A americanização da eleição brasileira

O Brasil voltou a ter eleições democráticas para Presidente da República em 1989. Desde então, tornou-se prática corriqueira de campanha, por diversos partidos, a invenção de boatos e da exposição pública de mentiras com propósito eleitoral. Essa prática, apesar de condenável, é comum e condenou muitas candidaturas ao fracasso, como a de Ciro Gomes à presidência da República, em 2002.
Em 2010, no entanto, houve a profissionalização dos boatos. Vamos recapitular o que aconteceu:
No final de agosto, Dilma Rousseff subia nas pesquisas de forma exponencial, e a tendência já apontava vitória da candidata do governo no 1º turno. O que parecia natural, afinal é normal que um governo que beira os 80% de aprovação popular eleja seu sucessor.
No entanto, após a contratação do guru indiano radicado nos EUA Ravi Singh, proprietário da empresa Election Mall Technologies, em 24 de agosto, o tom da campanha presidencial mudou. Ele tornou o site de José Serra uma grande central de cadastros para fazer algo semelhante ao que havia feito na Colômbia, quando assumiu a campanha de Juan Manuel Santos. Ele estava, na época, de dez a doze pontos atrás de Antanas Mockus, do Partido Verde, nas pesquisas. E uma tática de guerrilha feita por oitenta pessoas na Internet, através de atuação em redes sociais e correntes de e-mail, foi responsável por virar o jogo na eleição do país, fazendo Juan Manuel Santos ser eleito com 69% dos votos no 2º turno, após intensa campanha de boataria acusando, dentre outras coisas, o candidato da oposição, Antanas Mockus, de racismo, arrecadação ilegal e ligação com as Farc’s.
Na campanha à presidência dos EUA, Ravi Singh foi contratado por Sarah Palin, candidata a vice-presidente de John McCain, pelo Partido republicano, e espalhou boatos dando conta de que Barrack Obama seria muçulmano, socialista e de que o mesmo não seria americano nato (condição que o impediria de ser Presidente dos EUA), comprometendo uma vitória que, até algum tempo antes da eleição, se desenhava fácil para o democrata.
No Brasil, ocorreu a mesma coisa. em uma campanha de guerrilha via Internet, Ravi Singh espalhou o clima de terror na campanha eleitoral, com apoio do Instituto Plínio Corrêa de Oliveira. O IPCO é um braço institucional da organização ultra-conservadora TFP (Tradição, Família e Prosperidade), que existe há 50 anos e foi uma das grandes apoiadoras do Golpe Militar de 1964 no Brasil.
Amparado por essa organização, Ravi Singh espalhou e-mails caluniosos inventando factóides sobre alguns temas específicos, caros à extrema-direita brasileira:
– A atuação de Dilma Rousseff durante o regime militar.
– A posição de Dilma Rousseff e do PT sobre o aborto e o casamento entre homossexuais.
– A opção sexual de Dilma Rousseff.
– A crença religiosa de Michel Temer, associando-o ao Satanismo.
– A instituição de uma “Lei da Mordaça” proibindo a livre manifestação.
– A perseguição à “Imprensa Livre”.
– A perseguição religiosa que um governo Dilma Rousseff desencadearia no Brasil.
Menos de um mês depois, o indiano ausentou-se da campanha.O estrago já estava feito. Padres, Bispos e pastores manifestavam-se em cultos religiosos abertamente contra o PT. Os boatos infiltraram-se na mente de milhões de eleitores, preocupados com a questão religiosa, e foram responsáveis pelo crescimento de Marina Silva na reta final de campanha. A rejeição ao PT não transferiu muitos votos para José Serra no 1º turno. Mas foi o suficiente para ocasionar o 2º turno e fortalecer a campanha moribunda do candidato tucano.
O neoconservadorismo teve consequências nefastas sobre a campanha política. As conquistas para a população, que deveriam ser determinantes para o voto, ficaram em segundo plano, e o grande tema da eleição passou a ser de natureza eclesiástica. Dilma Rousseff e Michel Temer tiveram que fazer desmentidos sobre cada um dos boatos enumerados. No entanto, o estrago já estava feito. E a eleição presidencial, após oito anos de um governo de inclusão social, corre o risco de ser decidida por questões religiosas, com o país pendendo para a extrema-direita, nos moldes do regime militar.
Como lembrou o blogueiro José Pedro, do blog Democracia Paraná, a difusão de boatos por e-mail é crime. Na Constituição a manifestação de idéias é livre, sendo vedado o anonimato. E a Lei dos Partidos Políticos determina multa para quem reenvia boatos ou e-mails difamatórios na Internet, sendo cópia do e-mail elemento suficiente para incriminar o delinquente:
É difícil, mas o certo a fazer é ignorar o teor dos boatos e denunciá-los. Não se deixe influenciar pelo clima de ódio e difamação que tomou conta da campanha eleitoral brasileira. Tudo isso foi cuidadosamente pensado pelo candidato José Serra.
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