A Greve dos Bancos

Existem greves e greves. Quando um juiz faz greve para ganhar 30 mil reais por mês e para não ser mais fiscalizado pelo CNJ, achamos que algo está muito errado na sociedade (e está mesmo).

No entanto, se há uma categoria de greve que eu apoio incondicionalmente, sem nenhuma restrição, é a greve dos bancários (que está em andamento esse ano, diga-se). E nem dou o meu apoio à greve dos bancários porque já fui bancário um dia. Essa nem é a questão.

Existem dois grandes motivos para isso:

1) Os bancários são uma das categorias que mais sofre com assédio moral. Excetuando-se os bancos públicos, em que há relativa estabilidade, você trabalha no limiar da ilegalidade e da ética para cumprir as metas impostas pelos banqueiros, sempre abusivas. E quando cumpre essas metas, ao invés de ser premiado, você geralmente vê essas metas subirem ainda mais.

Mas você pode afirmar: “ah, mas isso ocorre em todo emprego que lida com vendas”. Não é o fato de ocorrer em todo lugar que torna algo certo. E os bancários “vendem” dinheiro e produtos relacionados ao dinheiro. Utilizando-se da desinformação geral das pessoas para ludibriá-las, sob ordens de seus gerentes, porque o não cumprimento das metas geralmente acarreta demissões (sua e do gerente, na maioria dos casos).

Além disso, há uma pressão ainda maior, inconstitucional, por parte dos bancos: a proibição de greve. Sim, muitos bancários não saem de greve por medo de demissão. A greve é um direito assegurado em Constituição Federal e a legalidade da mesma só pode ser julgada pela justiça, não podendo o trabalhador grevista sofrer qualquer sanção por parte do empregador. Mas isso não ocorre na prática. No Brasil, é comum bancos demitirem funcionários para “renovar seus quadros” logo após movimentos grevistas. Isso não é uma coincidência, acredite.

2) Os bancos brasileiros não sofreram com a crise de 2008, ao contrário dos americanos e europeus, continuaram obtendo lucros, mesmo sem linhas de crédito disponíveis.

Cabe aqui uma explicação sobre os lucros dos bancos. De onde vem os lucros dos bancos? Basicamente, os bancos compram e vendem dinheiro. O lucro do banco vem da diferença de preço em que ele compra e vende o dinheiro. Explicando melhor:

– Você tem 1000 reais em mãos. Vai colocar esse dinheiro em uma poupança. O banco “paga” por esse dinheiro a taxa de remuneração da poupança. O que quer dizer que daqui um mês você vai ter 1006 reais, por exemplo.

– O banco quer seus 1000 reais para emprestar para alguém. E empresta. Só que não cobra a taxa de remuneração da poupança. Cobra 5, 6, 8, 12 ou 20% do valor, dependendo do “produto” que a pessoa adquire. Então, com os seus 1000 reais, o banco acaba faturando até 1200 reais por mês. Paga 6 reais para você, e os outros 194 reais são para financiar os custos do banco (inclusive funcionários) e para ter lucro.

Em termos técnicos, a diferença entre os preço de compra e venda do dinheiro que passa pelo banco se chama de spread bancário.

Por isso que os bancos vão à falência quando as pessoas guardam seu dinheiro e não querem mais “emprestar” para os bancos (investir). Porque daí o banco não pode mais emprestar dinheiro, não pode mais se manter e entra em insolvência.

Exceto no Brasil.

Sim, porque o Brasil é o único lugar do MUNDO em que bancos não obedecem a esta regra e nem dependem tanto do spread. Os bancos brasileiros são os que mais lucram no mundo, proporcionalmente, e, após a crise de 2008, estão entre os que mais lucram no mundo também em números absolutos. E isso porque os bancos brasileiros contam com uma peculiaridade que não existe no exterior: os bancos brasileiros têm todo o seu custo operacional bancado pelas tarifas cobradas. Isso faz com que o spread bancário seja lucro praticamente puro para os bancos.

E aí entra a minha argumentação. Mesmo sendo os bancos que mais lucram proporcionalmente no mundo, os bancos brasileiros pagam um piso salarial de pouco mais de dois salários mínimos para seus funcionários, oferecem uma participação nos lucros de pouco mais de um salário, e, apesar de dar benefícios, cobra o funcionário por cada um deles. E oferecem muito menos aos funcionários do que os bancos do exterior, que, proporcionalmente, lucram menos. É completamente justo os bancários se revoltarem contra essa situação e exigirem mais dos donos de bancos.

———————

Quem argumenta que a greve prejudica o atendimento do velhinho aposentado que precisa receber seu salário é um demagogo. Quem acha que o bancário não tem que se mobilizar também é demagogo. Porque sem mobilização, ano após ano, hoje o bancário ganharia um salário mínimo para fazer exatamente o que faz. 

Banqueiros são extremamente gananciosos, e a única visão possível para eles é tirar o máximo do funcionário pagando o mínimo possível. A visão de que o bancário “ganha bem” tornou-se errônea no Brasil, principalmente nos últimos anos. Os banqueiros ganham bem, e é necessário a população brasileira separar a figura do banqueiro da figura do bancário. O bancário é mal remunerado, sofre assédio moral, tem pouca perspectiva de crescimento fora de um mercado muito específico, que são os bancos, e merece ser compensado pelos enormes lucros que proporciona aos banqueiros.

