Nos textos anteriores, falamos sobre a importância da educação do país, os motivos pelos quais a educação deve ser priorizada. A mudança no sistema educacional deve ser completa, e abranger desde a educação infantil até os programas de pós-doutorado.
Por que a educação deve ser pública?
Por que o governo deve investir em educação, e não o setor privado? Porque o investimento governamental é a única maneira de garantir que a educação terá um viés de formação humana e científica. A educação não foi concebida para que as pessoas obtenham lucros. Conhecimento é algo que deve ser disseminado gratuitamente, e aumentar o índice de conhecimento e a “massa crítica” de uma sociedade interessa somente a sociedade.
O não investimento em educação tem algumas justificativas. Além da perda da capacidade governamental de investimento entre as décadas de 80 e 90 no Brasil, há uma justificativa política que foi rebaixada a um status quase pueril: o investimento em educação forma pessoas mais críticas e contestadoras, que não aceitam desmandos governamentais. A censura à educação crítica, durante o regime militar, deu lugar a omissão, que, além de mais barata, evita problemas políticos.
Os empresários também não estão interessados em formar pessoas críticas. Os indicadores de desempenho das instituições privadas de ensino, além dos institucionalizados recentemente pelo governo através de avaliações (como o Ideb, o Enem e o Enade), resumem-se a “porcentagem de alunos que passaram no vestibular”, ou “percentual dos egressos que está inserido no mercado de trabalho”. A lógica do mercado da educação é a do marketing. Você forma alunos e deseja que os mesmos tenham relativo sucesso, nos indicadores que você definiu, para que possa atrair novos alunos para sua instituição de ensino. Alunos que paguem o preço para aprender algo (não necessariamente muita coisa), obter um diploma e conseguir relativo sucesso novamente, servindo ao marketing da instituição e perpetuando o ciclo mercadológico da educação.
O fato é que a capacidade crítica das pessoas não pode ser mensurada por indicadores. E não serve, necessariamente, aos interesses do mercado de trabalho em que o estudante vai se inserir. Pelo contrário: muitas empresas desejam justamente que seus funcionários não tenham capacidade crítica, para implantar relações injustas de dominação com maior facilidade.
O fato da capacidade crítica não ser mensurável e não servir aos interesses industriais e comerciais faz com que a interesses das instituições de ensino privadas em fornecer uma formação crítica adequada aos seus estudantes seja reduzida. Salvo raras exceções, a intenção das instituições privadas é desenvolver a capacidade cognitiva do estudante, e não sua capacidade de questionamento.
Basicamente, isso vem sendo a tônica da educação no Brasil nos últimos 20 anos, ao menos. A expansão das instituições privadas de ensino coincide com o sucateamento do ensino público em escala nacional, fazendo com que a capacidade financeira das famílias seja algo essencial para determinar a qualidade da educação que será recebida. Essa lógica torna o brasileiro cada vez mais um povo pouco qualificado profissionalmente, pouco crítico, inerte aos desmandos políticos, e faz a educação, a política e o governo em geral cair com descrédito, facilitando políticas governamentais de enxugamento estatal, afinal, existe uma cultura de que “tudo o que vem do governo é ruim”. Inclusive a educação.
A reversão deste quadro só é possível com pesado investimento governamental, com planejamento, sistemas contínuos de qualificação de professores, e, principalmente, com a recuperação da credibilidade da Educação Pública junto à população. A educação deve funcionar como pólo centralizador e irradiador das políticas públicas. As Escolas devem ser inseridas como elementos do planejamento urbano, tornando-se lugares de agregação social. Se existem programas de transferência de renda, eles devem começar e terminar na escola. A estrutura escolar deve servir par o lazer das comunidades, que muitas vezes são carentes neste aspecto. Um exemplo prático desse modelo de escola são os CEU’s, implantados no começo da década na cidade de São Paulo, com a ressalvas de que os mesmos não oferecem vagas suficientes para a população da comunidade e de que o nível da educação, apesar da estrutura montada, permanece sofrível.
De onde começar?
A tarefa de modificar o sistema educacional é tão grandiosa e difícil que parece não haver de onde começar. Afinal, a educação também depende de fatores externos, e é muito mais difícil implantar uma reforma educacional em um país cheio de aberrações sociais e problemas sociais aparentemente insolúveis, como é o caso do Brasil. Quando você diagnostica que existe muita coisa errada, fica mais difícil saber de onde você deve iniciar a mudança.
Um modelo de sucesso que pode ser adotado pelo Brasil é o sul-coreano. A Coréia foi criada em 1945, após a derrota japonesa na 2ª Guerra Mundial. Cinco anos depois, no entanto, EUA, URSS e China entraram em guerra pelo domínio do país, arrasando a já combalida economia da região até o armistício de 1953, e dividindo a Coréia em dois países, separados pelo “paralelo 38”: o norte, comunista, influenciado pela URSS e pela China, e o sul, capitalista, influenciado por EUA e Japão.
Com o país arrasado, duas providências foram tomadas: foi concluída e reforma agrária que havia começado com a expulsão dos japoneses da península, dando fim aos latifúndios do país, e foi realizada uma intensa reforma educacional, que segue até hoje.
O modelo educacional sul-coreano consistiu na universalização da educação no país, em doze anos de educação básica contínua, em período integral, com os alunos proibidos por lei de trabalhar enquanto estudam. É nítido que nesse período o governo atende as necessidades do estudante, oferecendo três refeições diárias de qualidade para o mesmo. E a pobreza das famílias foi bastante amenizada com a reforma agrária que houve no país.
