Uma das principais características que conferem ao homem a sua característica de humano é a de gostar de política. Poderia dar várias definições de Política aqui, de Aristóteles a Weber, mas vou simplificar a coisa: política, basicamente, em um enfoque simplistas e incompleto, é a arte de se mobilizar e lutar pelo poder (e poder, pegando emprestado do inglês, no sentido CAN e não no sentido POWER) de tomar decisões que influenciam toda a sociedade em que se convive, e também o poder de influenciar cada vez mais pessoas com essas decisões.
O homem tem uma longa caminhada de evolução política. A democracia ateniense, apesar de excluir mulheres e escravos, foi algo incrivelmente avançado considerando que ela nasceu há 2500 anos atrás. Depois disso, tivemos governos melhores e piores, mais democráticos e mais autoritários. Mas não cabe aqui contar a história da política, historiadores fazem isso muito melhor que eu.
Mas gostaria de lembrá-lo de uma velha máxima, muito mais real do que se faz supor:
“O maior castigo para quem não gosta de política é ser governado pelos que gostam”. (Arnold Toynbee -1889-1975)
Essa é a grande e triste realidade da política. Atenienses conseguiram conviver com um regime político extremamente avançado, para seu tempo, porque amavam, de fato, a política. A discussão de ideias, a arte do convencimento, o pensamento e a decisão. Tudo isso faz parte da política, e os atenienses era ótimos nisso.
Gostaria de enunciar aqui um teorema político que tem muitos exemplos favoráveis, mas em que cabem controvérsias: para mim, lendo e vivendo um pouco a política, a verdade sobre o assunto é que quanto mais uma sociedade gosta de política, menos tolerância tem a quaisquer políticas autoritárias, tiranas ou anti-democráticas. Quanto mais uma sociedade gosta de política, mais apreço tem pela liberdade e pela discussão visando a tomada de decisão.
Por isso, o homem com apreço à democracia, com indignação contra a repressão e que não se rende ao marasmo da alienação política pode ser chamado de Homo Politicus. O homem crítico, que pensa, discute e toma decisões embasadas. Que de fato enxerga sentido nas decisões que toma.
A Desinformação Política no Brasil
O brasileiro nunca gostou muito de política. Não por ser pacífico ou cordial, mas por conviver sempre em uma relação de dominação mascarada pela impossibilidade de mobilidade social e pelos privilégios a uma elite pouco afeita à democracia.
Dos 512 anos de história brasileira, apenas por 72 anos tivemos, no país, presidentes eleitos ou seus substitutos governando (ainda que de forma precária e com suspeitas de fraudes, em alguns casos). Entre 1898 e 1930, entre 1946 e 1964, e desde 1990. Isso é reflexo direto da pouca participação política no Brasil. Não como uma casualidade, mas como uma política de governo. Que conta com vários fatores influenciando:
1) A negligência histórica com a educação no Brasil. A educação formal, voltada à amplificação do conhecimento, forma pessoas mais críticas, e, portanto, politizadas. Pessoas politizadas têm maior capacidade de mobilização, maior resistência contra a opressão e maior chance de promover mudanças históricas e definitivas no país. para governos historicamente oligárquicos e autoritários, isso definitivamente não interessa.
2) A separação entre “políticos” e “homens do povo”. Os políticos do país, por mais que tenham saído “de baixo”, em muitos casos, afirmam sistematicamente sua separação do povo, como “classe privilegiada”. O próprio “Foro privilegiado”, feito para proteger políticos de abusos de outros políticos, é prova disso. O fato é que a classe política brasileira é a mais privilegiada do mundo, no que se refere a benesses legais (obviamente, não estou falando de operações ilegais aqui), e isso é uma forma de afirmação da classe política, como “diferenciada”, como “não pertencente” ao povo.
3) O interesse do cidadão comum na política é sistematicamente desmotivado. O político tem o estereótipo generalizado de ladrão, corrupto e incompetente, embora todas essas características negativas sejam aplicáveis a apenas uma parcela dos políticos brasileiros. Justamente os que estão diretamente interessados no afastamento do cidadão da política, com apoio da mídia.
É um círculo vicioso. Os velhos oligarcas de sempre dominam a máquina estatal, tornando-a ineficiente e corrupta. A mídia, por motivos políticos e econômicos, generaliza a máquina pública como sendo corrupta e ineficiente, criando um sentimento de ojeriza pela política no cidadão comum. Com o afastamento do cidadão comum da política, a corrupção se eterniza na política, pois a sociedade civil, que deveria fiscalizar os políticos, se auto-negligencia nesse papel. E quem sofre, além do país, é a parcela de políticos e servidores públicos honestos, que são igualmente estigmatizados como corruptos e incompetentes.
Conclusão
O Brasil está numa época de ridicularização dos movimentos sociais: qualquer movimento social ou grupo da sociedade civil é incluído no mesmo “rol” de “corruptos e incompetentes” de que fazem parte os políticos. Os militantes, quase sempre, são terrivelmente chatos, cansam a paciência alheia muitas vezes, mas são absolutamente necessários. A mídia e a sociedade, ridicularizando todo e qualquer movimento social, só dá mais margem para que o cidadão não goste de política. E aí volto ao argumento inicial.
O desinteresse pela política abre uma perigosa brecha para o autoritarismo. Uma campanha de desinformação, aliada à falta de alternância no poder (e isso em âmbito federal, estadual e municipal, que fique bem claro), torna cada vez mais frequentes reações autoritárias, frequentemente apoiadas por essa população amparada em sua ignorância política.
A história mostra que TODOS os regimes totalitários importantes do mundo contemporâneo nasceram em momentos de desinteresse da população com a política, aproveitados por oportunistas que camuflavam seu egoísmo e seu projeto pessoal de poder em uma aura de patriotismo exacerbado, “ordem”, “igualdade”, ou mesmo de “democracia”. A arte de manipular discursos e persuadir pessoas é muito antiga, e reconhecidamente funciona bem. Mas só com os ignorantes políticos ou desiludidos com a política.
E é esse momento que o Brasil vive. O desinteresse artificial pela política, fabricado pela mídia, pelos políticos e pela negligência com a educação, mais uma vez está tornando o Brasil um país autoritário, em que os direitos humanos (também ridicularizados) não são respeitados, em que a agressão física é uma política de governo suprapartidária.
Exemplos não faltam: agressões na USP, na Cracolândia, a invasão criminosa do Pinheirinho, as agressões aos estudantes em Teresina, em Vitória, em Recife, as agressões a professores em São Paulo e no Ceará, as agressões a trabalhadores em Belo Monte e no Acre. Todas elas apoiadas por governos autoritários com discursos democráticos por trás.
É agressão demais para um país que sobrevive da propaganda histórica do “Brasileiro cordial”. O brasileiro pode até ser cordial, na medida em que é incentivado a isso. Mas os políticos definitivamente não são.
O que falta no Brasil, definitivamente, é a multiplicação daqueles que nomeiam esse texto. O Homo Politicus. Sem eles, continuaremos indefinidamente alternando ciclos, em nossa história, de autoritarismo e de autoritarismo, sob o disfarce da democracia.
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