A partícula

Muita gente vem especulando há quase duas semanas sobre a existência do Bóson de Higgs.

Esse assunto veio à tona com o anúncio de uma conferência do CERN na Austrália para hoje, 04 de julho. No dia 02 de julho, o Tevatron, acelerador de partículas “concorrente” do CERN (sim, na Ciência existem essas coisas) anunciou a descoberta de uma partícula que “poderia ser o Bóson de Higgs” com certeza científica de 2,9 sigmas.

“Sigma”, a letra grega (maiúscula: Σ; minúscula: σ), além de ser o símbolo de “soma” de vários caracteres na matemática, também é uma representação de certeza científica para avalizar descobertas. O Sigma é uma medida de desvios-padrão. Ou seja: quanto mais alto o Sigma, é mais improvável que a descoberta seja fruto do acaso e mais consolidado o dado científico. Um nível de cinco sigmas configura certeza científica.

Nessa quarta-feira, o CERN, através de seus dois experimentos debruçados sobre o tema, ATLAS e CMS, finalmente fez seus anúncios preliminares. A equipe do CMS detectou uma nova partícula com massa em torno de 125 GeV com certeza de sigma 4,9, enquanto o experimento ATLAS detectou uma partícula de 126,5 GeV com o tão sonhado sigma cinco de certeza. A rigor, com essas pequenas diferenças de massa, é possível afirmar categoricamente que a partícula detectada pelo Tevatron e a detectada pelos dois experimentos do CERN são a mesma.

Vista aérea do CERN, entre a França e a Suíça (Fonte: Terra)

É bom ressaltar que GeV (Giga Elétron-Volt) é uma medida de energia utilizada para mensurar massa em escala subatômica. Convém recordar que, pela Teoria da Relatividade, a energia pode se transformar em massa e vice-versa. Por isso, existe como mensurar a massa de uma partícula medindo-se a energia produzida em uma colisão produzida por um acelerador de partículas.

Mas é bom ressaltar que os pesquisadores do CERN não confirmaram que a partícula de fato é o Bóson de Higgs. E isso faz uma grande diferença. Os dados são preliminares, e o fato de um novo bóson ter sido identificado vai orientar os estudos científicos nos próximos anos.

O CERN continuará analisando os dados já produzidos e realizando novas colisões. Caso a partícula encontrada seja de fato o Bóson de Higgs, o Modelo Padrão da Física de Partículas, que explica três das quatro forças fundamentais da natureza (a Interação Eletromagnética, a Interação Nuclear Fraca e a Interação Nuclear Forte). Qual é a importância do Bóson de Higgs nesse meio? A partícula prevista por Peter Higgs em 1964, além de “dar massa inercial” para as partículas, como dizem reportagens sobre o tema, a partícula é responsável por induzir a quebra de simetria em partículas subatômicas. Isso foi responsável, por exemplo, por termos um universo relativamente estável, em que matéria e antimatéria não se aniquilaram mutuamente. Por ter tamanha influência, é um elemento essencial do Modelo Padrão.

No entanto, o Modelo Padrão deixa lacunas. Além de não compreender a quarta força fundamental da natureza, a gravidade, é um modelo que só se aplica com precisão, até o momento, à matéria bariônica.

What shit is “Matéria Bariônica”? É a matéria comum, da qual são formadas as pessoas, planetas, estrelas, tudo. É o que vemos. Só que, depois de muita observação e uma infinidade de cálculos feitos por cosmólogos, astrofísicos e cientistas de áreas afins, chegou-se à conclusão de que essa matéria “comum” corresponde a apenas 4% da matéria existente no Universo. Outros 24% do Universo são compostos de uma misteriosa “Matéria Escura”, que não interage com a matéria comum e ainda não tem suas propriedades conhecidas. E os 72% restantes são compostos pela ainda mais obscura “Energia Escura”, responsável, entre outras coisas, pela aceleração da expansão do Universo nos últimos 6 bilhões de anos.

Resumindo: se de fato encontrarmos o Bóson de Higgs, estaremos validando um modelo que explica apenas 3/4 dos processos de interação em 4% do Universo, e que precisará ser reformulado ou ampliado para dar conta de todo o restante. Por isso, a não confirmação é importante também: se, no lugar do Bóson de Higgs, tiver sido encontrada outra partícula, não prevista pelos teóricos, teremos duas certezas: a de que o Bóson de Higgs não existe e a de que o Modelo Padrão da Física de Partículas terá que ser totalmente reformulado. O bom é que os horizontes da Física se ampliam sempre que a prática impõe reformulações na teoria.

Em todo caso, a descoberta anunciada pelo CERN é importantíssima. Porque chegamos a um ponto em que não há mais meio termo: ou o Modelo Padrão é confirmado, junto com o Bóson de Higgs, ou terá que ser totalmente reformulado para abrigar uma nova partícula e novos pressupostos. E isso vai mudar a sua vida, por mais que pareça distante. A Teoria da Relatividade e a Mecânica Quântica foram os dois pilares para a maior parte das tecnologias que transformaram o mundo no século XX. E, a julgar pela ânsia dos cientistas em entender o Universo, continuará transformando por todo o século XXI.

Publicidade

4 comentários sobre “A partícula

  1. Pingback: Novas luzes sobre a origem da matéria | Além do Laboratório

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s