O Individualismo e a Sociedade

Existe um termo na filosofia chamado Ethos. Esse termo, em sua concepção primária, significa basicamente que o Ethos é um espaço em permanente construção e reconstrução pelo homem. Um espaço em que o homem insere seus costumes, seus hábitos, seus princípios, suas regras de conduta e sob o qual norteia suas ações.

O Ethos refere-se basicamente à construção de uma sociedade. Existem diversas concepções a respeito e uma explicação mais detalhada não se faz necessária, mas o fato é que o Ethos mescla costumes universais e hábitos individuais, sempre com a mentalidade de formar e disseminar um conjunto de valores que se convencionou chamar de BEM ou de VIRTUDE. Resumindo: valores que são aceitos pela maioria como os melhores possíveis.

Essa explicação serve para falarmos de um dos valores mais aceitos pelos Ethos de nossa sociedade. Não apenas agora, mas há alguns séculos: o individualismo. Incorporar o individualismo ao Ethos de uma sociedade significa dizer que os valores ligados ao BEM INDIVIDUAL são mais valorizados do que os valores ligados ao BEM UNIVERSAL.

O individualismo sempre esteve presente na história da humanidade. Decisões individuais sempre influenciaram o curso da história e as sociedades como um todo. E a história contemporânea, a partir da Revolução Francesa, tornou extremas as diferenças entre o individualismo e o bem universal.

Um golpe quase fatal na noção de bem universal foi dado nos séculos XIX e XX, com a ascensão do socialismo. No Ethos de nossa sociedade, o capitalismo tornou-se sinônimo de individualismo, enquanto o socialismo tornou-se sinônimo de coletividade e de bem universal.

Só que o socialismo perdeu. Muito devido a governos que impunham a lógica socialista para os povos, privando-os de sua liberdade, enquanto viviam uma vida de privilégios. Não cabe aqui discutir os motivos da derrocada do socialismo real, existem diversas teorias e teses sobre o assunto. Mas o fato é que, com a derrocada do socialismo, não foi o capitalismo que venceu: foi o individualismo, que se estabeleceu como valor no Ethos de nossa sociedade.

O individualismo tem duas manifestações psicológicas muito características (e opostas entre si): a soberba, que é o individualismo somado a um conceito extremamente positivo da pessoa sobre ela mesma, e a depressão, que é o individualismo somado a um conceito extremamente negativo da pessoa sobre ela mesma. Não por coincidência, as demonstrações de soberba e os casos de depressão crescem em número exponencial em nossa sociedade atual.

O individualismo também é responsável por uma das principais marcas da sociedade atual: a indiferença. Quando alguém é individualista, obviamente não pensa  – 1) Nos anseios e necessidades alheias e 2) Nos anseios e necessidades da sociedade como um todo. É indiferente a tudo que não influencie em sua própria vida.

Um dos motivos principais dos governos serem tão ruins é por conta dos individualismo das pessoas. Quando todos pensam apenas em sua própria necessidade (e isso inclui os governantes), a sociedade e o bem universal são deixados de lado.

Além disso, há uma desvalorização dos projetos sociais. É um daqueles “preconceitos não admitidos”, tão comuns hoje em dia. Uma sociedade que se pauta pelo individualismo não vê motivos para as pessoas ajudarem as outras, e ridicularizam isso. Por vários motivos:

1) Criminosos, como traficantes e bicheiros, utilizam “trabalhos sociais” para obter a confiança da sociedade que oprimem. E promovem, com isso, a “criminalização do trabalho social”. Obviamente essa criminalização é catalisada por setores da sociedade que têm interesse direto na criminalização dos movimentos sociais. Como alguns governos, por exemplo.

2) O Brasil, como país predominantemente individualista, com investimento pífio em educação e formação crítica, julga que a ajuda deve ser individual. Quando ajuda alguém, o brasileiro geralmente o faz individualmente. Com isso, o brasileiro não vê restrições em ajudar o pedinte na rua ou em se emocionar vendo programas de televisão que entregam casas ou carros para UMA família. Mas vê fortes restrições em ajudar fundações ou em atuar em programas filantrópicos de grande porte, por não ter o reconhecimento imediato daquilo que faz. A necessidade de reconhecimento imediato é uma característica  do individualismo. Se você ajuda os outros e precisa de reconhecimento, não se engane: você está sendo tão individualista quanto o sujeito que não ajuda.

3) Como característica do individualismo, há uma forte desvalorização das instituições no Brasil. Muito por causa da própria má gestão das instituições, com pessoas que, em exacerbações criminosas do individualismo, se apropriam daquilo que, em tese, seria público ou ajudaria muitas pessoas. E muito também porque o poder das instituições é visto com reservas em uma sociedade que valoriza mais o esforço individual do que qualquer outra coisa.

Enfim, o individualismo é como uma erva daninha que vai tomando conta do corpo de nossa sociedade. Corrompe os valores sociais e torna o homem algo semelhante ao Estado de Natureza elucidado por Thomas Hobbes, em que a ausência de convenções sociais tornava o homem o lobo do próprio homem. Um sujeito sem limites, capaz de tudo para atender suas próprias necessidades e seus desejos. Exatamente como muitos de nós estamos nos tornando hoje.

Está na hora de parar para pensar. De mudar muitas atitudes. De repensar nosso Ethos e nossos valores. E construir uma solução, uma sociedade melhor. Que seja menos individualista e retome a noção de BEM UNIVERSAL, livre, no entanto, das amarras ideológicas de um regime que não deu certo. E que, no fim, só serviu para consolidar o individualismo como parte do Ethos de nossa sociedade.

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13 comentários sobre “O Individualismo e a Sociedade

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    • Sim, isso é verdade. Mas, apesar da mesma origem etimológica, o Ethos, na sociologia, adquiriu um significado ligeiramente da ética de maneira genérica. Hoje, “ética” descreve um conjunto de práticas sociais que vai muito além do conceito original grego de Ethos, e acaba sendo algo muito mais difuso.

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