Uma conta rápida sobre a “partilha” dos aeroportos

Na segunda feira passada, houve o leilão para concessão dos Aeroportos de Cumbica, Viracopos e Brasília para a iniciativa privada. Antes que as pessoas entrem em discussões babacas sobre se é “privatização” ou “não é privatização, é parceria”, esclareço que o assunto do texto não é esse. Apesar disso, convém dizer que o modelo de concessão difere bastante do modelo praticado na década de 90, e a aplicação da Lei de Licitações parece ter sido feita com maior parcimônia nos casos atuais.

Como visto no link do primeiro parágrafo, o governo arrecadou a vultuosa quantia de 24,5 bilhões com o leilão dos 3 aeroportos. 374% acima do valor inicial. Um valor realmente impressionante. Ainda mais, levando-se em conta que as concessões tem prazos definidos:: 20 anos para Guarulhos, 25 anos para Brasília e 30 anos para Viracopos (que, não por coincidência, receberá o maior volume de intervenções no período).

No entanto, há riscos no processo. O valor de fato agradou o governo, mas talvez as empresas não consigam lucrar naturalmente com as concessões. E não há hipócritas aqui: os consórcios pagaram quantias absurdas pela gestão dos aeroportos porque querem lucrar com eles.

Vamos pegar o exemplo do Aeroporto de Cumbica, leiloado por R$ 16,2 bilhões, por 20 anos:

Guarulhos teve cerca de 18 milhões de passageiros domésticos e 11 milhões de passageiros internacionais em 2011. Há uma clara tendência de crescimento, mas ela deve esbarrar na capacidade dos terminais do aeroporto. Veja a progressão de crescimento de passageiros/ano em Cumbica:

Ano Movimento (Passageiros) Nacionais Internacionais
2003 11.581.034 4.652.676 6.928.358
2004 12.940.193 5.583.877 7.356.316
2005 15.834.797 7.257.196 8.577.601
2006 15.759.181 7.548.583 8.210.598
2007 18.795.596 10.346.742 8.448.854
2008 20.400.304 11.554.548 8.845.756
2009 21.727.649 13.268.119 8.459.530
2010 26.774.546 16.413.457 10.361.089
2011 29.964.108 18.614.519 11.349.589

A taxa de embarque MÁXIMA é de 20 reais pra vôos domésticos de 67 reais para vôos internacionais. Isso quer dizer que Guarulhos faturou, NO MÁXIMO, [(18,6 milhões de pessoas x R$ 20,00)  + (11,3 milhões de pessoas x R$ 67,00)] = 1,129 bilhão em 2011.

De acordo com a Invepar, que venceu o consórcio, aproximadamente 60% do faturamento do aeroporto provém de receitas tarifárias (o objetivo é baixar esse valor para 40%). Então o faturamento total do aeroporto, hoje, gira em torno de R$ 1,881 bilhão anual. Sem descontar o custo operacional ou nada do tipo. Faturamento bruto.

Se multiplicarmos isso pelos 20 anos de concessão, teremos R$ 37,636 bilhões de reais de faturamento. E temos que lembrar que a Infraero CONTINUA com 49% dos três aeroportos, e, portanto, com direito a 49% do faturamento, “para custear os demais aeroportos do país”.

Nisso, temos que as operadoras partem de uma previsão de FATURAMENTO BRUTO de R$ 18,64 bilhões nesses vinte anos. Uma previsão burra, baseada na premissa falsa de que não será realizado nenhum investimento.

Não sei qual é o custo de gerir um aeroporto, mas imagino que deva ser caro. Só de investimentos, estão previstos R$ 4,8 bilhões. E, como já disse, o objetivo das empresas é lucrar. Todos considerarão um enorme fracasso se, em 2032, no fim da concessão, o consórcio tiver faturado, no total, descontados todos os custos, R$ 17 bilhões, por exemplo.

