplo. Esses espaços, mais uma vez, refletiram esse novo modelo de negócios da Internet com o fornecimento gratuito de informação para todos os usuários.
O Mar de Informação e de Interação
Antes do Google, a informação na Internet ficava praticamente restrita aos grandes portais, muitos deles criados ainda na década de 90. O Google, como provedor de pesquisa eficiente, criou um fato novo na Internet: a “concorrência” entre as páginas disseminadoras de informação. Essa “concorrência” foi catalisada pela possibilidade de seu site ser acessado mediante pesquisa, e não apenas pelo esforço em espalhar links por aí.
As redes sociais, por sua vez, fizeram dois papéis: além de disseminar informação, permitiram que as pessoas emitissem opiniões sobre essas informações, compartilhando ideias de várias fontes distintas. Foram as grandes fomentadoras da interação na Internet. É o que a maioria dos especialistas chama de Internet 2.0. A possibilidade de interação tornou o relacionamento das pessoas com a Internet muito mais complexo do que antes.
Isso fez com que a quantidade de informação disponível na Internet crescesse exponencialmente, assim como as interações relacionadas a cada informação. Fez com que muitas pessoas se tornassem viciadas em obter mais informação e em interagir. Não existem pessoas viciadas em Orkut, Twitter ou Facebook: existem pessoas viciadas em interação e informação. As redes sociais são apenas ferramentas para isso.
No entanto, a quantidade de informação disseminada nem sempre se reflete na qualidade da informação. As redes sociais têm uma característica muito peculiar: elas privilegiam os extremos. E isso porque elas proporcionam um fenômeno novo, derivado da “concorrência de informações” proporcionada pelo Google: o da “concorrência de opiniões”. E a concorrência, em geral, é quantificada não pela qualidade do que é postado, mas pela quantidade de compartilhamentos no Facebook ou retweets no Twitter. Isso faz com que as opiniões mais bem embasadas, mais polêmicas, mais engraçadas ou mais estúpidas ganhem repercussão rapidamente, enquanto as opiniões mais próximas do status quo sejam menos replicadas nesse mar de informação.
O que fazer?
Cada um faz rigorosamente o que quer. Mas somos todos barquinhos nesse mar de informação. Se tentarmos fazer uma pesca de arrasto, tentando absorver toda a informação que nos é disponibilizada, provavelmente colocaremos no barco um volume maior do que ele pode suportar, naufragando. Entretanto, para conseguirmos conviver nesse mar de informação, temos que fazer como os pescadores velhos e sábios, que pescam aos poucos, devolvem os filhotes para a água e só guardam para si os melhores peixes.
A informação pode nos matar, mas também pode nos enriquecer. E não falo de dinheiro, falo de inteligência. A metáfora do velho pescando é essencial para esclarecermos o conceito de inteligência. Inteligência não é a quantidade de conhecimento que nós acumulamos, mas a utilização que fazemos do conhecimento que temos. Inteligência não diz respeito à quantidade de informação acumulada, mas ao processamento, por parte de cada um de nós, da informação acumulada anteriormente.
Então, nesse mar de informação, selecionar as informações é muito mais importante do que tentar acumular todas elas. Muitas vezes nos tornamos viciados em saber tudo, reféns do imediatismo, e nos esquecemos do mais importante: de viver.
Porque, no final, as informações são apenas ferramentas também.
Muito bacana o texto! Eu, particularmente, ainda estou engatinhando porque eu sou meio ansioso e quero colher toda a informação possível e no final não absolvo quase nada. Mas aos poucos estou melhorando. Parabéns pelo sucesso do seu blog. Você já é um grande formador de opinião.
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Opa, só agradeço. Abraço!
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