Após estes doze anos, os estudantes passam por três anos de serviço militar obrigatório. E então, mais maduros, entram nas faculdades sul-coreanas, características por um ambiente de disciplina e pesadas cobranças. As cobranças normalmente são bem assimiladas, uma vez que o estudante coreano desenvolve desde cedo a curiosidade e a ânsia pelo conhecimento, que já tratamos aqui.
Além disso, o modelo de desenvolvimento coreano foi amparado pelas grandes corporações (chaebols) nacionais, que foram pilares do desenvolvimento do país. Empresas globalmente conhecidas hoje, como LG, Samsung, Hyundai e Kia, entre outras, foram patrocinadas pelo governo sul-coreano como disseminadoras de uma cultura que preza a valorização profissional, o trabalho intenso e a produção de ítens em escala competitiva, visando sempre a inovação e o desenvolvimento de novos produtos. O resultado é que a Coréia do Sul se tornou, em meio século, referência mundial na fabricação de componentes de alta tecnologia, exportando profissionais altamente qualificados e sendo um dos principais centros de pesquisas do mundo no desenvolvimento de materiais avançados.
O Brasil não precisa adotar exatamente o mesmo modelo, mas algumas coisas podem ser tomadas de lição:
1) A educação deve ser em tempo integral, e deve ser completamente proibido trabalhar durante a educação básica.
Muitos políticos falam em “Escola de Tempo Integral”. No Estado de São Paulo, o governo Geraldo Alckmin, em 2006, fez uma tentativa de implantar escolas em tempo integral para os alunos de 5ª a 8ª série, em vigor em algumas escolas até hoje. A idéia é ótima, mas foi extremamente mal implementada na época. Por trabalhar com educação no período, pude vivenciar alguns problemas da implantação do sistema em São Paulo.
Não adianta implantar escolas em tempo integral se a estrutura da escola não comporta atividades externas para os alunos, a alimentação dos alunos é insuficiente e as atividades realizadas no período da tarde são mal formuladas. O desempenho dos alunos tende a piorar, inclusive, se os mesmos são submetidos ao estresse de ficar nove horas diárias em uma escola pública degradada e sem opções de lazer, tendo aulas tão genéricas quanto inúteis no período da tarde.
Além disso, a dificuldade de encontrar professores para estas aulas é imensa. Dificultada pelo péssimo salário dos professores paulistas e pelo fato das matérias “transversais” ministradas no período da tarde não contarem com professores efetivos, uma vez que não existem cargos públicos destas matérias.
Para o aluno ficar das sete da manhã às quatro da tarde em uma escola, deve ter opções de lazer, salas de estudo apropriadas e uma estrutura física que possibilite atividades livres durante a tarde, como a prática de esportes ou a pesquisa em computadores da instituição. O problema das escolas em São Paulo, que trouxe dificuldades imensas ao projeto, é o de que as escolas paulistas são ambientes tão degradados que não favorecem a curiosidade científica e a disseminação do conhecimento. Os professores estão desmotivados, são constantemente desrespeitados pelos alunos e são mal remunerados. A estrutura física das escolas deve ser modificada.
Em países como a Coréia do Sul, a Espanha e os EUA além de uma sala dos professores, cada professor (que é efetivo da matéria, e não dá aula em três escolas), tem sua própria sala de aula, cumprindo na própria escola seu horário extra-sala. Sendo assim, o professor conta com um local apropriado para preparar suas aulas, corrigir suas provas e estudar e desenvolver projetos sobre aquilo que vai repassar aos alunos. Na Educação Básica. Iniciativas assim conferem mais credibilidade ao professor do que reajustes expressivos de salário.
Além disso, a proibição de trabalhar faz com que o aluno seja mais dependente do Estado. E esta dependência, na Coréia do Sul, é recompensada pelo Estado, com atendimento digno das necessidades do aluno enquanto o mesmo estuda. Fornecimento de refeições, fornecimento de estrutura educacional e a criação de um ambiente de produção e disseminação de conhecimento desde o ensino básico foram fatores fundamentais para a Coréia do Sul ter sucesso na implantação de um novo modelo educacional. E são essenciais para a implantação de qualquer modelo educacional de sucesso.
2) Assistência às famílias dos estudantes, para evitar pressões externas
Infelizmente, o Brasil não é um país livre da miséria. Não são todos os pais que tem condições de sustentar seus filhos com dignidade, e existem muitas famílias em que a educação é deixada em segundo plano por conta disso. Infelizmente, muitos dependem dos programas de transferência de renda do governo federal, que se desenvolveram muito nos últimos oito anos. E não adianta o governo fazer o aluno permanecer o dia todo na escola se, na sua residência, não existem condições mínimas de sobrevivência. É natural a criança dar prioridade para seu sustento imediato.
Na Coréia do Sul, essa situação foi amenizada pela reforma agrária anterior. Sem entrar no mérito da necessidade de uma Reforma Agrária no Brasil, o que é necessário fazer, de imediato, é criar e ampliar programas de assistência às famílias dos estudantes, de forma a tornar a educação básica possível, sem grandes sobressaltos. A escola deve servir como um instrumento de apoio à família do estudante, contando com psicólogos, assistentes sociais e profissionais que cuidem da qualidade de vida do aluno fora do ambiente escolar.
É possível tirar muitas lições. Não só do modelo coreano, como de outros modelos educacionais de sucesso. Essa série ainda continua, e continuaremos falando em soluções para a educação, tratando da qualificação dos profissionais da educação, da valorização dos professores e funcionários, das modificações necessárias nas estruturas físicas das escolas e nos currículos escolares, dentre outros problemas.
Em breve, trarei novas publicações sobre o mesmo tema. Peço a todos que continuem prestigiando, e tragam sugestões para melhorar nosso debate.
Foi a melhor parte até agora, de longe. heheTodos os sistemas no Brasil estão sucateados.Parabéns pelo texto.
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