Pra isso, Guarulhos vai ter que dobrar ou triplicar sua capacidade. Lembrando que isso gera um custo extra gigantesco, inclusive operacional. E lembrando que obras assim não ficam prontas em três meses (apenas mais um terminal ficará pronto até a Copa de 2014, para se ter ideia)

Em Cumbica também há o fato de que, com a inauguração do trem bala, muitos vôos domésticos poderão ser deslocados para Congonhas (e Viracopos também, que vai ser “concorrente” de Cumbica e vai ser só andar meia hora de trem bala), porque a demanda pela Ponte Rio-SP pela via aérea vai cair quase 90%.

Resumindo: há muitos riscos no processo, o faturamento de Cumbica precisa aumentar exponencialmente para o investimento de R$ 16,2 bilhões compensar (convém lembrar que parte desse valor será financiado pelo BNDES), e o risco do negócio é uma advertência de especialistas no setor. O maior deles, obviamente, não é o das empresas terem prejuízos. Isso não ocorrerá. Não há nenhuma dúvida disso. Mas o consumidor correrá sérios riscos, principalmente em relação ás tarifas cobradas nos aeroportos, que devem subir bastante nos próximos anos para custear os investimentos dos consórcios vencedores em ampliação. Que devem começar desde já, não apenas para a Copa do Mundo de 2014 ou a Olimpíada de 2016. Mas para a concessão realmente valer a pena.

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7 comentários sobre “Uma conta rápida sobre a “partilha” dos aeroportos

  1. Amigo, você acha que as lojas do aeroporto não pagam aluguél? As lanchonetes, poucas e caras, os restaurantes, ainda mais raros e ainda mais caros, Você sabia que as empresas aéreas pagam para pousar seu avião, utilizar-se do terminal, compra o combustível, etc e tal? Tudo isso hoje em Guarulhos, Viracopos e Brasília é muito subutilizado, ou seja, vão explorar muito mais os serviços nos aeroportos, para gerar receitas, talvez até maiores que a própria relativa as taxas de embarque, enfim, acho melhor você pesquisar um pouco sobre as fontes de receita de um aeroporto, e depois atualizar seu post. Mas parabenizo pelo espaço e pela iniciativa de discutir o assunto

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    • Concordo. Tanto que o próprio consórcio prevê o aumento desse faturamento com receitas não-tarifárias de 40% (nível atual) para 60% do total do faturamento do aeroporto. Considerando que eles também prevêem aumento substancial no faturamento com taxas, principalmente após a construção de novos terminais, esse faturamento com aluguéis, lanchonetes, taxiamento aéreo e todo o restante deve mais do que dobrar, com toda a certeza. O provável é que passemos por um momento de modernização e adequação da frota de uma maneira que o governo não conseguiria fazer. Isso é bom. Mas os riscos permanecem, principalmente no caso de Guarulhos, em que a concessão tem prazo menor.

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  2. Não discordo de que o negócio apresente um risco muito alto, mas acredito que haja diversas outras fontes de receita que podem ser melhor exploradas. A criação de mais pontos comerciais, por exemplo, pois Cumbica é extremamente deficitário principalmente no setor de alimentação; a ampliação dos Duty Free Shops, que costumam ser muito maiores em outros aeroportos internacionais; publicidade interna; estacionamentos (que serão ampliados), entre outros. Ainda, a licitação para o trem-bala sequer foi iniciada, então o transporte aéreo ainda não possui concorrente – exceto o transporte rodoviário, cada vez menos eficiente pelo excesso de tráfego, esse sim ameaçado de fato pela concorrência ferroviária. Se houver competência por parte das concessionárias, a capacidade dos aeroportos poderá dobrar facilmente em menos de dez anos – tendo como base os últimos dez anos, de crescimento moderado em sua maioria, com os investimentos corretos, a capacidade desses aeroportos poderia triplicar. Ou seja, o risco existe e é grande, mas a probabilidade de êxito também, na mesma proporção. Se assim não fosse, não teríamos tantos consórcios interessados como de fato tivemos.

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