Para se ter idéia, existem cerca de 482 mil bancários no país hoje (dados de julho). No primeiro semestre de 2011, os bancos lucraram 27, 4 bilhões de reais. Com base nessa conta simples, só no primeiro semestre de 2011 cada bancário proporcionou de lucro aos bancos, em média, R$ 56.846,00. Se multiplicarmos isso por dois, chegamos à conclusão de que cada bancário brasileiro proporciona, em média, R$ 113.692,00 de lucro aos bancos. E ganha, em média, R$ 30 mil por ano, exceto participação nos lucros (que dá mais 3 mil reais, em média). Esses valores não entram nos lucros operacionais, são contabilizados como despesas para os bancos (exceto as PLR’s, obviamente). Ou seja cada bancário brasileiro proporciona, em média, cerca de R$ 110 mil por ano de lucro ao seu banco.

Obviamente a situação não é justa e merece greve sim. A intransigência dos banqueiros em negociar melhores salários e condições de trabalho sempre é esperada, mas a pior intransigência que existe é a da população individualista, que acha que ser atendido é mais importante do que maiores salários, mais dinheiro circulando e melhores condições de vida para toda uma categoria, que é abusivamente explorada por meia dúzia (sim, seis bancos – Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco, Itaú/Unibanco, Real/Santander e HSBC – controlam mais de 90% do mercado no Brasil) de banqueiros e pode dar um passo decisivo para que os trabalhadores brasileiros, em geral, possam ter um tratamento melhor por parte dos empresários do país. Não só nos bancos, mas em todos os setores em que olucro não é repassado, ao menos em parte, para o funcionário.

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25 comentários sobre “A Greve dos Bancos

  1. Ótimo, Bruno e Augusto. Parabéns pela mediocridade, sejam sempre assim! Continuem pensando só no próprio boleto que venceu durante a greve e que se lasque o restante da sociedade. Afinal, é óbvio que os bancários tem total culpa por esses problemas que os cidadãos enfrentam durante uma greve, visto que está tão fácil de mudar de emprego e de carreira, não é mesmo? Caso vocês tenham empregos garantidos a oferecer para os bancários em outras empresas que não sejam instituições financeiras, façam o favor de avisá-los, assim os bancos ficam sem funcionários e eles fecham, afinal, pra quê bancos não é?! Aproveitem para dar uma lidinha no outro texto do Léo, o “Como identificar um cidadão do bem”. Tenho certeza que vocês são o exemplo que o planeta precisa… para se afundar ainda mais.

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  2. Concordo com nosso amigo Leo! ótimo artigo!
    Aos colegas Bruno e Augusto parabéns pela mediocridade e falta de respeito. O mundo não precisa de mais individualistas como voces!

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  3. Para os idiotas Bruno e Augusto, parabéns pela falta de visão e respeito ao próximo e parabéns ao nosso colega Léo pelo texto.

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  4. Quando eu era mais novo até meus 20 anos, achava q trabalhar em banco como bancario era o maximo, cargo bom, status, ganha bem e tal e nao concordava com as greves nessa época pois eu achava q era frescura dos bancarios e tal , sonho de adolescente e pré joven que estava sem emprego e achava isso uma maravilha, passa se o tempo a gente arruma emprego fixo, tem conta em banco, cartao de crédito paga as contas e acaba entendendo q ser bancario é + 1 emprego como tantos, puxado e cansativo e as greves sao justas ja q essas instituições bancarias ganham dinheiro como agua em cima de tanta coisa e uma delas a inocencias dos clientes em sua maioria……..

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  5. Apoiado Leo Rossato! To esperando nomeação pra trabalhar no BB, já to até c medo de ser bancário, mas vou cair pra dentro! hahahahahaha
    E parabéns pelos comentários: cmcastellar a Ana Paula, nosso país precisa de pessoas inteligentes como vcs!

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  6. Muito bom, se o mundo fosse feito mais de “Léos” do que de “Brunos e Augustos”, a população brasileira não estaria do jeito que está, engolindo impostos e lucros bancários absurdos, e achando que tá tudo certo …

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  7. Ótimo texto!! Que bom saber que alguém pensa como a gente!
    Só p informação adicional, a folha de pagamento de muitos bancos é tão baixa que pode ser paga usando somente a receita obtida com as tarifas… ou seja, todo esse spread mencionado anteriormente é p o bolso do banqueiro mesmo! Apoio totalmente a greve!! Só queremos ser respeitados pelo patrão e tratados com dignidade que merecemos!!

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  8. Olha, anda tão raro ver um texto apoiando a nossa greve, que dá até uma alegria ao lê-lo.
    Sou bancário a pouco tempo, e confesso que, antes de sentir na pele a situação, também achava que greve de bancários era apenas preguiça.

    Então, eu entendo quem acha que bancário faz greve pra tirar férias. Entendo mesmo. Agora, seria demais esperar compreensão por parte da população?
    Pelo visto sim.

    Bem, um baita texto, Léo. Muito bom mesmo, meus parabéns.

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  9. Ótimo texto. A leitura sobre o bancário é fidedigna. Porém há um erro quando apresenta o lucro médio gerado por cada bancário: os 54,8 bi de reais (projeção tosca de lucro para este ano) lucrado pelos bancos já está deduzido o custo com os funcionários. Destes 54,8 bi devem ser descontados, apenas, a PLR. Assim: cada bancário produz de lucro aos bancos, em média, 110 mil reais.

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